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O consenso que falta

Emendas à Carta de 1988 indicam: não sabemos que República queremos

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h46.

A reforma da Previdência está na reta final, e só não será aprovada pelo Senado no caso de ocorrer uma improvável hecatombe política. Não se trata da reforma definitiva, milagrosa, mas é um passo em direção a maior racionalidade numa área minada por privilégios e absurdos.

Esse é o lado bom da reforma. Há outro, porém, sem nada a ver com a Previdência, mas que merece atenção. Aprovada, a reforma se transformará na 47a emenda a uma Constituição aprovada há apenas 15 anos. Feitas as contas, é uma modificação a cada quatro meses. Com todo o respeito, nem regulamento de campeonato de futebol no Brasil muda tanto. Só para comparar: a Constituição dos Estados Unidos foi emendada 27 vezes em 216 anos -- uma alteração a cada 8,3 anos. A da Espanha, desde 1978 regendo a vida de um país complexo, composto de várias nacionalidades, culturas e idiomas, e egresso de 36 anos de uma ditadura feroz instalada após uma guerra civil que causou 1 milhão de mortos, não sofreu o retoque de uma vírgula em 25 anos.

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Aprovada na contramão da história, a Constituição de 1988 atribuiu ao Estado um papel e um peso na vida do país que a experiência doméstica e internacional já tinha mostrado não ter mais sentido. A "Constituição Cidad" do doutor Ulysses Guimarães também não se sentou para fazer contas, distribuindo direitos para todo lado sem se preocupar com quem pagaria a fatura. Na fase final de discussões da Constituinte, o presidente José Sarney, que conviveria pouco mais de um ano de seu mandato (1985-1990) com a nova Carta, advertiu que o país se tornaria "ingovernável" com ela do jeito que estava sendo estruturada. No governo Fernando Collor (1990-1992), o Palácio do Planalto realizou um levantamento em seu texto: ele continha cinco vezes mais a palavra "direito" do que a palavra "dever".

Não é por acaso, pois, que só na Câmara dos Deputados quase 1 700 emendas à Constituição tenham sido propostas desde sua entrada em vigor. O furor mudancista se explica, é claro, pelo fato de que alterações, tendo em vista o timing ideológico da Constituição, eram, afinal de contas, necessárias. Mas ele certamente reflete outro fenômeno, a respeito do qual pouco se fala: ainda não há, na sociedade brasileira, um consenso sobre como devem ser as instituições.

Bem diferente do que ocorre nos Estados Unidos, para ficar de novo no exemplo da mais antiga república do mundo moderno e não falar de países civilizados multisseculares, como o Reino Unido. Mesmo nas tumultuadas eleições americanas de 2000, nas quais o hoje presidente George W. Bush, republicano, venceu o democrata Al Gore graças à anulação de cruciais votos democratas na Flórida, o respeito ao sistema, alvo do consenso geral, permaneceu incólume. O resultado ficou constrangedoramente pendente durante mais de um mês -- mas, quando a Suprema Corte decidiu o caso, o veredicto foi engolido por todos, e não passa pela cabeça de ninguém contestar a legitimidade de Bush.

No Brasil, graças a Deus, não mais derrubamos presidentes na marra. Mas se faz greve contra decisão judicial, existem leis que não pegam, o flerte com o parlamentarismo continua -- mesmo tendo sido o sistema maciçamente rejeitado no plebiscito de 1993 --, e uma corrente social forte como o MST debocha às claras da nossa "democracia burguesa". Nos Estados Unidos, o projeto de república dos fundadores foi desde sempre aceito por todos -- e quase santificado. Aqui, progredimos, mas estamos longe disso. Saímos do Consenso de Washington, assinamos com a Argentina o Consenso de Buenos Aires. Precisamos, agora, ter um Consenso de Brasília.

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