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Bênção e maldição: os investidores já entendem os emergentes

Em depoimento para EXAME.com, fundador de consultoria explica como a visão dos investidores sobre os mercados emergentes mudou nos últimos 25 anos

homem segura globo terrestre (Thinkstock)

João Pedro Caleiro

Publicado em 28 de agosto de 2016 às 07h04.

São Paulo - Robert Abad é fundador da EM+BRACE, uma consultoria com sede em Pasadena, na Califórnia, e focada em países emergentes.

Nos últimos 25 anos, ele acompanhou de perto as várias facetas do mundo do investimento nesses mercados.

Em conversa com EXAME.com, ele explicou o que mudou na relação dos investidores com os emergentes nos últimos 25 anos.

Veja a seguir o seu depoimento:

" Nos primeiros tempos dos “mercados emergentes”, no começo dos anos 90, você tinha um tipo de base de investidores. E esse pessoal era meio Velho Oeste: não havia muita informação e você tinha que saber espanhol, ou português, ou alguma língua do sul da Ásia para garantir que iria conseguir aquela informação com uma rapidez razoável.

Havia um certo número de contrapartes fazendo troca de empréstimos ou títulos; era um mercado muito contido, e havia uma compreensão de que esse era um grupo eclético e que não tinha gente de fora mexendo com isso porque era tudo opaco demais e líquido de menos para investidores tradicionais sequer entenderem.

Daí você teve todas aquelas crises: México em 1994, Ásia em 1997, Rússia em 1998. A gestão de capital de longo prazo foi destruída e isso deixou os investidores loucos. Você também teve a crise de convertibilidade da Argentina em 2001 e a desvalorização do real em 2002; todo esse ruído e a base de investidores ainda estava relativamente contida.

Isso significa que eram fundos hedge, gente dedicada a mercados emergentes, mesas de traders, alguns fundos mutualistas isolados. Em alguns casos nem se dava o nome de “mercados emergentes” porque ninguém realmente queria falar nisso. Diziam “alto retorno estratégico” ou algo assim, uma chance de conseguir retorno de dois dígitos.

E isso por definição excluía uma parte grandes dos investidores: companhias de seguro, fundos de pensão, essas instituições. Então o que aconteceu? Depois de 2002 e do tombo de Argentina e Brasil, você entrou no que eu chamo de período goldilocks [expressão significa que em uma amostra sempre haverá exemplos nos extremos, mas também pelo menos um na média].

Nós havíamos acabado de sair da bolha da internet nos EUA, o Federal Reserve cortou os juros, tentávamos sair de uma recessão, e você passou uns bons 6 ou 7 anos com rentabilidade em queda, tudo muito acomodado e o crescimento global acelerando.

Porque todas aquelas crises que eu mencionei colocaram a semente para uma recuperação massiva nos mercados emergentes: América Latina, Ásia, Rússia, todos eles.

Não era mais a tempestade perfeita, era o casamento perfeito. Tempo perfeito, todos os convidados apareceram, a comida é fantástica, o vinho está rolando solto.

Naquele momento, o que acontece? Você começa a ver companhias de seguros se envolverem nesse mercado, alguns fundos de pensão buscando rentabilidade e a criação de fundos soberanos, porque agora as reservas dos bancos centrais estavam crescendo de tal forma que precisavam começar a gerar algum lucro.

Estou focando em títulos da dívida, mas você pode dizer o mesmo sobre as ações e as moedas de países emergentes. Tudo começa a disparar.

Para mim, 2008 foi o ponto da virada. Enquanto o mundo inteiro focava nos EUA explodindo e respingando na Europa, o que se destacou foram os mercados emergentes velejando pela crise. Claro, os números de PIB mudaram a tendência, os fluxos de comércio caíram temporariamente, as taxas de câmbio foram para todos os lados.

Mas de uma perspectiva de balancete e trajetória de recuperação, e com a China implementando um pacote de estímulo fiscal massivo, esse foi o momento no qual o mundo dos investidores globais acordou e falou: opa. Eu preciso estar envolvido nisso. Veja o que aconteceu nos EUA e na Europa e o mundo emergente está se segurando. Essa é uma história que eu posso comprar.

Então o que você tem agora são todos esses novos investidores entrando, e a análise de como fazer diligência prévia (investigação de oportunidades) começou a mudar. As pessoas começaram a falar “bom, eu sou mais familiarizado com a América Latina do que Leste Europeu ou Ásia, então vamos entrar na América Latina”, e isso alimentou a dinâmica dos BRICS e todos aquelas estratégias com base em acrônimos.

Os fundos começaram a falar e focar em mercados emergentes e foi isso que impulsionou a euforia com histórias como a do Brasil. Quando você tem esse tipo de dinâmica por muito tempo, de 2009 até meados de 2013, e de repente essa nova questão das taxas de juros negativas, o que acontece no último ano e meio é que agora muitos dos investidores têm suas próprias equipes de pesquisa e você tem gerentes aconselhando todo tipo de investidor sobre seus portfólios e com um entendimento melhor do que realmente significa o risco dos mercados emergentes.

E no final isso é uma bênção e uma maldição, porque agora eles discriminam muito mais. Algumas casas vão dizer que preferem América Latina, ou Leste Europeu, ou Ásia – elas têm flexibilidade. Mas se você quer colocar dinheiro para rodar, não pode ter essa abordagem, você tem que ser extremamente seletivo.

Em alguns casos isso forçou alguns times a fazer ajustes e dizer “ok, vamos focar em Peru, Colômbia, dar uma misturada com Polônia, Hungria, etc”. Alguns podem fazer isso, mas outros acabaram saindo de uma vez por todas.

E isso criou uma dinâmica muito diferente, porque é como se você estivesse mais consciente do quão arriscadas as coisas podem ser, e você tem um mundo de taxas de juros negativas com as pessoas se agarrando a qualquer tipo de rentabilidade, e nós já vimos isso antes. E agora você sabe qual é seu risco e o que você está comprando.

Já não faz mais sentido estar tão massivamente exposto aos mercados emergentes em sua totalidade, e é por isso que muitos estão se afastando dos benchmarks e adotando uma política de retorno total e sem amarras para seus investimentos, porque a prioridade é flexibilidade. Eles querem mais retorno, mas isso implica em mais gerenciamento de risco. "

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São Paulo - Robert Abad é fundador da EM+BRACE, uma consultoria com sede em Pasadena, na Califórnia, e focada em países emergentes.

Nos últimos 25 anos, ele acompanhou de perto as várias facetas do mundo do investimento nesses mercados.

Em conversa com EXAME.com, ele explicou o que mudou na relação dos investidores com os emergentes nos últimos 25 anos.

Veja a seguir o seu depoimento:

" Nos primeiros tempos dos “mercados emergentes”, no começo dos anos 90, você tinha um tipo de base de investidores. E esse pessoal era meio Velho Oeste: não havia muita informação e você tinha que saber espanhol, ou português, ou alguma língua do sul da Ásia para garantir que iria conseguir aquela informação com uma rapidez razoável.

Havia um certo número de contrapartes fazendo troca de empréstimos ou títulos; era um mercado muito contido, e havia uma compreensão de que esse era um grupo eclético e que não tinha gente de fora mexendo com isso porque era tudo opaco demais e líquido de menos para investidores tradicionais sequer entenderem.

Daí você teve todas aquelas crises: México em 1994, Ásia em 1997, Rússia em 1998. A gestão de capital de longo prazo foi destruída e isso deixou os investidores loucos. Você também teve a crise de convertibilidade da Argentina em 2001 e a desvalorização do real em 2002; todo esse ruído e a base de investidores ainda estava relativamente contida.

Isso significa que eram fundos hedge, gente dedicada a mercados emergentes, mesas de traders, alguns fundos mutualistas isolados. Em alguns casos nem se dava o nome de “mercados emergentes” porque ninguém realmente queria falar nisso. Diziam “alto retorno estratégico” ou algo assim, uma chance de conseguir retorno de dois dígitos.

E isso por definição excluía uma parte grandes dos investidores: companhias de seguro, fundos de pensão, essas instituições. Então o que aconteceu? Depois de 2002 e do tombo de Argentina e Brasil, você entrou no que eu chamo de período goldilocks [expressão significa que em uma amostra sempre haverá exemplos nos extremos, mas também pelo menos um na média].

Nós havíamos acabado de sair da bolha da internet nos EUA, o Federal Reserve cortou os juros, tentávamos sair de uma recessão, e você passou uns bons 6 ou 7 anos com rentabilidade em queda, tudo muito acomodado e o crescimento global acelerando.

Porque todas aquelas crises que eu mencionei colocaram a semente para uma recuperação massiva nos mercados emergentes: América Latina, Ásia, Rússia, todos eles.

Não era mais a tempestade perfeita, era o casamento perfeito. Tempo perfeito, todos os convidados apareceram, a comida é fantástica, o vinho está rolando solto.

Naquele momento, o que acontece? Você começa a ver companhias de seguros se envolverem nesse mercado, alguns fundos de pensão buscando rentabilidade e a criação de fundos soberanos, porque agora as reservas dos bancos centrais estavam crescendo de tal forma que precisavam começar a gerar algum lucro.

Estou focando em títulos da dívida, mas você pode dizer o mesmo sobre as ações e as moedas de países emergentes. Tudo começa a disparar.

Para mim, 2008 foi o ponto da virada. Enquanto o mundo inteiro focava nos EUA explodindo e respingando na Europa, o que se destacou foram os mercados emergentes velejando pela crise. Claro, os números de PIB mudaram a tendência, os fluxos de comércio caíram temporariamente, as taxas de câmbio foram para todos os lados.

Mas de uma perspectiva de balancete e trajetória de recuperação, e com a China implementando um pacote de estímulo fiscal massivo, esse foi o momento no qual o mundo dos investidores globais acordou e falou: opa. Eu preciso estar envolvido nisso. Veja o que aconteceu nos EUA e na Europa e o mundo emergente está se segurando. Essa é uma história que eu posso comprar.

Então o que você tem agora são todos esses novos investidores entrando, e a análise de como fazer diligência prévia (investigação de oportunidades) começou a mudar. As pessoas começaram a falar “bom, eu sou mais familiarizado com a América Latina do que Leste Europeu ou Ásia, então vamos entrar na América Latina”, e isso alimentou a dinâmica dos BRICS e todos aquelas estratégias com base em acrônimos.

Os fundos começaram a falar e focar em mercados emergentes e foi isso que impulsionou a euforia com histórias como a do Brasil. Quando você tem esse tipo de dinâmica por muito tempo, de 2009 até meados de 2013, e de repente essa nova questão das taxas de juros negativas, o que acontece no último ano e meio é que agora muitos dos investidores têm suas próprias equipes de pesquisa e você tem gerentes aconselhando todo tipo de investidor sobre seus portfólios e com um entendimento melhor do que realmente significa o risco dos mercados emergentes.

E no final isso é uma bênção e uma maldição, porque agora eles discriminam muito mais. Algumas casas vão dizer que preferem América Latina, ou Leste Europeu, ou Ásia – elas têm flexibilidade. Mas se você quer colocar dinheiro para rodar, não pode ter essa abordagem, você tem que ser extremamente seletivo.

Em alguns casos isso forçou alguns times a fazer ajustes e dizer “ok, vamos focar em Peru, Colômbia, dar uma misturada com Polônia, Hungria, etc”. Alguns podem fazer isso, mas outros acabaram saindo de uma vez por todas.

E isso criou uma dinâmica muito diferente, porque é como se você estivesse mais consciente do quão arriscadas as coisas podem ser, e você tem um mundo de taxas de juros negativas com as pessoas se agarrando a qualquer tipo de rentabilidade, e nós já vimos isso antes. E agora você sabe qual é seu risco e o que você está comprando.

Já não faz mais sentido estar tão massivamente exposto aos mercados emergentes em sua totalidade, e é por isso que muitos estão se afastando dos benchmarks e adotando uma política de retorno total e sem amarras para seus investimentos, porque a prioridade é flexibilidade. Eles querem mais retorno, mas isso implica em mais gerenciamento de risco. "

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