Economia

O nó do setor de energia

Como foi, passo a passo, o caminho que levou o mercado brasileiro de energia elétrica ao caos absoluto

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h59.

No início, eram as trevas. E, no final, serão as trevas de novo, se o mercado de energia elétrica continuar como está. O setor conseguiu se encalacrar numa situação que cobra demais do consumidor final da mercadoria, embora pague de menos ao produtor. Em outros mercados, normalmente, a solução está no elo intermediário basta olhar para o vendedor, ou atravessador, para ver quem absorve o maior ganho, por comprar barato e vender caro. Entretanto, neste momento e neste mercado, o vendedor é justamente o elo mais fraco. E está prestes a se romper.

Quem quiser entender a enrascada em que se meteu o setor tem de lembrar que ele se parece mais, em sua estrutura, com um mercado de produtos que com outros mercados de serviços. Afinal, ele se divide em dois negócios fundamentalmente distintos: produção é uma coisa, venda ao consumidor final é outra. Em teoria, o produtor, ou gerador, investe muito na construção de uma usina hidrelétrica ou nuclear, por exemplo e tem retorno pequeno, porém seguro, por trabalhar num ambiente fortemente regulado, vendendo a energia a empresas, com contratos de longo prazo. As empresas que compram essa energia, as distribuidoras, a levam até o consumidor final. Em teoria, elas investem menos que as geradoras e podem ter retorno bem maior, mas atuam num mercado bem mais instável, menos regulado e com mais concorrência.

No Brasil, o setor de distribuição foi privatizado. Há atualmente 64 empresas com concessões para atuar como distribuidoras. Já a geração continua, na maior parte, com o Estado. Há quatro grandes empresas estatais geradoras de energia hidrelétrica no País, todas subsidiárias da Eletrobras: Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Furnas, cada uma com dezenas de usinas. Uma única grande geradora, a Gerasul (desmembrada da Eletrosul), foi privatizada.

O fato de a privatização ter parado nas distribuidoras levanta críticas por parte dos especialistas. Afinal, o Estado não tem capacidade de investir em geração. Essa interrupção, porém, não seria suficiente para, sozinha, levar o mercado ao estado atual. O problema é que ele sofreu quatro golpes fortíssimos em seguida e não havia regulamentação que previsse como absorver as pancadas. Cada um dos golpes seria suficiente para abalar negócios mal geridos. Em seqüência, levaram o setor inteiro a nocaute. Pela ordem:

1) Falta de regras: a privatização do setor começou em 1995, com as distribuidoras Light, do Rio de Janeiro, e Escelsa, do Espírito Santo. Só que a agência reguladora do setor, a Aneel, só começou a funcionar em dezembro de 1997. O resultado da falta de parâmetros para os contratos e das regras feitas às pressas pode ser visto no Paraná: o governo estadual suspendeu pagamentos e ameaça romper o contrato que a distribuidora local, a Copel, fechou na gestão anterior com a usina de Araucária, controlada pela americana El Paso.

A Copel havia se comprometido a comprar energia da usina de Araucária. Por causa disso, a americana El Paso investiu 340 milhões de dólares na construção da termoelétrica e, de forma justa, quer receber pela energia que foi encomendada. A Copel, por sua vez, pagava no contrato 42 dólares por megawatt. Quando os contratos haviam sido assinados, em 1999, ela conseguia vender essa energia a 125 dólares um belo negócio. Agora, por motivos que veremos abaixo, a Copel tenta vender o mesmíssimo megawatt a 1,1 dólar (4 reais), e não consegue. O atual governo paranaense também de forma justa considera o contrato que paga 42 dólares por megawatt lesivo aos cofres públicos. Quem está com a razão?

2) Endividamento: mesmo com o crescimento raquítico do PIB, o fornecimento de energia exige investimentos da ordem de 6,5 bilhões de reais por ano. Grande parte desse investimento foi feito pelas empresas vencedoras das privatizações, entre 1995 e 1999, em dólar, num momento em que elas já tinham consideráveis dívidas por causa das compras que fizeram. Em 1999, veio a liberação do câmbio, a desvalorização do real e o inevitável rombo nas finanças das empresas. O caso mais grave é o da Eletropaulo, maior distribuidora do País. Sua dona, a americana AES, tem dívidas de 1,2 bilhão de dólares com o BNDES. Há parcelas de dívidas vencendo no dia 28 (prazo que já é resultado de prorrogação). Na segunda-feira seguinte, 3 de março, o BNDES terá de decidir o que fazer se a AES não pagar. Entre as opções, está a reestatização da Eletropaulo. A AES já registra como perdas os investimentos de 1,3 bilhão de dólares feitos na Eletropaulo e na Cemig. A Previ, que tem pequena participação na empresa, negou que a diretoria da empresa estivesse avaliando este assunto. "A Previ já possui participações significativas no setor elétrico, não estando previstas novas aquisições", afirmou a empresa nesta terça-feira.

3) Pouca demanda: o mantra que faz brilhar os olhos das empresas de energia em qualquer lugar do mundo é crescimento do PIB . A demanda por energia cresce normalmente acima da economia. No caso do Brasil, isso não quer dizer muita coisa, pois a evolução do PIB ficou em nada empolgantes 1,4% em 2001 e 1,6% em 2002. Para piorar o cenário, em 2001 veio o recionamento. O consumidor se acostumou a controlar gastos e, mesmo com o fim do racionamento, não voltou ao nível anterior de consumo. O total de energia consumida no Brasil hoje está em cerca de 290 000 gigawatts-hora praticamente o mesmo de 1998.

4) Excesso de oferta: graças a medidas emergenciais e outorgas do direito de construção e exploração de usinas, o parque gerador brasileiro ganhou mais 6 500 MW em 2002. Em 2003, devem entrar na rede, no mínimo, mais 8 100 MW. Só para comparar: a média anual, de 1995 a 1999, foi de 2 100 MW. Isso fez com que o preço caísse dos tradicionais 70 reais por MW para apenas 4 reais por MW valor insuficiente para remunerar qualquer investimento na área.

Diante de problemas assim, não é de espantar, que a Aneel tenha incluído o risco Brasil no cálculo da próximo revisão perioódica de tarifas. Seu impacto, no final, não foi tão grande: o retorno proposto pela Aneel para as distribuidoras é de 11,26%, próximo dos números com que o setor trabalha. Mas a Aneel espera que a fórmula sirva, ao menos, como tranquilizador para os investidores. Pois, se o governo não pode investir, é deles que terá de vir o dinheiro necessário para manter o setor funcionando e evitar o próximo apagão.

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