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Indenização por "lixo nuclear" não chega a cidades

Compensação prevista por lei não é paga nem a Angra; governo deve rever a indenização para convencer novos municípios a abrigar usinas e depósito

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h18.

Enquanto o governo traça planos para o programa nuclear que incluem até oito novas usinas e um depósito para rejeitos, os municípios que hoje já acumulam resíduos radioativos estão sem receber uma compensação prevista em lei desde 2001. Nem mesmo Angra dos Reis, onde está instalada a única central nuclear brasileira, contabiliza o dinheiro a que tem direito.

O valor devido é uma espécie de indenização aos municípios que abrigam depósitos iniciais, intermediários e finais de rejeitos conhecidos como "lixo nuclear". Quem paga essa compensação são os produtores de resíduos, ou seja, usinas, hospitais, centros de pesquisa, universidades e indústria. Angra 1 e 2, por exemplo, armazenam rejeitos da produção de energia em quase 6 mil tambores, um total de 2.180 metros cúbicos; por esse volume, a administradora da central, a Eletronuclear, teria de pagar uma taxa mensal ao município de Angra dos Reis. Mas os pagamentos nunca foram feitos por causa do valor da compensação, considerado baixo: 5.498,90 reais por mês. "Acabou ficando no esquecimento. Hoje eu até me recuso a receber uma quantia tão pequena", diz o prefeito de Angra, Fernando Jordão. Segundo a Eletronuclear, a indenização nunca chegou ao governo de Angra por omissão do próprio município, como afirma Leonam dos Santos Guimarães, assessor da presidência da companhia: "Não sei se o prefeito achou pouco, mas o fato é que eles deixaram para lá".

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O valor da compensação é definido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), que segue critérios definidos em uma resolução do órgão de 2003, como densidade demográfica do município que recebe os rejeitos, tratamento que o material recebe, tipo e volume dos materiais. De acordo com o presidente da comissão, Odair Gonçalves Dias, o cálculo será revisto daqui para a frente. Isso porque o governo terá de acenar com benefícios financeiros reforçados para que municípios se ofereçam a receber as novas usinas, as quais devem, elas próprias, armazenar seus rejeitos em depósitos iniciais, como hoje fazem Angra 1 e 2. Cidades do Nordeste e do interior de São Paulo estão sendo estudadas para a instalação das próximas centrais. Além disso, a Cnen também terá de convencer algum município a ser sede de um depósito final para rejeitos de baixa e média radioatividade (equipamentos e uniformes usados em usinas e material contaminado vindo de hospitais, centros de pesquisa, universidades e indústria). "A compensação que temos não é justa e terá de ser revista", afirma Gonçalves Dias.

A mudança na forma do cálculo já é reivindicada por Angra, onde agora serão retomadas as obras de Angra 3. "Temos que repensar esse valor, vamos negociar", diz Jordão. O prefeito afirma ainda não ter uma estimativa da quantia que pretende requerer. "Somos a favor da construção de Angra 3, mas desde que o município tenha uma contrapartida" ( clique aqui para ler a entrevista de Jordão ). A Eletronuclear diz estar aberta à discussão de um novo valor, mas lembra que a definição da quantia tem de partir da Cnen. A comissão, por sua vez, afirma que deve aumentar o valor a que o município tem direito, e estuda se para isso será necessário alterar sua própria resolução ou a lei que regula a indenização. A comissão alega que a melhor proposta seria a mais demorada, a mudança na legislação, já que esta apresentaria imperfeições.

De acordo com a Cnen, a lei ( clique aqui para ler a lei na íntegra ) recebeu adendos e alterações durante sua tramitação que "incluíram na compensação depósitos iniciais de todos os tipos de rejeitos, praticamente inviabilizando sua aplicação eficiente e contrariando seu espírito". Com isso, o texto sancionado apresenta falhas como a cobrança da indenização de clínicas médicas, cujos resíduos produzidos perdem a radioatividade dentro de pouco tempo, diz a comissão. Hoje, no entanto, essa disposição legal nem tem surtido efeito: universidades, centros de pesquisa, indústria e clínicas, assim como a Eletronuclear, nunca remuneraram a administração dos municípios em que operam pelo "lixo nuclear" produzido. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde a Cnen opera depósitos para esses rejeitos, não estão recebendo a indenização prevista em lei. Para esses casos, mais uma vez, a justificativa dada pela Cnen é o valor da compensação, "tão baixo a ponto de não compensar a cobrança".

Segundo a Cnen, a revisão, seja da lei, seja da resolução, deve sanar as distorções e recuperar o intuito inicial de excluir hospitais e clínicas do pagamento da indenização. Atualmente o único município do país que recebe, como exige a previsão legal, a compensação pelos depósitos de rejeitos nucleares é Abadia de Goiás. Escolhida para receber o material radioativo gerado pelo acidente com Césio 137 de Goiânia, em 1987, a cidade hoje é remunerada em 6 mil reais por mês, segundo a Cnen.

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