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A metrópole improvável: por que São Paulo virou a maior cidade do Brasil

Entenda como a metrópole mais rica e populosa do país saiu do marasmo para conquistar, em poucas décadas, o protagonismo na economia nacional

Arte urbana retrata uma cidade de São Paulo antiga e contrasta com a movimentada Avenida 23 de Maio, em São Paulo (SP) (Flavio Veloso/Getty Images)

Ligia Tuon

Publicado em 25 de janeiro de 2019 às 05h00.

Última atualização em 25 de janeiro de 2019 às 16h07.

São Paulo - A cidade de São Paulo ocupa, desde 1960, o posto de capital mais rica e populosa do país. Gera, sozinha, nada menos que 10% de toda riqueza nacional. Porém, até a metade do século XIX nada indicava que um dia o município ostentaria tais títulos.

Em 1872, o primeiro censo nacional mostrou que a cidade contava com míseros 31.385 moradores e corria risco constante de esvaziamento, enquanto o país já tinha centros urbanos muito mais populosos. Rio de Janeiro, capital do Brasil, aparecia como a maior cidade (274.972 habitantes), seguida de Salvador (129.109 habitantes) e Recife (116.671 habitantes).

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Os paulistas chegaram ao século XIX sem ter encontrado uma cultura agrícola que realmente compensasse as dificuldades e os custos do transporte até Santos e fomentasse o desenvolvimento econômico da região. A cidade ainda não havia descoberto um estímulo para crescer.

Mas o que aconteceu entre 1872 e 1960 para que São Paulo finalmente deixasse de ser um pequeno município para se tornar a metrópole mais rica e populosa do país? Quais foram os principais fatores que levaram a cidade a sair do marasmo para conquistar, em poucas décadas, o protagonismo na economia nacional?

Café: o produto que faltava

O século XIX trouxe grandes transformações para a economia nacional. Com a transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 e o fim da restrição às importações, a agricultura, o comércio e a incipiente indústria têxtil do país se viram expostos à concorrência internacional. A situação se agravou com a decadência das lavouras tradicionais do Brasil, especialmente no Nordeste.

É nesse contexto que surgiu o produto que figuraria, nos anos seguintes, quase isolado na balança comercial brasileira: o café.

O café entrou no Brasil pelo Norte. Na cidade de São Paulo, o produtor pioneiro foi o militar José Arouche de Toledo Rendon. Ele plantou café no sítio que possuía na margem direita do Tietê, conhecido como “Casa Verde” e que iria dar nome ao bairro que se formou no local.

O grão começou a tornar-se importante quando, a partir do Rio de Janeiro, ganhou o Vale do Paraíba e, aí sim, conheceu solos, temperaturas, altitudes e extensões de terras favoráveis a seu cultivo maciço.

De 1821 a 1830, o Brasil exportou 3,178 milhões de sacas. Porém, a cidade de São Paulo não usufruiu nenhum benefício dessa primeira expansão cafeeira, enquanto ela se limitou ao Vale do Paraíba. A região toda, inclusive a parte paulista, era tributada ao Rio de Janeiro.

Por volta da década de 1860, o desmatamento selvagem e o plantio sem critérios provocaram declínio da produção do Vale do Paraíba. Nesta época, já havia algumas plantações em Campinas e, mais tarde, em Ribeirão Preto, locais onde o grão encontraria condições ainda melhores e se tornaria o produto número 1 da pauta de exportações brasileira.

De 1861 a 1870, a exportação de café chegou a 29,103 milhões de sacas. Na década de 80 deste mesmo século, o número seria de 51,631 milhões de sacas, com destaque absoluto para a produção paulista. O Brasil se tornou o grande produtor mundial. Ao fim do século, a economia nacional se torna altamente dependente do desempenho do café, com item respondendo por mais de 70% das exportações.

O café, embora fosse cultivado no “Oeste Paulista”, especialmente nas regiões de Campinas e Ribeirão Preto, produziu seus maiores efeitos na cidade de São Paulo.

Um exemplo ilustre de que a cidade se tornou o centro econômico e político da riqueza cafeeira é a família Prado. Maior produtor de café do Brasil e do mundo, que apenas em uma de suas fazendas de Ribeirão Preto chegou a abrigar 3,4 milhões de pés de café, o clã escolheu viver na capital paulista.

Além de ser a residência oficial da maioria dos barões do café e de ilustres políticos do país, a cidade também passou a atrair trabalhadores e empresários do mundo todo.

Por que isso aconteceu? Por que o dinheiro do café não frutificou em Campinas ou mesmo em Ribeirão Preto, suas verdadeiras terras de origem? Ou por que então Santos não se tornou a principal cidade da província, criando mais uma capital litorânea atrelada ao porto como era praxe na maior parte do Brasil?

Por que foi justamente a cidade de São Paulo que, na definição do historiador econômico Flávio Saes, se tornou “a capital do capital cafeeiro”?

Estradas de ferro: transporte para o desenvolvimento

No livro O Triunfo da Cidade, o economista Edward Glaeser observa que as tecnologias de transporte sempre foram determinantes para a forma urbana. Ele mostra que, no passado, ao aliar uma posição geográfica estratégica a uma infraestrutura que reduz o custo de transporte, cidades como Nova York e Chicago, entre outras, ganharam impulso para crescer.

A fórmula se aplicou também a São Paulo. O protagonismo da cidade em relação aos outros municípios paulistas está, em grande parte, ligada ao traçado das estradas de ferro construídas no século XIX.

Em 1852, foi decretada uma lei que concedia benefícios a quem investisse nas estradas. Finalmente, São Paulo havia encontrado um estímulo suficientemente forte para financiar a construção de um sistema que levasse de forma mais ágil e barata a produção do interior até o Porto de Santos. O café foi o produto que mereceu, enfim, um meio de transporte à altura da riqueza que era capaz de gerar.

A Estrada de Ferro Santos-Jundiaí foi inaugurada em 1867. Com o primeiro trecho em funcionamento, um grupo de fazendeiros criou a Companhia Paulista para construir um novo trecho que avançasse pelo interior. Em 1872, foi inaugurada a estrada que ligava Jundiaí a Campinas.

O café da região, que levava de 3 a 4 semanas para ser conduzido ao porto em lombo de burro, agora chegava ao destino em poucos dias. A Companhia Paulista ainda construiria as estradas Ituana (1873), Mogiana (1875) e Sorocabana (1879).

O transporte do café se tornou muito mais rápido e mais barato, o que incentivou ainda mais a produção. E São Paulo, que permaneceu isolada durante séculos, passou a se conectar com as principais cidades da província e ainda ganhou, em 1877, uma ligação direta com o Rio de Janeiro: a Estrada de Ferro do Norte.

Antes da inauguração dos trens, a renda municipal de São Paulo era muito semelhante à de Campinas e à de Santos. Com as novas estradas, a capital saiu na frente para se tornar a principal cidade da província. Todos os trens agora convergiam para São Paulo e, a partir da capital, desciam a serra.

A posição estratégica de porta de entrada do Planalto e comunicação direta com o litoral fez de São Paulo rota obrigatória da produção e, agora, ponto de concentração da riqueza do café. Os escritórios dos principais bancos, empresas de seguros, serviços de exportação e toda a burocracia se instalaram na capital.

São Paulo enfim havia encontrado sua fonte de riqueza (o café) e o estímulo para seu desenvolvimento (o trem). Tornara-se então um lugar atrativo para receber o que ainda lhe faltava: gente.

Imigrantes: trabalhadores, consumidores e empreendedores

A ascensão da lavoura paulista ocorreu no mesmo período em que se acentuou no país a pressão por abolir a escravidão. Enquanto as fazendas de café passavam a demandar ainda mais mão-de-obra escrava para ampliar a produção, tornava-se mais difícil e caro trazer novos escravos para o campo.

Por meio da bancada na Assembleia Nacional, os paulistas tentaram resistir ao abolicionismo. Mas felizmente a escravidão estava com os dias contados. Os barões do café tinham de buscar alternativas.

O fazendeiro e senador paulista Nicolau de Campos Vergueiro teve a ideia de trazer imigrantes europeus para trabalhar na lavoura. Bem-sucedida, sua estratégia foi copiada por outros fazendeiros – com grandes subsídios do governo.

Muitos estrangeiros chegaram ao Brasil sem saber direito o que fariam ou sem nunca ter trabalhado na agricultura pesada. E eram obrigados a lavorar exaustivamente, com jornadas semelhantes às que os escravos eram submetidos.

Grande parte dos imigrantes tinha profissões urbanas. Em sua terra natal, atuavam como pedreiros, marceneiros, sapateiros, artesãos. Decepcionados com a vida que passaram a levar nas fazendas e atraídos pelas oportunidades que surgiam na capital, muitos decidiram viver em São Paulo.

Outros nem sequer chegaram a conhecer o campo. Instalaram-se diretamente na capital, uma terra de oportunidades especialmente para quem tinha qualificação ou algum dinheiro no bolso para empreender.

Dados do Serviço de Imigração e Colonização demonstram que, entre 1885 e 1939, entraram no estado de São Paulo 2.264.214 imigrantes. A maioria (65%) chegou entre 1885 e 1914, transformando a capital em uma cidade formada principalmente por estrangeiros. Italianos, portugueses, espanhóis e japoneses eram os maiores grupos.

Os novos moradores desempenharam papel central no desenvolvimento da cidade. Forneceram a força de trabalho de que São Paulo tanto necessitava, melhoraram a qualidade dos serviços prestados com as habilidades e experiências profissionais que trouxeram na bagagem, formaram um mercado consumidor para as empresas da região e, nos casos mais bem-sucedidos, transformaram-se em empresários prósperos da industrialização que começava a ganhar fôlego.

“As cidades não apenas interligam os trabalhadores sem capital com os empregadores ricos em capital; elas propiciam uma ampla variedade de oportunidades às pessoas pobres (na verdade, a todos) encontrar seus talentos pessoais que de outra forma nunca saberiam que possuem”, afirma o economista Edward Glaeser, no já citado O Triunfo das Cidades.

Diversificação: da industrialização à cidade dos serviços

O processo de industrialização brasileiro não teve início em São Paulo. Começou no início do século XIX principalmente pelo Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, onde havia matéria-prima abundante (especialmente o algodão para indústria têxtil) e uma população já numerosa que poderia consumir a produção local. Porém, na capital paulista as indústrias encontraram as condições ideais para prosperar.

A primeira indústria da cidade de São Paulo foi a fábrica de tecidos fundada em 1872 pelo major Diogo Antônio de Barros, veterano da guerra do Paraguai que havia viajado à Europa para estudar processos industriais.

Já em 1895, um levantamento registrava a existência de 52 fábricas, sendo a maioria têxteis, serrarias e fundições, fábricas de cerveja, de chapéus e de fósforos. A maior parte dessas empresas, inclusive a fábrica do major Diogo, estava localizada no bairro do Brás, bem próximo aos trilhos da estrada de ferro Santos-Jundiaí.

A existência de um sistema de transporte barato, eficiente e capilarizado foi determinante para que um número cada vez maior de empresários decidisse instalar fábricas em São Paulo.

A matéria-prima produzida no interior paulista chegava de trem até as indústrias da capital. E os produtos acabados também podiam ser transportados nos vagões para diversas regiões do estado e para o Porto de Santos, de onde seguiam para mercados internacionais.

Custos de transporte e mercado consumidor são decisivos para definir onde as empresas se localizam e, consequentemente, onde as cidades se formam. Por isso, além das ferrovias, São Paulo apresentava outra grande vantagem competitiva para atrair as indústrias: uma população que crescia vertiginosamente, formada principalmente por imigrantes.

Os estrangeiros mostraram-se mais preparados para o trabalho fabril do que os brasileiros. Alguns até haviam atuado como operários em suas terras natais. Além de formarem a massa de trabalhadores qualificados de que a indústria tanto precisava para se desenvolver, também tornaram-se os principais consumidores dos produtos e serviços locais.

As empresas têxteis, segmento que mais se destacou no início da industrialização paulista, devem grande parte de seu sucesso aos imigrantes. Enquanto a elite da cidade apenas vestia roupas importadas, os operários compravam os produtos nacionais.

Por fim, além de hábeis trabalhadores e importantes consumidores, muitos imigrantes também se revelaram talentosos industriais – o caso mais notório é o italiano Francesco Matarazzo, imigrante que chegou ao Brasil em 1881 e criou um verdadeiro império fabril. Em 1933, nada menos que 45% das fábricas paulistas pertenciam a estrangeiros.

As estradas de ferro e os imigrantes não foram o único legado da lavoura cafeeira para a indústria de São Paulo. Quando a superprodução do grão, a contínua queda nos preços e crise de 1929 arrasaram a produção paulista, a riqueza acumulada pelos fazendeiros deixou de ser investida no café e passou a ser aplicada na indústria.

E, em menor volume, também na construção civil. A demanda de habitação gerada pelo crescimento vertiginoso da população era (e ainda é) enorme. Além dos imigrantes, a partir de 1930, principalmente, a cidade também recebeu grande número de trabalhadores vindos de outros estados brasileiros.

Outro importante fator que impulsionou a industrialização da cidade foi crescimento do potencial energético, que duplicou entre 1930 e 1945 graças a injeção de capital estrangeiro.

A produção paulista não apenas cresceu como também se diversificou. Enquanto em 1919 as indústrias tradicionais (têxtil, vestuário, calçados, produtos alimentares, bebidas, fumo e mobiliário) eram responsáveis por cerca de 70% do valor adicionado pela indústria como um todo, em 1939 sua participação tinha caído para 56,7%.

Embora ainda representasse a parte mais significativa da indústria no estado, é evidente a mudança estrutural ocorrida com as chamadas indústrias dinâmicas (metalúrgica, mecânica, material elétrico, material de transporte e química), praticamente dobrando sua participação na produção total.

A concentração de atividades industriais na cidade criou um cenário favorável para uma extraordinária expansão da atividade terciária. A atividade comercial, além de se ampliar, especializou-se. O mesmo aconteceu com a atividade financeira, criação de universidades e importantes centros de pesquisa. E cresceram especialmente os serviços prestados às empresas.

Assim, a cidade de São Paulo chegou a 1960, ano em que foi oficializada pelo censo nacional como a maior e mais rica cidade do país, com 3.825.351 habitantes, uma economia forte e diversificada, e 60% da população empregada no setor terciário. Em nada lembrava mais a cidade que, em 1872, ainda temia o esvaziamento.

A força da cidade

Embora a ascensão de São Paulo tenha sido provocada exclusivamente pelo sucesso do café, a cidade conseguiu em pouco tempo criar atrativos para a instalação de um parque industrial relevante e diversificado, que por sua vez impulsionou a expansão do setor terciário.

O que a história das grandes cidades ensina é que economias diversificadas têm mais chances de superar as crises e voltar a crescer. E também é maior a sua resistência a mudanças no cenário econômico.

Nos últimos anos, a velocidade de crescimento da cidade de São Paulo tem diminuído. O lugar das fábricas também está mudando, para uma economia mais baseada em serviços. Com a queda no custo de transporte de mercadorias, indústrias não precisam necessariamente se instalar nas principais cidades.

Entretanto, o custo de transporte que ainda hoje é relevante é o de pessoas. Por isso, para o setor de serviços, ainda vale a pena estar presente nas grandes cidades, onde as ideias circulam e a informação se concentra. É isso que explica que São Paulo ainda continua forte para crescer e se manter no posto de maior e mais rica cidade do Brasil.

* Carolina Dall’Olio é jornalista e cursou a disciplina de pós-graduação em Economia Urbana- FEA-USP

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