Economia

Especialistas defendem nova eleição com Chávez candidato

O Grupo dos Amigos da Venezuela, formado por seis países, entre eles Brasil e Estados Unidos, trabalha contra o relógio: não resta muito tempo para agir e evitar o pior no país. A Venezuela é um parceiro estratégico no setor de petróleo tanto para Brasil quanto para Estados Unidos. Ou se encontra uma solução constitucional […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h47.

O Grupo dos Amigos da Venezuela, formado por seis países, entre eles Brasil e Estados Unidos, trabalha contra o relógio: não resta muito tempo para agir e evitar o pior no país. A Venezuela é um parceiro estratégico no setor de petróleo tanto para Brasil quanto para Estados Unidos. Ou se encontra uma solução constitucional e pacífica que satisfaça governo e oposição ao mesmo tempo, ou o país, o quinto maior produtor de petróleo do mundo, corre o risco de viver confrontos que comprometeriam a Constituição e a democracia. O que fazer? "A melhor solução seria antecipar as eleições presidenciais e dar a Hugo Chávez a chance se candidatar", afirma o venezuelano Rafael Villa, cientista político da Universidade de São Paulo. "É a saída para atender a oposição sem descontentar Chávez."

Tal solução foi levantada recentemente pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter. Ele sugeriu uma redução do mandato de Chávez e a convocação de eleições presidenciais e legislativas para agosto. A proposta requer mudança na atual Constituição venezuelana. De acordo notícias da imprensa internacional, porém, Chávez estaria disposto a aceitar a renúncia desde que pudesse de fato se lançar candidato novamente.

Para Villa, além de não ser uma saída traumática para o presidente, a vitória de Chávez nas eleições não é um cenário improvável: "A oposição tem força, mas não tem candidato. Eles convocaram a greve, mas não apresentaram um projeto para a sociedade". De acordo com o cientista político, muitos venezuelanos têm a seguinte dúvida: derrubamos Chávez. Depois faremos o quê?. Enquanto a resposta não for plenamente confiável, afirma Villa, Hugo Chávez teria chances de vencer a nova eleição.

Os motivos da greve

Mas o que há por trás de uma greve de quase dois meses que praticamente paralisou a economia? Por que o país parece caminhar para a guerra civil sem que uma das partes faça concessões? "A reposta está na instabilidade política nos últimos 10 anos", diz Villa. "É preciso entender a Era Chávez."

Embora a democracia na Venezuela seja uma das mais antigas da América Latina (há eleições diretas no país desde 1958), a política local viveu dias de tensão na década de noventa. Em 1992, Hugo Chávez liderou a tentativa de golpe de Estado contra um governo que, diziam os golpistas, usava a força para atacar e silenciar a sociedade. Mesmo lutando contra um governo acusado de massacrar civis, o Exército, liderado por Chávez, usou da força, sem manifestar preocupação democrática. Derrotado na tentativa de golpe, Chávez passou dois anos preso. Consolidou-se como líder dos pobres e oprimidos. Nas eleições de 1998 sagrou-se presidente graças a um discurso de combate à pobreza e à corrupção. "Ele foi eleito prometendo combater as oligarquias e isso atraiu a atenção da classe média e dos pequenos empresários", afirma Villa. "Queriam de Chávez um novo governo populista."

De lá para cá, porém, o apoio ao presidente venezuelano mudou. Por quê? Para a oposição, Hugo Chávez impôs um governo autoritário com objetivo de implantar o socialismo inspirado no modelo cubano de Fidel Castro e controlar os Três Poderes com mão de ferro. Na avaliação de Villa, porém, o presidente despertou a ira das centrais sindicais (principalmente do setor petrolífero) e dos grandes empresários quando tentou aprovar reformas econômicas e trabalhistas.

O fato é que o governo Chávez, mal começou, pôs a própria legitimidade em xeque. Em 1999, foi aprovada uma nova Constituição, que aumentou o mandato presidencial para 8 anos com direito reeleição. "A Constituição de 1999 nasceu com as promessas de renovação do sistema, de defesa dos direitos sociais e políticos. Foi, na verdade, um trágico passo para trás e um engano do qual os venezuelanos estão despertando agora", diz o jornal "El Nacional" em editorial nesta quinta-feira (23/01).

Chávez aproveitou o início do governo e o apoio popular para promover a reforma do Judiciário e para compô-lo com membros de sua confiança. A oposição começou então a criticar a conduta política do presidente. Sua popularidade caiu de 90%, logo após a eleição, para menos de 30% no último ano. Antigos aliados políticos debandaram para a oposição e Chávez ficou isolado politicamente. No início de 2001, o presidente lançou um pacote de leis que incluía reforma agrária e aumento de impostos das empresas petrolíferas estrangeiras. Mais pimenta nos olhos dos empresários. Em abril, um golpe militar derrubou o presidente, depois que uma manifestação anti-Chávez terminou com a morte de 17 pessoas. Um contragolpe, dois dias depois, conduziu-o de volta ao poder.

Em 2 de dezembro, a oposição iniciou a greve geral, pedindo a renúncia do presidente ou a realização de um plebiscito imediato para que o povo diga se quer ou não a presença de Chávez no Palácio de Miraflores. Sem fôlego para reagir, o presidente acusou a oposição de golpista, argumentou que a greve põe em risco a estabilidade democrática do país e o cumprimento da Constituição. Para a imprensa venezuelana, o governo Chávez e as medidas que ele vem tomando para tentar debelar a greve são ditatoriais. Editorial do "El Nacional" de 22 de janeiro afirma: "Durante quatro anos, Chávez quis manter a imagem externa de defensor da ordem nacional, enquanto, no país, ameaçava, reprimia e intimidava os diversos setores nacionais, dos trabalhadores aos empresários". Artigo publicado no "El Universal" em 20 de janeiro diz que o governo Chávez não representou apenas a alternância de poder, mas uma mudança de regime na Venezuela: "Passamos do regime de uma democracia com suas falhas, mas democracia, para um regime revolucionário militarista de inspiração marxista, incompatível com um sistema de liberdades e com o Estado de Direito".

Amigos do peito

Depois de cinqüenta dias de greve geral e da visível falta de vontade do governo e da oposição em negociar, a ajuda externa torna-se cada vez mais necessária. "A pressão internacional pode fazer com que as partes se acalmem e decidam voltar à negociação", afirma um porta-voz do Itamaraty. Para o cientista político Villa, a divisão de posições no país impede uma solução interna. "Nem o governo tem forças para acabar com a greve, nem a oposição pode depor o presidente", diz ele. "A iniciativa do Grupo de Amigos é, portanto, fundamental."

Na verdade, Brasil e Estados Unidos são as peças chaves para desarticular o impasse venezuelano. Cada país pode convencer um dos lados a ir à mesa de negociação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que liderou a criação da força-tarefa, é amigo de Hugo Chávez, enquanto o governo dos Estados Unidos tem influência sobre o bloco de oposição. A intermediação do Grupo Amigos recebeu a aprovação da imprensa venezuelana. O "El Nacional" de 17 de janeiro destaca: "não se pode esperar deles senão a melhor boa vontade para contribuir na busca de uma saída pacífica e constitucional ao drama que padecemos". O jornal também agradece ao presidente Lula e ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, pelo empenho em propor a criação do grupo e por atrair o governo americano para a mesma força-tarefa.

Para o professor José Augusto Guilhon Albuquerque, coordenador do Núcleo de Relações Internacionais da USP, tanto Brasil quanto EUA saíram em defesa da democracia venezuelana porque, no fundo, têm interesses estratégicos e econômicos específicos. Os Estados Unidos têm pressa porque dependem da produção do petróleo venezuelano. Os estoques de petróleo dos EUA chegaram ao menor nível em 20 anos. Caíram 6,4 milhões de barris na semana passada, 2 milhões de barris acima do menor nível registrado desde o início da medição, em 1979. A Venezuela fornece cerca de 13% do petróleo norte-americano. Desde o início da greve, as exportações venezuelanas se reduziram em 80%.

Já o Brasil tem a preocupação de ganhar o status de zelador da democracia no continente. Para isso, porém, Lula rompeu a tradição brasileira de não-envolvimento em questões domésticas de outros países. Resta saber se a iniciativa liderada pelo Brasil irá, num futuro próximo, levar os venezuelanos novamente às urnas, com opção de fazer a escolha: continuar com um governo que em mais de uma vez já ameaçou sua liberdade ou apostar em uma oposição que ainda não disse a que veio, mas quer o poder a qualquer custo.

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