El Niño: como o fenômeno climático impacta o agronegócio?
Após três anos consecutivos de La Niña, produtores rurais esperam os efeitos do El Niño nas lavouras de países que são banhados pelo Oceano Pacífico. O fenômeno se caracteriza pelo aquecimento anormal da temperatura das águas do mar, mudando o comportamento de chuvas e estiagens a depender da região do globo terrestre.
Desde fevereiro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) alertava sobre o aumento da temperatura da superfície do mar nas proximidades da costa oeste da América do Sul. Agora, as previsões começam a se concretizar. Meteorologistas apontam para a intensificação das chuvas na região Sul e em parte das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Por outro lado, as regiões Norte e Nordeste devem ter períodos de seca mais acentuados.
Para o final de junho, a tendência é que as chuvas retornem ao Sul do país, podendo chegar ao Sudeste, o que tem deixado produtores de cana-de-açúcar, café e laranja por conta da colheita.
“Atrapalha também a colheita do milho e a chuva no Mato Grosso também não é benéfica por conta do algodão. Ou seja, chuvas na região central são boas para a pastagem, mas para algumas culturas essas chuvas não são animadoras”, diz Marco Antônio, agrometeorologista da Rural Clima.
El Niño e a cana-de-açúcar
De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), a safra 2023/2024, iniciada em abril, atingiu 125,38 milhões de toneladas no Centro-Sul do país, volume 16,76% maior em relação ao mesmo período do ciclo anterior. Isso significa que o começo da safra está favorável, mas é preciso cautela pois a previsão de chuvas no período de colheita pode prejudicar o andamento da moagem.
Stephen Geldart, head de análise da consultoria Czarnikow, explica que o El Niño leva a menos chuvas no Pacífico Ocidental, pois a água quente se espalha de lá para o Pacífico Oriental. Isso pode significar condições secas na Índia, Tailândia, Indonésia, Filipinas e norte da Austrália, todas regiões produtoras de cana-de-açúcar. "Isso é algo a ser observado nos próximos meses, especialmente para as regiões do hemisfério norte onde a cana está crescendo", diz.
Com isso, o excesso de chuvas aparece no Pacífico Oriental, ou seja, o sul do Brasil e o norte da Argentina podem ser mais úmidos do que o normal neste meio de ano. “Isso tem o potencial de interferir no progresso do esmagamento da cana-de-açúcar, o que pode ser um problema no Centro-Sul do Brasil, a maior região canavieira do mundo, onde as usinas já estão em uma corrida contra o tempo para colher toda a cana disponível este ano”, ele afirma.
À medida que a intensidade do El Niño deve nortear o desempenho da safra da cana, as usinas se preparam para um período mais curto de colheita, já que a entrada das colheitadeiras no canavial fica inviável debaixo de chuva, além de prejudicar a produtividade da cana. Por outro lado, o analista da Cnarnikow pondera que as chuvas acima do normal neste ano podem significar cana de melhor qualidade no ano que vem.
Impactos na Argentina
Um dos principais balcões de negócios da Argentina, a Bolsa de Valores de Rosário estima probabilidade de 95% de o El Niño ocorrer entre setembro e outubro. No entanto, desde maio o fenômeno já começa a alterar o cenário de seca que o setor agrícola sofre há três anos no país.
O Guia Estratégico da Agricultura (GEA) da entidade, até o mês passado, acreditava que o plantio de trigo seria equivalente a 4,9 milhões de hectares, 17% a menos que na safra 2022/23. A queda na produtividade seria resultado de solos secos, extremidade vista pela última vez em 2009.
Com a mudança de comportamento das águas do Pacífico, as chuvas recuperaram 700 mil hectares para o trigo 2023/24. A partir disso, a Bolsa de Valores de Rosário reviu as estimativas 5,6 milhões toneladas do cereal.
O impacto do El Niño já é diferente para o cultivo de uvas, que se adapta bem ao clima seco. Martín di Stefano, agrônomo da vinícola Zuccardi, na região do Valle de Uco, em Mendoza, explica que o fenômeno climático traz mais chuvas e menor riscos de geada, no entanto aumenta as chances de problemas fitossanitários, como doenças fúngicas.
“Viemos de três anos consecutivos de La Niña, que combinou a falta de água com altas temperaturas, o que [para as uvas] trouxe um perfil de maturidade mais elevado. Com o El Niño, há mais riscos de problemas sanitários prévios à colheita, sobretudo de doenças de fevereiro em diante”, afirma.
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Atenção à safra dos Estados Unidos
A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) anunciou que há 84% de chance de o El Niño ser de intensidade moderada neste ano. Ainda assim, é considerada a possibilidade de 56% de que o fenômeno pode se tornar forte. Por isso, agricultores americanos acompanham os volumes de chuva para o andamento da safra de grãos, como soja e milho.
De acordo com Marco Antônio, da Rural Clima, atualmente os Estados Unidos passam por condições “não estão animadoras”. Ele esclarece, no entanto, que qualquer afirmação sobre baixa na produtividade da safra norte-americana ainda é prematuro, e a tendência ainda é de uma safra positiva para 2023/2023.
“Temos que prestar atenção porque tem regiões que estão com mais de 20 dias sem chuva. Se isso permanecer, aí podemos começar a falar em quebra de safra”, diz.
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Créditos
Mariana Grilli
Repórter de Agro
Graduada em Jornalismo com especialização em Agronegócios pela FGV. Trabalhou como repórter na Rádio Jovem Pan e na Revista Globo Rural. É vencedora do 2° Prêmio GTPS de Jornalismo e do Prêmio Rede ILPF de Jornalismo.