Economia

Governo propõe ao Congresso mudança em estatais que pode abrir espaço no limite de gastos

Segundo o Executivo, o objetivo é criar "caminho de transição" para que empresas ganhem autonomia do Tesouro

Lula: governo atual enfrenta muitos desafios em diversos setores (Ricardo Stuckert / PR/ Flickr/Divulgação)

Lula: governo atual enfrenta muitos desafios em diversos setores (Ricardo Stuckert / PR/ Flickr/Divulgação)

Agência o Globo
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Publicado em 16 de outubro de 2024 às 20h10.

Última atualização em 16 de outubro de 2024 às 20h10.

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O governo federal enviou dois projetos de lei ao Congresso Nacional que abrem a possibilidade de as receitas geradas pelas estatais que dependem do Tesouro Nacional possam ser mantidas dentro do caixa da empresa, em vez de repassadas aos cofres da União. Com esses recursos, as estatais poderiam financiar parte de seus investimentos.

Segundo o governo, o objetivo é efetivar uma possibilidade prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e criar um "caminho de transição" para que essas estatais possam adequar suas operações e alcançar no futuro a independência. Os projetos, encaminhados ao Congresso no início do mês, foram antecipadas pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmadas pelo GLOBO.

Pela proposta, as estatais dependentes que demonstrarem condições de alcançar autonomia financeira deixariam de compor o chamado Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, sujeito ao limite de gastos. Na prática, especialistas apontam que a medida abriria um pequeno espaço para outras despesas dentro do teto, hoje já saturado pelo crescimento dos gastos obrigatórios.

Atualmente, as 17 estatais dependentes dos aportes do Tesouro constam do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social, cujos gastos são sujeitos ao limite de despesas do arcabouço fiscal. São exemplos a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), responsável por obras para o desenvolvimento regional, a Embrapa, e Telebrás.

Caminho de transição

A proposta é que aquelas que firmarem um "contrato de gestão" migrem para o Orçamento de Investimentos, onde estão as empresas independentes, como a Petrobras e o BNDES, mesmo que ainda dependam do Tesouro. O Orçamento de Investimentos não fica sujeito ao teto de gastos.

Previsto na LRF, o contrato de gestão é um plano firmado por empresas controladas pela União com objetivos e metas de desempenho. Segundo a lei, as estatais que firmarem o contrato disporão de "autonomia gerencial, orçamentária e financeira". Na exposição de motivos do projeto, o governo argumenta que o instrumento não foi efetivado, já que essa regra não é prevista na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO).

O intuito então é adequar as LDOs de 2024 e 2025 para incluir o contrato de gestão e "viabilizar que empresas estatais atualmente classificadas como dependentes que tenham condições de alcançar a sustentabilidade econômica e financeira passem a compor o Orçamento de Investimento das Empresas Estatais, conferindo-lhes assim maior autonomia gerencial, orçamentária e financeira".

"Dessa forma, pretende-se criar um caminho institucional de transição para que empresas dependentes possam adequar suas operações e promover a geração de receitas próprias, de modo a alcançar a saída futura da dependência de recursos do Tesouro Nacional", diz a exposição de motivos.

Apesar de o Orçamento de Investimentos não estar sujeito ao limite de despesas do arcabouço, o projeto estabelece que os gastos da União com as estatais enquanto elas não conseguirem se firmar com "não-dependentes" do Tesouro continuarão a constar do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. Elas também seguirão o teto salarial do funcionalismo, atualmente de R$ 44 mil.

"O montante de recursos repassados pela União para a empresa, por meio de contrato de gestão, continua a constar do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. Destaque-se também que, até que a empresa seja definitivamente classificada como não-dependente, ela seguirá o teto constitucional de salário de empregados e administradores", destaca a exposição de motivos.

Contudo, as despesas das estatais dependentes que forem financiadas por suas próprias receitas não serão contabilizadas no Orçamento, o que pode abrir espaço dentro do limite de gastos do governo federal.

Foco no lucro

A secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Elisa Leonel, argumenta que os investimentos que as empresas irão custear com as receitas próprias hoje não existem. Elisa Leonel reforçou que os gastos que a União tem hoje com essas empresas continuarão dentro do Orçamento Fiscal.

--- Hoje, o que tem é pouco para que as estatais ganhem eficiência nos seus negócios. A aposta é que elas sejam capazes de criar receitas próprias.

Segundo ela, a iniciativa não "tem correlação com a pauta de déficit do momento", mas decorre de uma discussão madura na pasta que concluiu que o desenho institucional atual cria um ciclo vicioso que as impede de sair da dependência. A decisão de já prever o dispositivo na LDO deste ano é para criar as bases para implementar a medida no ano que vem, diz a secretária.

A avaliação é que a iniciativa vai permitir que as empresas revertam as receitas geradas em ganhos de produtividade e eficiência para aumentar ainda mais o faturamento.

--- A receita que a estatal tiver, em vez de ser somada ao Orçamento da União, vai ficar no caixa dela. O cofre da União vai perder uma pequena receita, mas a aposta é de médio prazo, que vão devolver em dividendos. É uma aposta que essas empresas terão eficiência, ganharão escala e devolverão em dividendos para União.

A secretária também afirmou que o contrato de gestão estará disponível potencialmente para todas as estatais dependentes, mas não necessariamente todas terão capacidade. Ela destaca que as empresas vão ter que se comprometer com metas financeiras e indicadores físicos de entregas referentes às atividades que desempenham.

Depois de aprovada no Congresso, a iniciativa vai precisar de regulamentação da pasta. Só então serão analisadas em quais estatais o governo vai investir para tentar firmar os contratos de gestão.

--- Só vamos assinar contratos de gestão com as estatais viáveis e capazes de gerar receitas. O nosso foco é nas estatais que possam gerar lucros --- frisou Elisa Leonel.

A secretária ainda rebateu críticas sobre falta de transparência da medida, argumentando que todas as despesas poderão ser acompanhadas nas peças orçamentárias referentes às estatais dependentes e Sistema de Informação das Estatais (Siest).

O que dizem os especialistas

Especialistas em contas públicas, porém, avaliam que a iniciativa pode representar uma brecha ao arcabouço fiscal.

"O espaço correspondente às receitas próprias das empresas seria aberto dentro do limite de despesas. O valor é pequeno, mas preocupa por abrir precedente", diz o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, em nota a clientes.

Nas contas de Sbardelotto, o espaço que poderia ser aberto no limite de gastos no curto prazo seria de R$ 2,2 bilhões. Hoje, as receitas próprias somam R$ 2,4 bilhões, enquanto as despesas são de R$ 33,6 bilhões. Do total de receitas, o economista desconta R$ 200 milhões referentes a empresas que prestam serviços para hospitais universitários, que já estão excetuadas do teto.

Mais cedo, nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que "não há hipótese" de retirar estatais do Orçamento público, após repercussão negativa sobre a iniciativa. Segundo o ministro, a intenção dos projetos de leis enviados pelo governo ao Congresso é tornar as estatais menos dependentes de recursos do Tesouro Nacional e, eventualmente, desvinculá-las do Orçamento.

— O objetivo da medida é fazer com que as estatais não dependam mais de recursos orçamentários. Há estatais que podem deixar de ser dependentes, queremos oferecer as essas estatais planos de trabalho para deixarem de serem dependentes.

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