Economia

A teoria da evolução chega aos mercados

Economista toma missão ambiciosa de apresentar uma teoria alternativa à dos mercados eficientes

BOLSA DE NOVA YORK: teoria dos mercados adaptáveis muda a forma de enxergar a crise de 2008. Mas, pelo espelho retrovisor, é possível explicar quase qualquer coisa. / Spencer Platt/ Getty Images

BOLSA DE NOVA YORK: teoria dos mercados adaptáveis muda a forma de enxergar a crise de 2008. Mas, pelo espelho retrovisor, é possível explicar quase qualquer coisa. / Spencer Platt/ Getty Images

EH

EXAME Hoje

Publicado em 2 de setembro de 2017 às 09h47.

Última atualização em 4 de setembro de 2017 às 16h48.

Já é praticamente um consenso que a tese dos mercados eficientes tem muitas falhas. Poucos economistas realmente acreditam que as pessoas agem como o homo economicus, que sempre toma decisões racionalmente visando a aumentar seu nível de satisfação – mas todos são treinados em métodos que assumem isso como verdade.

O problema é que ainda não apareceu uma alternativa à tese dos mercados eficientes. É isso o que tenta fazer Andrew Lo, com seu ambicioso livro Adaptive Markets: Financial Evolution at the Speed of Thought (“Mercados adaptáveis: evolução financeira na velocidade do pensamento”, numa tradução livre).

Segundo Lo, um professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (o MIT), não basta apontar os furos da teoria corrente: seguindo os passos do filósofo da ciência Thomas Kuhn, ele defende que “é preciso uma teoria para derrubar uma teoria”.

A rigor, ele não quer derrubá-la. Quer englobá-la, numa tese mais completa. Assim como a mecânica de Isaac Newton, suplantada pela teoria da relatividade de Albert Einstein, continua a ser usada para lidar com situações da vida cotidiana, a tese da racionalidade dos agentes econômicos tem grandes méritos para o dia a dia. Mas ela falha terrivelmente na hora das crises (justamente quando é mais necessária), como bem demonstra outro livro recente, The End of Theory (“O fim da teoria”, numa tradução livre), de Richard Bookstaber.

Não é que a tese dos mercados eficientes seja fraca. Uma demonstração impressionante de seu poder de previsão foi dada por James Surowiecki, colunista de negócios da revista New Yorker, em seu livro A Sabedoria das Multidões: no dia em que a nave espacial Challenger explodiu, em janeiro de 1986, ninguém sabia o que tinha causado a tragédia, mas em apenas alguns minutos as ações da companhia Morton Thiokol despencaram. O valor de outras três companhias envolvidas na construção da nave (Lockheed, Martin Marietta e Rockwell) também caíram, mas muito menos, dentro de um intervalo estatisticamente comum.

E, de fato, cinco meses depois, o relatório da investigação do acidente culpava a Morton Thiokol pela falha no anel de vedação que provocou a explosão. Mais surpreendente: a perda de valor de mercado em questão de minutos batia quase totalmente com o valor das multas, indenizações e prejuízos que a companhia sofreu meses depois – cerca de 200 milhões de dólares.

A ideia central da tese dos mercados eficientes é que os preços do mercado incorporam imediatamente todas as informações relevantes. Seu lema mais famoso é que “não existe almoço grátis”.

Há evidências disso por todo lado. Um exemplo contundente: conforme um estudo dos anos 70, quando uma companhia anuncia um desdobramento de ações, o preço da ação sobe imediatamente (na expectativa de pagamento maior de dividendos para os acionistas); e quando o desdobramento efetivamente acontece, o valor da ação não muda. Isso indica que o mercado absorve a informação imediatamente.

Por coisas assim é que o economista Michael Jensen declarou, em 1978, que “não há outra proposição na economia com evidências empíricas mais sólidas do que a tese do mercado eficiente”.

A tese tão sólida desmancha no ar

No entanto, há evidências igualmente fortes de que a eficiência dos mercados é ilusória. Uma delas atende pelo nome de Warren Buffett. Um dos corolários da tese dos mercados eficientes é que eles se comportam aleatoriamente. Uma vez que todas as informações já estão precificadas no valor atual dos ativos, o sucesso de um investidor seria estatisticamente equivalente ao que se pode esperar de orangotangos jogando moedas para cima. Eventualmente, alguns deles obterão cara 20 vezes seguidas.

Em um debate na escola de negócios da Universidade Colúmbia, em 1984, Buffett argumentou que, se isso fosse verdade, seria de se esperar que esses orangotangos bem-sucedidos estivessem igualmente distribuídos entre a população. Mas se você descobre que os orangotangos que acertam o cara ou coroa seguidamente “vêm de um zoológico específico em Omaha, dá para afirmar que existe há algo por trás disso”.

A rigor, a ideia de que não há almoço grátis é impraticável. Se os mercados fossem inteiramente eficientes, não haveria como abrir uma empresa (porque a oportunidade que o empreendedor vislumbra já estaria preenchida).

No limite, a ideia de mercados perfeitos levaria a um mundo imobilizado. Ela deve ser entendida, então, como uma idealização. A realidade está necessariamente alguns passos distante da teoria. A grande questão é: quantos passos?

Nas últimas décadas, não cessaram de surgir críticos à tese da eficiência dos mercados. Um dos primeiros foi o economista Herbert Simon, com sua teoria da racionalidade limitada: ninguém se comporta como o homo economicus porque as pessoas não têm capacidade para absorver e avaliar um número tão grande de dados.

Na linha aberta por ele, surgiu a economia comportamental, cujos mais ilustres representantes são os israelenses Daniel Kahneman e Amos Tversky. O trabalho deles aponta uma série de desvios de conduta das pessoas em relação à racionalidade. “De acordo com os behavioristas, qualquer modelo de comportamento que assuma que os indivíduos fazem escolhas racionais está errado”, diz Lo. “A sabedoria das multidões depende de os erros individuais serem aleatórios e, em grandes números, cancelados uns pelos outros. Mas se nós exibimos padrões de comportamento consistentemente irracionais para uma mesma direção, esses erros às vezes não se cancelam.”

A maior crítica aos estudos de Kahneman e Tversky vem não de economistas clássicos, mas de estudiosos ainda mais radicais na ideia de que nós não pensamos racionalmente. Um dos principais é o alemão Gerd Gigerenzer, autor do livro Adaptive Thinking (“Pensamento adaptável”, em tradução livre), em quem Lo se apoia.

Segundo Gigerenzer, a tese da racionalidade econômica repousa sobre a questionável premissa de que o padrão de racionalidade humana vem da lógica, da estatística, da probabilidade, e que nosso desempenho está sempre aquém da perfeição.

Em contraposição a isso, ele defende que o nosso raciocínio vem não da lógica, mas de heurísticas (um termo ressuscitado por Herbert Simon), ou regras práticas, que evoluem por tentativa e erro, mais ou menos como na teoria da seleção natural. “Nós não somos agentes racionais com algumas idiossincrasias no nosso comportamento”, diz Lo. “Nós somos uma coleção de idiossincrasias.”

Essa visão é corroborada por estudos da área de neurociência, especialmente o trabalho do médico português António Damásio (autor de O Erro de Descartes), que mostram o papel da emoção em nossa capacidade de tomar decisões.

Quando nossa capacidade de sentir emoções é prejudicada (em casos de lesões no cérebro, por exemplo), o comportamento humano se torna menos racional. “O que nós consideramos comportamento racional é na verdade uma negociação complexa entre múltiplos componentes do cérebro”, diz Lo.

É preciso entender os sentimentos

A grande diferença entre Kahneman e Gigerenzer é que o primeiro desenvolveu uma teoria para mostrar como o cérebro humano falha, e o segundo diz que essas “falhas” são muito úteis para a nossa vida. Uma demonstração célebre de Gigerenzer tem a ver com o viés de representatividade, de Kahneman, segundo o qual tendemos a dar mais importância aos dados mais recentes, ou mais impressionantes.

É isso o que faz com que sintamos mais medo de avião do que de carro: os desastres sendo mais horríveis, chamam mais a atenção e camuflam o fato de que acidentes de carro matam bem mais, proporcionalmente.

Mas Gigerenzer fez uma experiência curiosa: apresentou listas de empresas a pessoas comuns e montou uma carteira de investimentos com suas opiniões. Essa carteira deu resultados melhores, por dois anos seguidos, do que a média dos especialistas alemães. Sua conclusão: as empresas mais conhecidas eram as mais escolhidas, e em geral são as mais fortes economicamente. Uma regra prática que pode funcionar melhor do que inúmeras análises racionais.

Para Lo, o valor do pensamento adaptável é que ele explica comportamentos que afetam a economia. A aversão ao risco, por exemplo, é um enigma para a tese dos agentes racionais – um problema apresentado como 60% de chances de ganhar é mais aceito que se for apresentado como 40% de chances de perder.

Se você aceita a tese de que o nosso comportamento deriva em grande parte da evolução, a escolha começa a fazer um pouco mais de sentido: a aversão ao risco faz sentido porque o que estava em jogo, ao longo da história da espécie, não era ganhar ou perder dinheiro, mas sim a vida.

Esse conjunto de explicações não é e nunca será tão claro como uma equação. “Os economistas gostariam que houvesse três leis que explicassem 99% do nosso comportamento econômico. Em vez disso, provavelmente temos 99 leis que explicam 3% do nosso comportamento”, diz Lo.

Isso significa que é preciso avaliar não as leis gerais, não um modelo, e sim as interações entre agentes econômicos.

No caso da crise de 2008, seria preciso avaliar o quanto os bancos eram interdependentes, sua propensão a tomar riscos, seu grau de solvência. “A lente da tese dos mercados adaptáveis muda o modo como você estuda a crise financeira”, diz. “Em vez de focar sua atenção nas causas imediatas da crise – hipotecas subprime, bancos subcapitalizados, securitização – um ecologista investigaria os comportamentos e o ambiente, e como ambos interagem ao longo do tempo.”

Se tivéssemos analisado as narrativas disponíveis meses – ou às vezes anos – antes da crise, poderíamos ter tomado providências para atenuá-la ou mesmo evitá-la. Lo aponta que em janeiro de 2005 o economista Robert Shiller, especialista no setor imobiliário, já falava que os preços que estavam sendo praticados não se justificavam por nenhuma análise de juros, pressão populacional ou custos de construção, e indicavam que havia uma bolha.

Da mesma forma, afirma que a agência reguladora de finanças dos Estados Unidos já havia recebido denúncias contra Bernie Madoff, que operou o maior esquema de pirâmide já visto no país. Isso faz todo o sentido, é claro. Mas ele poderia ter citado também que a polícia federal americana havia recebido informações sobre movimentações terroristas em 2001 – e poderiam ter evitado o ataque às torres gêmeas.

A grande crítica ao uso da teoria da seleção natural para explicar comportamentos modernos é que, pelo espelho retrovisor, é possível explicar quase qualquer coisa.

Talvez Lo tenha aberto um campo promissor para os estudos econômicos. E talvez, com o auxílio de Big Data, estejamos mais aptos a avaliar e dar sentido a narrativas dispersas.

Mas é provável que, por mais que se apontem falhas à tese dos mercados eficientes, ela ainda se mantenha hegemônica por bastante tempo, pelo simples fato de que – apesar da invasão de equações matemáticas – é mais fácil de usar.

Como disse o físico Richard Feynman em uma palestra na Caltech, o Instituto de Tecnologia da Califórnia: “imagine quão mais difícil seria a física se os elétrons tivessem sentimentos”.

Adaptive Markets: Financial Evolution at the Speed of Thought (“Mercados adaptáveis: evolução financeira na velocidade do pensamento”, em tradução livre)

Editora: Princeton University Press

Autor: Andrew W. Lo

504 páginas

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