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A próxima curva

Um estudo do banco Goldman Sachs diz que Brasil, Rússia, Índia e China poderão se transformar no maior bloco econômico do mundo nas próximas décadas

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h37.

Você consegue imaginar um mundo em que os Estados Unidos, a maior potência econômica dos últimos 100 anos, perdem a liderança para a China? E que tal ver o Brasil, eterno país do futuro, ser alçado à condição de peso pesado da economia global, a ponto de deixar uma força como a Alemanha para trás? Pois talvez seja a hora de começar a levar essa possibilidade a sério. Não se trata de nenhum sonho terceiro-mundista, mas de algumas das principais conclusões de um estudo recém-concluído do banco de investimentos americano Goldman Sachs. "Em pouco tempo a realidade deverá ser muito diferente da que conhecemos", diz o economista Dominic Wilson, um dos autores do estudo. "Haverá uma forte mudança no centro de gravidade econômica." (Leia entrevista abaixo)

Os economistas do Goldman Sachs analisaram as perspectivas das quatro grandes economias emergentes -- Brasil, Rússia, Índia e China. Os resultados desse bloco, batizado de Bric, impressionam: se conseguirem sustentar o crescimento pelas próximas décadas, os quatro estarão entre as seis maiores economias por volta de 2040. Dos seis grandalhões de hoje -- Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França e Itália --, apenas os dois primeiros permanecerão no pelotão de frente. Particularmente no caso da China, as ultrapassagens deverão começar já nos próximos anos: em 2004 os chineses deixarão para trás os franceses, em 2006 os ingleses, em 2007 os alemães e em 2016 os japoneses. Tradução: em pouco mais de uma década, a China poderá se transformar na segunda maior economia do planeta. A Índia deverá segui-la de perto e, dos quatro emergentes, é a que deverá apre sentar as maiores taxas de crescimento nas próximas décadas.

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Projeções como essas dificilmente acertam na mosca. Quem não se lembra das previsões de que, antes do ano 2000, o Japão já teria deixado os Estados Unidos comendo poeira e seria o principal motor da economia mundial? "Há um alto grau de incerteza nas nossas estatísticas", reconhece Wilson. Segundo ele, cada um dos países tem uma série de problemas, alguns muito graves, e ninguém sabe se eles serão resolvidos. Por outro lado, o próprio exemplo japonês mostra como poucas décadas de crescimento sustentado podem transformar países pobres em gigantes econômicos. A Coréia do Sul, outro caso de sucesso, precisou de apenas 30 anos para sair do subdesenvolvimento e atingir um estágio muito próximo ao dos países líderes. Ou seja, a experiência histórica sugere que o quadro desenhado tem chances concretas de materialização. O ponto forte do estudo é alertar sobre o fantástico potencial das grandes economias emergentes caso consigam replicar as histórias com final feliz de Japão e Coréia do Sul.

O que torna esses quatro países especiais? A principal característica comum é um enorme mercado consumidor a ser explorado. "Há hoje 1 bilhão de pessoas com renda anual superior a 10 000 dólares, a imensa maioria vivendo nos países ricos", diz Paul Laudicina, vice-presidente mundial da consultoria A.T. Kearney. "Até 2015 haverá acréscimo de mais 1 bilhão de consumidores nessa faixa de renda, dos quais 900 milhões estarão nos países emergentes." Só por aí fica claro de onde deverá vir o estímulo ao crescimento econômico nos próximos anos. Segundo o Goldman Sachs, já em 2009 o acréscimo na demanda dos quatro países será superior ao do G-6.

Para o Brasil, o preocupante é que a história contada pelos economistas do Goldman Sachs ainda parece roteiro de ficção. Dos quatro países observados, é o que apresenta hoje a maior distância entre potencial e realidade. O Brasil cresceu 1,5% em 2002 -- ante 4,3% da Rússia, 4,9% da Índia e 8% da China. Segundo Wilson, há pelo menos três motivos para esse descompasso: pouca abertura comercial, baixa poupança interna e endividamento elevado. É uma combinação que tem comprometido o crescimento da economia brasileira e cuja superação vai exigir muito esforço nos próximos anos. Exatamente por contar com dificuldades grandes, as projeções do banco para o crescimento do Brasil -- entre 2,7% e 4,2% -- estão muito longe do padrão chinês, por exemplo.

Já a boa notícia é que, mesmo com taxas de expansão que não chegam a ser nenhuma maravilha, o Brasil poderá deter em 2050 a quinta maior economia do mundo. Isso evidencia que, quando o assunto é crescimento, o importante não é conseguir produzir arrancadas espetaculares, que logo perdem o fôlego, mas manter a expansão de forma consistente por muitos anos. O nome do jogo é sustentabilidade. "Foi isso que o Brasil conseguiu fazer na maior parte do século passado", diz o economista Alexandre Mathias, do Unibanco Asset Management. "E o que não conseguiu nos últimos 20 anos."

O POTENCIAL É ENORME
Mas, para virar uma economia líder, o Brasil precisa de reformas profundas,
diz Dominic Wilson, um dos autores do estudo do banco Goldman Sachs
Qual é a principal mensagem do estudo?

Que o mundo poderá ser muito diferente em pouco tempo. Se as condições para
o crescimento sustentado forem mantidas, em 30 anos o grupo de países líderes
será outro. Claro que qualquer previsão tem um alto grau de incerteza. Nós
descrevemos apenas um caminho possível da economia mundial, mas para que
se materialize os países emergentes terão de manter um grau razoável de
estabilidade na política econômica e nas instituições políticas. Se conseguirem,
o potencial de crescimento nos quatro países é imenso.

A Ásia deverá ser a área dominante?

Haverá certamente uma forte mudança no centro de gravidade econômica --
e ela será feita em direção à Ásia. As projeções indicam que China e Índia
serão a primeira e a terceira economias, respectivamente, por volta de 2050.
Considerando também o Japão, vemos que três das seis maiores economias poderão
estar na Ásia. Sem falar da Rússia, que tem grande interação econômica com
esses países.

A América Latina não vai ficar isolada?

O sucesso da América Latina vai depender do sucesso do Brasil. Nas nossas
projeções, partimos do princípio de que o Brasil vai conseguir ultrapassar
as dificuldades recentes -- uma hipótese relativamente ousada. O Brasil
poderá também se beneficiar de outro fato: os Estados Unidos deverão manter
um dinamismo forte.

A Alca poderá ajudar o crescimento do Brasil?

O comércio é uma peça importante para o sucesso econômico -- Brasil e Índia
são os que mais têm de avançar nesse campo. Mas, às vezes, acordos regionais
acabam restringindo o comércio global -- é uma crítica feita, por exemplo,
ao Mercosul. O importante é não se isolar das partes mais dinâmicas. Alguns
economistas defendem acordos regionais por serem um primeiro passo para
negociações mais amplas.

Dos quatro países estudados, o Brasil é o que tem crescido menos. Por
quê?

A comparação do Brasil com os outros três evidencia diferenças importantes.
O Brasil ainda é muito fechado ao comércio -- a China, por exemplo, tem
um grau de abertura muito maior. Além disso, as taxas de investimento e
poupança no Brasil são insuficientes. Por fim, a dívida brasileira é relativamente
alta.

Qual a sua opinião sobre o governo Lula?

Para recolocar o Brasil numa trajetória de crescimento, o governo tem de
garantir estabilidade macroeconômica e avançar nas reformas a que me referi.
A estabilização tem sido mantida com sucesso pelo governo, mas agora é preciso
dar o passo seguinte. Se o Brasil não conseguir avançar no segundo estágio,
dificilmente terá uma taxa de crescimento compatível com as nossas projeções.

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