Economia

Desgastes minam credibilidade de Guedes e Bolsonaro assume as rédeas

Com índices de popularidade em queda presidente olha cada dia mais para a campanha à reeleição no ano que vem, enquanto Guedes se preocupa com qual legado deixará ao país

 (Marcos Corrêa/PR/Flickr)

(Marcos Corrêa/PR/Flickr)

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Fabiane Stefano

Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às 16h53.

Última atualização em 23 de fevereiro de 2021 às 16h53.

Paulo Guedes entrou no governo Jair Bolsonaro em 2019 como um super ministro cuja missão era consertar a maior economia da América Latina por meio de um ambicioso programa de privatizações, desregulamentações, corte de gastos e de impostos. Dois anos depois, é seu chefe, que reconhecidamente não entende nada de economia, que passou a dar as cartas, se afastando da agenda favorável ao mercado, enquanto Guedes enfrenta um contínuo processo de desgaste que afeta sua credibilidade.

A decisão de Bolsonaro de substituir o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco -- após divergência sobre os preços dos combustíveis -- fez o mercado brasileiro despencar na segunda-feira, quando o investidor interpretou a mudança como um sinal de que a era Guedes se aproxima do fim.

O futuro político de Guedes é motivo de preocupação para investidores que o veem como a última linha de defesa contra a inclinação natural de Bolsonaro para políticas intervencionistas. As apostas de que Guedes não resistirá por muito tempo aumentam, à medida que cresce o desafio de garantir uma recuperação econômica sólida já no meio do mandato de Bolsonaro.

Por outro lado, o presidente olha cada dia mais para a campanha à reeleição no ano que vem. Com índices de popularidade em queda, Bolsonaro abandona a agenda liberal para não perder seu eleitorado.

O exemplo mais contundente nesses dois anos de governo foi a demissão de Castello Branco. Mesmo que o presidente da Petrobras não tenha controle sobre os preços dos combustíveis, para Bolsonaro, o que importa foi passar a mensagem para seu eleitorado que está fazendo alguma coisa para conter a alta do diesel.

Guedes está numa situação complicada. A impressão é que ele não tem mais a força que tinha.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados

A demissão do CEO da Petrobras evidencia o declínio dos super poderes que Guedes tinha quando assumiu o cargo. Num confronto semelhante, no começo do governo, quando Bolsonaro protestou contra o aumento do preço dos combustíveis e telefonou a Castello Branco para ele se explicar, Guedes assumiu o comando da situação.

Naquela época, Bolsonaro se ajustou à determinação de seu ministro da economia. Desta vez, Guedes permaneceu em silêncio enquanto observava o tratamento dado por Bolsonaro a Castello Branco, seu colega na Universidade de Chicago. Além de o governo sequer providenciar um fato relevante sobre sua demissão, Bolsonaro reclamou do salário do CEO da Petrobras e criticou por trabalhar em sistema de home office em meio à pandemia.

Guedes convidou pessoalmente Castello Branco para fazer parte do governo e ajudá-lo a implementar as políticas econômicas pró-mercado pelas quais a escola de Chicago tornou-se famosa.

O Ministério da Economia e a Presidência da República não quiseram comentar para esta matéria.

 

Obstinado, Derrotado

O fato de Bolsonaro não mostrar mais escrúpulos em minar a agenda de Guedes, como descreveu uma pessoa familiarizada com o pensamento do presidente, deixa investidores e ex-integrantes da equipe econômica se perguntando o que o está mantendo no cargo.

“Guedes é resiliente, obstinado e determinado, mas não percebeu que foi vencido”, disse Salim Mattar, ex-secretário de privatizações e amigo do ministro, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo no fim de semana. Mattar deixou o cargo em 2020 dizendo que estava frustrado com a falta de progresso no programa de privatização.

Guedes não quer deixar o cargo antes de construir um legado econômico do qual possa se orgulhar, disseram três pessoas próximas a ele. Mesmo assim, nesta semana começou a sinalizar que seu futuro no governo depende do destino da PEC emergencial que deverá ser votada pelo Congresso quinta-feira.

Se aprovada, a emenda constitucional permitirá ao governo contornar as regras fiscais pelo segundo ano consecutivo para pagar mais uma rodada do auxílio emergencial. Em troca, estabelecerá um novo protocolo de crise para futuros gastos de emergência. Mesmo se aprovada conforme sugerido por Guedes, a proposta é bem mais branda do que seus planos iniciais de restabelecer a austeridade fiscal no Brasil neste ano.

A perspectiva de reformas estruturais de austeridade adicionais no Congresso também parece incerta sob a liderança do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), eleito este ano para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ). Embora mais politicamente alinhado com Bolsonaro e disposto a cumprir algumas reformas, Lira não tem compromisso com a agenda de Guedes, de acordo com um aliado.

Em vez disso, disse o parlamentar, que pediu para falar sem ter o nome citado, Guedes terá de navegar em águas ainda mais turbulentas a partir de agora, já que Bolsonaro está deixando cada vez mais claro a falta de disposição em seguir as recomendações de seus conselheiros econômicos.

Com certeza a nova presidência se tornou mais tolerante a políticas intervencionistas. Lira sempre se elegeu com base no gasto público e, nos bastidores, é ferrenho crítico do liberalismo.

Kim Kataguiri, deputado federal pelo DEM-SP
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