BNDES avança em concessões de saneamento, mas teme retrocesso regulatório
Para diretor de infraestrutura do banco, marco regulatório do saneamento ainda precisa de ajustes
Reuters
Publicado em 31 de janeiro de 2020 às 15h04.
Última atualização em 31 de janeiro de 2020 às 15h05.
Brasília — A conclusão este ano pelo BNDES de programas de desestatização estruturados de quatro companhias estaduais de saneamento vai garantir a solução dos problemas de água e esgoto para milhões de brasileiros ao longo dos próximos 35 anos, avaliou o diretor de Infraestrutura do banco, Fábio Abrahão, que também estima a maior parte de melhorias e investimentos para a próxima década.
Sua preocupação, contudo, é que para boa parcela do país os avanços na área sofram atrasos de décadas se o texto do marco regulatório do saneamento aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro não sofrer ajustes.
O texto do projeto, que ainda será apreciado pelo Senado, facilita a desestatização das empresas de saneamento e determina a exigência de licitação para a contratação desses serviços, na linha do que defende o governo, mas estabelece que os atuais contratos poderão seguir em vigor até março de 2022, com a possibilidade de serem renovados nesse intervalo por um período de até 30 anos.
"No fundo você condenou mais uma geração", disse Abrahão em entrevista à Reuters. Segundo o diretor, pelas regras aprovadas, que determinam que as companhias devem ter um tempo para mensurar a adequação a critérios financeiros e operacionais que possibilite a renovação, a implantação de um modelo concorrencial na prática pode só começar a acontecer em 35 anos.
"Quando você pega os números do Brasil, em que metade da população não tem esgoto tratado, é ridículo, não faz nenhum sentido", afirmou.
As concessões que estão sendo modeladas pelo BNDES não dependem da nova lei, disse Abrahão. Segundo ele, o Estado de Alagoas é o que está hoje com o processo de concessão mais avançado.
O modelo, que já foi à consulta pública, prevê a concessão dos serviços de distribuição de água e do tratamento de esgoto, com a Companhia de Saneamento de Alagoas permanecendo como responsável pela captação e tratamento da água.
O investimento total previsto no projeto é de 2,56 bilhões de reais e uma das metas é elevar a cobertura do serviço de esgoto no Estado de 22,7% para 90% em até 16 anos.
Acre e Amapá são os próximos Estados que devem privatizar seus serviços de água e saneamento, em programas de concessões plenas que preveem investimentos de 5,5 bilhões de reais.
"Muitas vezes, fala-se que é impossível fazer uma modelagem (de concessão) para Estados que têm populações rurais, populações dispersas, você não gera escala. Mas é possível, a gente está conseguindo fazer isso", afirmou Abrahão, acrescentado que os projetos serão atrativos para o investidor, despertando concorrência, e alinhados à demanda pela universalização dos serviços.
Cedae
A privatização da Cedae, companhia de água e esgoto do Rio de Janeiro, foi prevista no regime de recuperação fiscal acertado com a União em 2017 como uma das condições para osocorro financeiro concedido ao Estado.
Segundo Abrahão, a concessão está prevista agora para o último trimestre deste ano. Os investimentos previstos são de 32,5 bilhões de reais, sendo 20,7 bilhões de reais em esgoto e 11,5 bilhões de reais em água.
A companhia começou o ano com uma crise de qualidade de água, com moradores de diversos bairros da capital do Estado e da Baixanda Fluminense reportando que estão recebendo em suas residências água com alterações de cor e cheiro. O diretor de Saneamento da empresa foi demitido, e a polícia abriu inquérito para investigar a situação, que persiste.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também já está em conversas iniciais com os governos de Rondônia e Roraima sobre alternativas de modelagem para a concessão de seus serviços, diz Abrahão, acrescentando que outros Estados estão começando a procurar o banco para discutir alternativas para suas companhias. "Até o final do ano teremos muita coisa nova", afirmou, sem revelar quais outros governos estaduais procuraram o banco.
A carteira total de investimentos previstos nas concessões de infraestrutura de União, Estados e municípios estruturadas pelo banco está em cerca de 180 bilhões de reais, e a expectativa é que alcance a casa dos 200 bilhões de reais no final deste trimestre.
Abrahão faria, com o ministério da Infraestrutura, um road show para divulgar os projetos na China e Oriente Médio nas próximas semanas, mas a viagem está temporariamente suspensa por causa das medidas tomadas pelo governo chinês em função do surto de coronavírus. O diretor do BNDES diz não temer, contudo, que a crise do vírus prejudique as desestatizações do Brasil, argumentando que os projetos são todos de longo prazo.
Modelo disfuncional
A Constituição brasileira estabelece que o direito de conceder serviços de saneamento é dos municípios. A maioria das companhias de água e esgoto, contudo, é estadual e atende as cidades por meio de arranjos que muitas vezes não envolvem contratos, ou envolvem contratos sem metas definidas.
Para Abrahão, a experiência mostrou que o modelo é disfuncional. "Essas companhias passaram por governos em crise econômica, em bonança econômica, com folga fiscal, sem folga fiscal, governos de direita, de esquerda, de centro, e nunca funcionaram", afirmou.
O marco regulatório aprovado na Câmara acaba com os chamados contratos de programa e estabelece que o serviços devem ser contratados por meio de chamamento público. O texto também estabelece que a Agência Nacional de Águas (ANA) passa a ter competência para estabelecer diretrizes técnicas que devem ser seguidas em todo o país.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse no final do ano que calcula que o projeto poderá ser aprovado na Casa até o final de março. Se sofrer alterações, o texto volta à Câmara, que terá a palavra final.
Abrahão diz que o governo continuará procurando esclarecer parlamentares e sociedade sobre a importância da nova regulação, em um esforço para reverter no Senado o prazo de transição inflado aprovado na Câmara, mas ele ressalta que o Legislativo é independente para deliberar.
A exemplo do que foi feito na reforma da Previdência pelo governo, o esforço de comunicação do BNDES sobre a questão envolverá a divulgação nas redes sociais de vídeos explicativos, para tirar dúvidas dos cidadãos e desmistificar questões, como, por exemplo, a de que a água poderá ser privatizada e de que o preço das tarifas aumentará com a concessão privada.