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“Brasil pode levar 10 anos para voltar a ter desemprego baixo”

Para o economista Arthur Mota, da EXAME Research, o país vai demorar para superar a forte destruição de empregos na pandemia

Arthur Mota, economista da EXAME Research: "O potencial de crescimento do Brasil foi destruído na última crise e agora tem sido fragilizado de forma severa novamente" (Leandro Fonseca/Exame)
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Fabiane Stefano

Publicado em 19 de junho de 2020 às 15h38.

Última atualização em 14 de agosto de 2020 às 12h39.

O economista Arthur Mota, da EXAME Research, braço de análise de investimentos da EXAME, tem se mostrado menos otimista com os desdobramentos da pandemia de coronavírus no Brasil do que outros analistas do cenário macroeconômico.

Para o país voltar a crescer em 2021 a uma taxa de 3,5%, como muitos do mercado têm estimado, seria necessário uma forte retomada no segundo semestre deste ano, algo que o economista acha difícil de acontecer.

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De acordo com Mota, um dos principais motivos da lenta retomada no país será a demora na recuperação do mercado de trabalho. “No acumulado da pandemia, houve a destruição líquida de mais de 1 milhão de empregos nos meses de março e de abril.”

E, dadas as características do mercado de trabalho brasileiro, isso deve demorar. “Para o Brasil ter uma taxa de desemprego de um dígito, pode levar mais de cinco anos. Para voltarmos a nosso nível mínimo de novo — próximo de 6,5%, em 2014 —, certamente serão uns dez anos.”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o economista da EXAME Research.

Os mercados financeiros têm estado bastante otimistas nos últimos dias. A economia brasileira corresponde a essa leitura?

Estou mais conservador em relação ao Brasil. Antes mesmo da pandemia, o crescimento trimestral aqui estava muito fraco, algo como 0,4%. O que é relativamente baixo diante do tombo que a economia levou. Estamos imaginando uma queda de 7% do PIB neste ano e uma taxa de desemprego chegando a 16%.

Quanto tempo pode levar para o mercado de trabalho se recompor?

Para o Brasil ter uma taxa de desemprego de um dígito, pode levar mais de cinco anos. Para voltarmos a nosso nível mínimo de novo — próximo de 6,5%, em 2014 —, certamente serão uns dez anos. A gente já viu isso no passado. Demora muito tempo para voltar.

No acumulado da pandemia, houve a destruição líquida de mais de 1 milhão de empregos nos meses de março e de abril. Foi o que se perdeu no ano de 2015, no auge da crise. Em dois meses, foi uma pancada muito forte e não temos a mesma força para a recomposição do mercado de trabalho.

Mas podia ter sido pior. O governo tem adotado algumas medidas de flexibilização da jornada de trabalho que têm surtido efeito. Vamos ver agora os números de maio.

Discute-se muito que tipo de recuperação o Brasil terá após a pandemia. Se será no formato em V (queda forte, seguida de recuperação igualmente forte) ou em U, que implica uma retomada mais lenta. Qual sua análise do pós-pandemia?

Um crescimento de 3,5%, como tem sido precificado para 2021, exigiria um segundo semestre muito forte. Sinceramente, estou cético em relação a isso, sobretudo porque a curva de contágio no Brasil ainda está alta em algumas regiões, o que gera medo da reabertura e risco de novas paralisações.

Mas temos de ter cuidado em relação à expectativa de o Brasil ter uma recuperação no formato em V, que tem sido influenciada pelos dados que vêm de fora. Acho que vai ser uma recuperação bem mais lenta, no formato em U ou no desenho do símbolo da Nike.

Antes da crise do coronavírus, o Brasil enfrentou uma forte recessão, da qual não havia ainda se recuperado antes da pandemia. Como isso impacta o crescimento no longo prazo?

O potencial de crescimento do Brasil foi destruído na última crise e agora tem sido fragilizado de forma severa novamente. A ociosidade da economia aumentou, e isso demora para ser recuperado. Já vimos a evolução da retomada passada, que foi muito lenta, então dá para ter uma ideia de como será esse novo período de recomposição. Na crise passada, a retomada foi puxada por serviços e pelo consumo das famílias. Deve se repetir esse comportamento.

A indústria brasileira, em particular, está sofrendo há bastante tempo...

A questão da indústria vem de longe. A participação da manufatura no PIB está caindo há décadas. O Brasil passou pela transformação de uma economia industrial para uma de serviços. Isso é conjuntural e muitos países já viveram essa mudança. Agora, nossa indústria também não se modernizou da mesma forma que a de outros países. Logo, esse é um setor que vai continuar sendo penalizado.

E o que precisa ser feito agora?

A questão é continuar monitorando o risco fiscal e como vai ser paga essa enorme dívida que está sendo contraída na crise. Não podemos deixar de observar quais serão os próximos passos. Estamos aí na expectativa de reformas. Elas podem parecer não ter efeito fiscal, mas têm impacto no crescimento de longo prazo, que, por sua vez, ajuda na relação dívida/PIB do país.

A China foi o primeiro país a entrar na crise do coronavírus e o primeiro a sair dela. O que os dados mostram sobre a recuperação da economia chinesa?

O impacto da crise na China ficou bem concentrado entre meados de janeiro e a segunda quinzena de fevereiro. No primeiro trimestre, o país teve uma queda de 6,8% do PIB, a maior em quase 30 anos, mas ele vinha crescendo cerca de 6% ao ano. Ou seja, houve essa pancada muito forte, mas há expectativa de uma recuperação bem forte no segundo semestre.

O mercado já estima taxas em torno de 5% no terceiro e no quarto trimestre, o que é uma recuperação bem expressiva. Além disso, não houve impacto no mercado de trabalho, pois a taxa de desemprego está muito próxima do que era no começo do ano, por volta de 4%.

Uma segunda onda de contágio teve início em Pequim. O que ela pode representar para a economia do país?

Na balança de riscos que envolvem a China, isso é um aspecto negativo, claro. Os números que aparecem agora refletem a situação de dez dias atrás, o que implica defasagem do cenário. Mas, até agora, a segunda onda não parece ser algo agressivo.

Por isso, creio que haverá uma redução modesta nas expectativas econômicas. Não acho que terá muito impacto. Assim como a gente aprendeu na primeira onda, os chineses atuam de forma muito rápida e consistente. Surgiram 20 casos em Pequim e os bairros da região afetada foram fechados.

Além do mais, o país tem experiência com outras epidemias que aconteceram por lá. É um risco novo que não estava no radar na semana passada e o mercado passou a acompanhar. Assim como é um risco novo o avanço da pandemia em outras áreas dos Estados Unidos. Mas é uma confirmação da expectativa que havia no início da pandemia, com as economias abrindo e fechando.

Há tempos a China tenta depender menos das exportações e mais de seu mercado interno. A pandemia está ajudando nessa mudança do perfil econômico chinês?

Sim. Quando se olham os dados abertos de produção industrial, percebe-se que alguns setores exportadores estão mostrando mais fraqueza. A China vai continuar focando a parte da construção civil, mirando esse movimento maior. Assim como o Brasil tem uma janela de oportunidade com o setor de infraestrutura, a China também vai focar isso.

A grande discussão na China, nos últimos 30 anos, é essa. O país está tentando fazer o que ocorreu no Brasil entre os anos 1950 e o início dos anos 2000, com o intenso movimento de urbanização. Na China, ainda há uma gigantesca população na área rural. Com a construção de novas cidades e a expansão das que já existiam, começa aquecer fortemente o setor de serviços.

Portanto, a economia se volta para dentro e o setor de serviços começa a ganhar mais destaque do que a indústria. E, naturalmente, a participação das exportações na economia começa a diminuir. Essa é uma tendência. E a pandemia não deve mudar isso, talvez até acelere, uma vez que com a pandemia temos visto um aumento do protecionismo global.

Com a pandemia, haverá um recuo na globalização?

Essa é a grande discussão da pandemia. Vamos sair dela com um mundo menos conectado e menos globalizado? Se não houver um recrudescimento do comércio global nos próximos anos, o próprio potencial do crescimento mundial vai cair.

O ponto-chave será a eleição presidencial americana. O presidente Donald Trump tem sido porta-voz da guerra comercial e tem aumentado as animosidades entre os Estados Unidos e a China. Se for reeleito, seguiremos na mesma toada.

Alguns estudos mostram que o comércio mundial costumava crescer até 2 pontos percentuais acima do PIB global. Isso não acontece mais. O comércio cresce a um ritmo aquém do esperado. No curto prazo, creio que haverá uma redução da globalização, pois as economias também vão se voltar para si mesmas no período de reconstrução pós-pandemia.

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