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Leia a íntegra da carta que Lula entregou a FHC

O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, entregou carta ao presidente Fernando Henrique Cardoso durante o encontro com os candidatos na tarde desta segunda-feira, no Palácio do Planalto, em Brasília. Lula participou do encontro com José Dirceu, presidente do PT e coordenador de sua campanha, com Aloizio Mercadante, deputado […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h45.

O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, entregou carta ao presidente Fernando Henrique Cardoso durante o encontro com os candidatos na tarde desta segunda-feira, no Palácio do Planalto, em Brasília.

Lula participou do encontro com José Dirceu, presidente do PT e coordenador de sua campanha, com Aloizio Mercadante, deputado federal e um dos coordenadores da área econômica de seu programa de governo, e com Antonio Palocci, coordenador do programa de governo de Lula.

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Leia abaixo a íntegra da carta que Lula entregou a FHC e leu para a imprensa na saída do encontro. O candidato fez ainda um comentário sobre o acordo com o FMI. Leia abaixo:

CARTA DE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Brasília, 19 de agosto de 2002

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República Fernando Henrique Cardoso

Convidado por Vossa Excelência para uma conversa sobre a instabilidade econômica pela qual passa o Brasil, não poderia furtar-me a aceitar o seu chamado. Como já havíamos expresso na Carta ao Povo Brasileiro, em 22 de junho passado, ocasião em que firmamos o compromisso de honrar contratos e controlar a inflação, com o rigor fiscal necessário, estamos conscientes da gravidade da situação e dispostos a dialogar com todos os segmentos da sociedade de modo a evitar que ela traga mais aflição ao povo brasileiro.

Apesar de preocupados com as dificuldades que a nosso ver decorrem do esgotamento do atual modelo econômico, estamos seguros de que o Brasil possui todas as condições para superar este quadro e rumar, em paz, para um futuro de crescimento e inclusão social. Nosso país é grande, conta com inúmeros recursos, instituições estáveis e, sobretudo, tem uma população disposta a enfrentar os problemas do momento com esperança e energia.

Ao lançarmos nosso Programa de Governo, aqui em Brasília há um mês, insistimos em que o país não deveria acovardar-se. Precisamos vencer a crise atacando as suas causas, entre elas a falta de crescimento sustentado e os juros altos. Quero reiterar a Vossa Excelência, com franqueza, o que afirmamos naquele dia: se vencermos as eleições, começaremos a mudar a

política econômica desde o primeiro dia.

Tal compromisso é sagrado. No entanto, diante das turbulências financeiras das últimas semanas, torna-se necessário agir de imediato. Não é possível esperar até que o próximo presidente tome posse, em primeiro de janeiro de 2003, sob pena de vermos ampliadas a inadimplência das empresas brasileiras, o desemprego e a recessão. Em particular, torna-se prioritário impedir que as nossas reservas cambiais estratégicas sejam consumidas, na medida em que o novo acordo com o FMI não prevê, no curto prazo, aporte financeiro significativo. Sabe Vossa Excelência que isso constrangeria perigosamente a

gestão futura da economia.

Oferecemos, a seguir, algumas sugestões, que acreditamos possam ajudar o país a sair da crise, conscientes de que a exclusiva responsabilidade pela política econômica é do governo de Vossa Excelência até o final do ano.

Em primeiro lugar, é necessário reabrir as linhas de financiamento para as empresas endividadas em dólar e para o comércio exterior brasileiro. Nas últimas semanas, assistimos ao rebaixamento do país pelas agências de risco e, apesar do anunciado acordo com o FMI, que deverá ser submetido ao Senado, não se viu mudança significativa na disposição do sistema financeiro internacional quanto ao crédito para o Brasil.

Sugerimos que o governo brasileiro desencadeie uma ampla articulação internacional para restabelecer as linhas de financiamento ao país, com uma ofensiva dirigida ao Banco Central dos EUA e ao Banco Central Europeu, bem

como aos grandes bancos privados internacionais. Nem mesmo na grave crise cambial dos anos 80, as nossas linhas de crédito de curto prazo foram atingidas como ocorre neste momento.

Sendo o Brasil um país forte, disposto a honrar seus compromissos como tem feito e não deixará de fazer, não há nenhum motivo econômico substantivo para que as nossas linhas de crédito permaneçam retraídas.

Em segundo lugar, é preciso gerar um elevado superávit comercial, fundado no aumento expressivo das exportações, de modo a diminuir a vulnerabilidade do país com relação à volátil liqüidez internacional. Isso requer, de imediato,

uma ampla ofensiva diplomática, que mobilize todas as embaixadas e consulados brasileiros para apoiar o esforço exportador do Brasil.

Exige, além do mais, uma ação decidida nas frentes de negociação internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, contra o protecionismo injustificado e os subsídios indevidos dos países ricos que prejudicam as vendas de nossos produtos, como o suco de laranja, o açúcar, a soja e o aço, entre outros. Igualmente relevante é avançar na formalização

de acordos bilaterais que ampliem as nossas possibilidades de comércio internacional.

É fundamental, também, que as linhas de crédito dirigidas ao setor exportador, já anunciadas pelo governo, sejam imediatamente disponibilizadas.

Sabemos que a elevação do dólar vai criar dificuldades para as empresas que importam matérias primas e componentes, pressionando os preços internos. O governo deveria instalar, imediatamente, câmaras setoriais com a participação de entidades empresariais e de trabalhadores para iniciar um programa especial voltado a melhorar a nossa pauta de exportação e promover um criterioso processo de substituição competitiva de importações.

Ainda com o objetivo de proteger as nossas contas externas, sugerimos que o governo atue de modo a garantir que a construção das três novas plataformas para a Petrobrás seja feita no Brasil. Tal resolução contribuiria, além do mais, para a geração de empregos e para a reativação da economia.

Queremos pedir a atenção de Vossa Excelência, na mesma linha de preocupação, para que a compra dos aviões requeridos pela FAB destinados a substituir os atuais Mirage, leve em consideração os interesses nacionais de consolidação de uma indústria aeronáutica mundialmente competitiva e de transferência de tecnologia. Com esse intuito, seria conveniente que a decisão fosse tomada sem precipitação, dada a complexidade do assunto.

Em terceiro lugar, gostaríamos de indicar a necessidade de medidas imediatas para reativar a indústria, cuja capacidade ociosa, segundo a Fundação Getúlio Vargas, é hoje, em média, de 20,4%. Para incentivar a indústria, além da redução progressiva e sustentada da taxa de juros, deveriam ser implementados acordos setoriais emergenciais, em particular nos segmentos que têm grande impacto na cadeia produtiva e que são intensivos no uso de mão de obra.

Propomos ainda a implantação do projeto de renovação da frota nacional, que pode ajudar o setor automobilístico a vencer a falta de demanda que lota o pátio das montadoras e ameaça o emprego dos trabalhadores. Vinculado a uma revalorização do carro a álcool, tal projeto pode ser, além do mais, um importante incentivo ao setor sucro-alcooleiro.

Para dinamizar o setor produtivo, devemos aprovar no Congresso Nacional, o mais rápido possível, o Projeto de Lei 6665/02, que elimina parcialmente a cumulatividade das contribuições sociais. O mesmo projeto prevê garantias para a desoneração do PIS e da Cofins no que diz respeito aos produtos de exportação.

Se o fim da cumulatividade não trouxer dificuldades para a receita pública, estará aberto o caminho para realizarmos, no ano que vem, uma reforma tributária ampla.

Por fim, Senhor Presidente, acreditamos serem necessárias ações rápidas para proteger e incentivar as pequenas e médias empresas, bem como para defender a economia popular. A população pobre vê com angústia o aumento do desemprego e a possibilidade de que os preços subam.

O governo, com dinheiro do FAT e do BNDES, poderia aportar um razoável volume de recursos para oferecer crédito subsidiado às microempresas, à economia informal e às pessoas que querem empreender. O crédito, a ser concedido por meio da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, estimularia a regularização do mercado informal, ampliando, assim, o emprego com registro e a arrecadação previdenciária. Uma poderosa rede de microcrédito pode ser um forte incentivo ao crescimento econômico, ajudando a reverter a tendência de fraco desempenho do PIB neste ano.

O governo deve assegurar que não haja abuso nos preços de produtos de consumo de massa. Além do gás de cozinha, o pão e os alimentos essenciais devem ser protegidos. Seria oportuna, também, a expansão do seguro-desemprego frente à possibilidade de aprofundamento do quadro recessivo.

Como já afirmamos em outras oportunidades, estamos dispostos a fazer o que for necessário para ajudar o Brasil a sair da crise. Sem abrirmos mão de nossos princípios, saberemos sempre colocar os interesses maiores do país acima de quaisquer outros. Esperamos, por isso, que as propostas que ora lhe encaminhamos sejam acolhidas com o mesmo espírito aberto e franco com o qual nos apresentamos hoje perante Vossa Excelência.

Aproveitamos a oportunidade para transmitir-lhe nossos votos de estima e consideração,

Luiz Inácio Lula da Silva

NOTA SOBRE O ACORDO COM O FMI

Divulgada originalmente em 08 de agosto de 2002

1. Como já afirmamos na Carta ao Povo Brasileiro, temos consciência da gravidade da crise financeira que afeta o Brasil. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar o aprofundamento dessa crise, que significaria mais sofrimento para a população na forma de aumento do desemprego, queda na renda e crescimento da pobreza.

2. Do nosso ponto de vista, a atual crise decorre da vulnerabilidade externa da economia brasileira, que é resultado dos erros cometidos pelo governo nos últimos oito anos. Em lugar de fazer o país crescer, robustecer o mercado interno e exportar mais, o governo adotou um modelo em que o Brasil ficou estagnado e dependente da volátil liquidez internacional. Com isso, a cada nova turbulência é necessário contrair novos empréstimos.

3. Dentro desse modelo, tornou-se inevitável recorrer outra vez ao FMI. Nós sempre dissemos que era melhor não ter que ir ao FMI. A história recente da intervenção do fundo na América Latina é um testemunho dos graves equívocos da sua concepção monetarista, ortodoxa e recessiva. Mas tendo-se tornado inevitável, entendemos que este acordo permite tranqüilizar o mercado e, com isso, dar uma chance, se forem tomadas as medidas corretas, de o país voltar a crescer. Pretendemos, nesta campanha eleitoral, mostrar que o Brasil, com um novo governo, apoiado em outra coalizão, tem todas as condições de implementar as mudanças sociais que o povo reclama. Mas para isso, o país precisa voltar a crescer, compromisso maior de nosso governo.

4. O governo atual não deve acomodar-se com o acordo a que chegou com o FMI. Em primeiro lugar, é preciso que os bancos internacionais restabeleçam as linhas de financiamento comercial e renovem as linhas de crédito às empresas brasileiras que precisam saldar dívidas em dólar. Não podemos permitir que essas empresas quebrem e assim aumentem o desemprego no país. Deve-se, também, tomar medidas emergenciais com vistas a diminuir a nossa vulnerabilidade. Para isso, é preciso votar com urgência no Congresso uma mini-reforma tributária que desonere as exportações, preserve as receitas tributárias e contribua para gerar um grande superávit comercial. É necessário, além do mais, reabrir as linhas de crédito às empresas exportadoras. Faz-se urgente reativar o Proex, cuja verba prevista para o ano todo esgotou-se em junho. É necessário que o BNDES diminua os juros cobrados dos exportadores. É preciso também defender com vigor a economia popular, impedindo que os bens de consumo do povo, como o gás, o pão e os remédios, aumentem de preço em função das variações do dólar.

5. Fazemos um alerta ao governo quanto ao uso das reservas brasileiras. A autorização para redução do piso das reservas líquidas em US$ 10 bilhões, ainda que aumente a capacidade de o atual governo defender a moeda, se efetivada, representa uma restrição muito grave para o início do próximo governo. É inaceitável que as nossas reservas sejam gastas com especuladores e o Brasil seja deixado em uma situação ainda mais vulnerável do que já está.

6. Se vencermos as eleições, vamos, desde o primeiro dia, lutar de modo incansável para aumentar a produção. Apostamos em um modelo econômico alternativo, em que o Brasil volte a crescer, a exportar mais e a diminuir a sua dependência do exterior. Na Carta ao Povo Brasileiro assumimos dois compromissos para nossa estratégia de transição rumo a um novo modelo: o de honrar todos os contratos, internos e externos, e o de preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade de o governo honrar seus compromissos. Para o próximo ano, o Congresso Nacional já estabeleceu a meta de 3,75% do PIB. O acordo com o FMI estende essa meta para os anos de 2004 e 2005, o que restringe a liberdade de política econômica do próximo governo. Nosso governo se empenhará em criar condições para superar essa restrição, agindo no sentido de estimular o crescimento e de reduzir, de modo sustentável, a taxa de juros. Esse é o melhor caminho para melhorar a relação dívida-PIB.

7. Aceitamos, por ser inevitável, o acordo ora firmado. Porém, ao assumirmos o governo, aproveitaremos de maneira soberana e responsável as negociações periódicas que ele mesmo prevê. Acreditamos no Brasil, no potencial do país e do seu povo. Reafirmamos os compromissos históricos representados por nossa candidatura com uma nação soberana, justa e solidária, que só existirá se implantarmos um novo modelo econômico no país.

Luiz Inácio Lula da Silva.

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