Economia

Não fosse pelo ruído, BC já poderia baixar juros, diz Velecico, da Genoa

Para economista-chefe da Genoa Capital, Brasil já teria fundamentos econômicos para baixar juros antes do resto do mundo

Igor Velecico, economista-chefe da Genoa Capital (Genoa Capital/Divulgação)

Igor Velecico, economista-chefe da Genoa Capital (Genoa Capital/Divulgação)

Carolina Riveira
Carolina Riveira

Repórter de Economia e Mundo

Publicado em 16 de março de 2023 às 06h53.

O Brasil poderia estar aproveitando melhor o feito de ter iniciado seu ajuste monetário antes do resto do mundo, não fossem ruídos como a discussão de metas de inflação, que desancoram expectativas. A visão é do economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico, que acredita que, em um cenário interno menos turbulento, já se estaria discutindo corte da Selic, hoje em 13,75%, "na próxima reunião" do Copom. "Era para estarmos discutindo uma Selic muito mais baixa", diz.

Em entrevista à EXAME, Velecico avalia, na outra ponta, que há hoje confiança maior nos planos da Fazenda, o que ajudou as projeções de déficit para 2023 convergirem para perto de 1% do PIB (sem nenhum ajuste, o déficit superaria 2%). Sobre o arcabouço fiscal a ser apresentado pelo governo neste mês, o economista diz que já deixou de prestar atenção aos mínimos detalhes do desenho; em seu cenário base, não há a ilusão de que haverá ajuste fiscal via despesa no curto prazo, nem mesmo com o novo arcabouço.

Para o economista, o divisor de águas que vai decidir se 2024 terá déficit perto de zero ou não são as frentes da receita, como o sucesso na temática do Carf, reoneração dos combustíveis e outros. "A regra fiscal em si não vai fazer cair despesa em dois anos", diz. O único ponto de atenção no arcabouço, diz Velecico, é garantir que a nova regra não se torne um mínimo de gastos, mas um centro. "Se tiver poucos gatilhos, ou muitas exceções a esses gatilhos, isso pode tornar a regra mais como um 'piso'", diz. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.


Qual é a tese para Brasil hoje?
O Brasil tem uma dicotomia muito grande entre o econômico e o ruído. Do ponto de vista econômico, estamos vendo uma desaceleração da atividade e da geração de empregos e um patamar de inflação que permitiria que se cortasse juros rapidamente. O PIB não cresceu no quarto trimestre [de 2022]; no primeiro, se excluídos os efeitos atípicos da agricultura, haverá crescimento modesto; e no segundo trimestre, está com cara de ficar próximo de zero. Ou seja, a economia está andando de lado e parte disso é a alta de juros que o BC fez lá atrás.

Havia todo um case para ficar otimista com os ativos Brasil em 2023: câmbio comportado, inflação mais baixa. O que apareceu de ruído? A discussão de metas de inflação. Para mim, interrompeu o processo, ou ao menos postergou.

Desancorou expectativas dos agentes, estava-se esperando que a inflação ia caminhar para 3%, um pouco mais ou um pouco menos — o que é do jogo. Depois da discussão de metas, notamos expectativas de médio prazo indo para 4%. Isso está impedindo que a gente colha os benefícios de ter feito ajuste monetário antes do resto do mundo.

Nesse ponto de a inflação estar relativamente controlada: a reoneração dos combustíveis não pode pressionar devido à participação forte de gasolina no IPCA? Ou o fiscal sinalizado com a reoneração é mais importante?
O mercado prefere que volte com os impostos da gasolina para melhorar a situação fiscal. O aumento dos impostos afeta pouco a condução da política monetária, porque o horizonte é de 18 meses, 24 meses. Não fazer o dever de casa do lado fiscal seria pior. Nesse sentido, a reoneração dos combustíveis só ajuda.

A apresentação do arcabouço fiscal também vai ajudar nessa sinalização? Como o senhor tem enxergado esse trade-off entre o teto de hoje, que é rígido mas foi descumprido, e uma nova regra que será diferente mas, supostamente, deve ser mais crível?
Tenho duas linhas de raciocínio. Não deveríamos esperar uma regra de gastos muito forte. No teto [atual], isso estava presente e acabou não funcionando. Não vai haver um ajuste fiscal no curto prazo, de dois ou três anos, pelo lado das despesas. Ajuste vai acontecer do lado das receitas. Também não acho que vai vir uma regra muito frouxa, que vá gerar trajetória explosiva da dívida. Tendo a dar menos importância para o desenho da regra como um todo.

Dou muito mais importância para o que o governo está tentando fazer na parte dos impostos — daí é que virá a concretização do cenário de superávit ou déficit próximo de zero para 2024.

Como não vamos cortar gasto em 2024, vamos ter de aumentar imposto. E como nessa regra só interessa despesa, não acho que deveria haver expectativa de que ela vai trazer a trajetória de dívida para algo muito melhor. Ela, no fundo, só vai dizer qual é o valor esperado das despesas do governo.

Agora, um segundo ponto: o medo que tenho com a regra é migrarmos de um teto de gastos para um "piso" de gastos. O mercado tem a expectativa de que vamos flutuar os gastos em torno desse indicativo de regra. Mas, se tiver poucos gatilhos, e muitas exceções a esses gatilhos, isso pode tornar o centro mais como um "piso".

O governo precisa ainda oficializar qual será o desenho do arcabouço, mas parte do que está lá já é um pouco esperado. Como o senhor vê algumas propostas, como medidas anticiclícas?
É muito provável que se tenha uma regra fiscal que cresça menos que o PIB. Na regra do teto era agressiva, crescia só o IPCA. Tinha uma queda razoável nas despesas sobre o PIB. Na regra que vai sair, eu não espero que o mercado acredite em queda muito grande das despesas ao longo do tempo — será uma queda suave ou eventualmente estabilização. A regra em si não vai fazer cair despesa em dois anos.

Se olharmos o consenso do Focus desde o começo do ano, a projeção de déficit para 2023 foi caindo gradualmente e agora está em 1% — um pouco na linha do que a Fazenda promete no plano fiscal apresentado em janeiro. É possível dizer que isso denota cerca confiança em Haddad?
Tem um pouco de tudo. Há um pouco mais de confiança no plano que está sendo desenhado pela Fazenda. O pacote de reonerações, Carf, ICMS na base do PIS-Cofins, combustíveis, balões de ensaio de jogos de azar, pequenas medidas que foram melhorando um pouco o cenário que as pessoas tinham em mente. Como também o caso do Imposto de Renda, que foi feita uma saída interessante: muita gente tinha custo na ordem de R$ 30 bilhões, mas vai ficar na ordem de R$ 8 bilhões. Então, teve, de fato, alguma melhora advinda da Fazenda. E tem também uma melhora nos dados correntes, os dados de receita foram melhores do que o esperado, enquanto despesas do começo do ano tendem a ser menores, é normal, porque trocou toda a máquina pública e demora até as coisas engrenarem.

E no caso da reforma tributária, que tipo de risco ou sinalizações positivas estão no radar?
Do ponto de vista fiscal e arrecadatório, a Fazenda tem batido o pé de que quer produzir uma reforma neutra. Não tem então um upside risk vindo daí. Mas a implementação da reforma demora a gerar efeito. Em 2023 aprova a PEC, 2024 aprova legislação infraconstitucional, roda dois anos com IVA bem baixinho. Começa a afetar de fato arrecadação, a vida das pessoas, mais para 2026, 2027. Só do ponto de vista de crescimento talvez tenha alguma antecipação, porque, afinal, esse é um dos grandes problemas da economia brasileira: caos tributário, baixíssima abertura da economia e juro longo extremamente elevado. Então, pode ter alguma melhora de ânimo por conta da aprovação da reforma.

Estamos especialmente em uma semana de cenário externo muito turbulento, com os casos de SVB e Credit Suisse. Como o Brasil se posiciona dado esse momento do exterior?
O fato de termos esse ruído sobre as metas, fundamentos, desancoragem, nos atrapalha um pouco a navegar nesse cenário. Tem um problema acontecendo no sistema bancário americano, aparentemente também no europeu.

Está muito cedo para dizer se vai se transformar numa crise que precise de mais intervenção. Provavelmente na Europa vai; nos EUA, ainda vamos descobrir. Mas tudo isso implica numa possível contração de crédito mais rápida e aguda.

Devemos ver uma desaceleração lá fora que pode antecipar o ciclo de cortes ou interromper o ciclo de alta que outros BCs estão promovendo. Se descobrirmos em uma semana que foi só um susto, que as medidas de liquidez foram suficientes, a gente volta para o que estava em voga antes — alta de juros para combate à inflação. Agora, se não for suficiente, se houver impacto dos bancos na economia real, vai exigir menos juro lá fora.

O que isso significa para o Brasil e outros emergentes?
Para os emergentes, o contágio direto tende a ser pequeno. Pode ser que tenha impacto na economia americana e antecipe desinflação, o que para o Brasil tende a ser menos relevante pelo canal direto e mais pelas questões financeiras — moedas depreciam e isso eventualmente aumenta nossa inflação corrente. Mas boa parte dos BCs está mirando em um horizonte um pouco mais ampliado. O choque que não machuca muito a moeda e gera desaceleração global tende a ser positivo para interromper as altas [de juros] dos países emergentes. No Brasil, se conseguirmos superar o ruído, seria ótimo, a gente volta para o fundamento da economia, que é: fomos o primeiro BC a subir e deveríamos ser o primeiro a cortar. Mas o potencial efeito baixista sobre os juros tende a ser atenuado por conta do nosso problema de desancoragem.

Quanto o senhor diz que haveria possibilidade de antecipar cortes, isso seria muito mais do que o 1 p.p de consenso do Focus hoje, que aponta em Selic indo de 13,75% para 12,75% até o fim do ano?
Sim, muito mais. O que estávamos discutindo há alguns meses era se teria de cortar juros em março. E de quatro meses para cá a economia se comportou conforme o previsto. Então, era para estarmos discutindo corte agora, nessa reunião, porque o cenário evoluiu melhor — e até apareceram outras coisas, como Americanas e potencial efeito na contração de crédito e liquidez. Era para estarmos discutindo uma Selic muito mais baixa.

E outra coisa que acho importante pontuar: o Banco Central trabalha com expectativa de juro neutro de 4%. Têm saído notícias desde a última reunião que podem levar a aumento adicional desse juro neutro e, de novo, de modo a atrapalhar a baixa de juros. Como voltar os subsídios do BNDES, entrevistas dizendo que o tamanho do banco vai dobrar, formas de baratear o custo de crédito. Então, já não bastasse a discussão das metas de inflação, tem de certa forma uma tentativa de partes do governo de afrouxar as condições financeiras, ou tornar o impacto da política monetária menos percebido pelos agentes. Isso pode acabar nos atrapalhando a virar essa página.

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