A tokenização de ativos e os seus impactos no mundo dos negócios
Como a conexão entre blockchain e ativos digitais está transformando o mundo real
Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às, 19h27.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2021 às, 20h38.
No artigo anterior, vimos como a tecnologia blockchain nos ajuda a eliminar o problema de gasto duplo e nos permite a intermediação direta. Isto é, possibilita a transferência da propriedade de um objeto digital sem intermediários. Hoje, veremos alguns pontos de conexão entre blockchains e ativos digitais, partindo de exemplos em que tais institutos se conectam. Nosso objetivo aqui é trazer o que está acontecendo na indústria blockchain quanto à tokenização de ativos e como isso está impactando o mundo real e o mundo dos negócios.
Tokens são unidades que representam algo, e podem servir não apenas como troca e pagamento, mas também para retratar um objeto físico ou virtual. Um token, portanto, pode literalmente representar tudo: a participação numa empresa, ouro físico, o direito de usar um serviço, a propriedade de uma obra de arte, dentre outros.
Como não existe nada melhor para compreender um assunto do que exemplos, vejamos alguns casos de tokenização de ativos:
Começando com uma aplicação no mercado imobiliário, imagine que tokens sejam emitidos para representar digitalmente uma casa numa plataforma blockchain. Suponha, também, que o emissor deste token distribua 100 tokens representativos deste este ativo (partes dessa casa), de modo que cada token represente o direito a 1% da receita gerada por essa propriedade. Se o aluguel desta casa for pago, ele será distribuído proporcionalmente entre os portadores deste token.
Outro exemplo de tokenização de ativos é um caso real, que impactou profundamente e positivamente o mercado de commodities em 2018. A casa da moeda britânica, The Royal Mint, em parceria com a Chicago Mercantile Exchange, desenvolveu um blockchain e tokenizou o ouro físico armazenado pela Royal Mint Gold (RMG), para possibilitar sua negociação em tempo real, de modo seguro e transparente, e a custos mais baixos. Note como a The Royal Mint praticamente mudou a forma como o ouro era negociado, executado e liquidado no mundo, até então.
Nesse caso, o interessante é como a tokenização de ativos digitais é capaz de transcender a natureza ilíquida e segregada de alguns mercados tradicionais como o de commodities, possibilitando que ativos ilíquidos — no caso, ouro físico — se tornem mais acessíveis e sejam compartilhados em toda a cadeia de valor, sem criar novos riscos financeiros sistêmicos.
Agora que a ideia de que tokenização já está mais clara, vejamos um conceito de token digital que melhor atende à finalidade deste artigo. E uma definição que costumo usar é: token digital é um instrumento digital, cujos termos permitem que seu proprietário faça uma reclamação contra sua emissão.
Geralmente, quando falamos sobre tokenização de ativos digitais no contexto de blockchains, nos referimos a instrumentos, ou maneiras de como pensamos o “dinheiro”.
Mas como já percebemos nos exemplos acima, uma definição genérica é mais adequada. Assim, ativo digital é uma “representação digital”.
Seguindo a classificação utilizada pela OCDE, existem dois grandes grupos de ativos digitais: os baseados em valor e os baseados em utilidade.
No primeiro grupo, o dos “ativos digitais baseados em valor”, entram os ativos digitais representativos de qualquer espécie de valor do mundo real (ativos digitalizados) e os ativos nativamente digitais.
Ativos “digitalizados” são os tokens representativos de dívidas, ações, títulos, commodities, e todas essas coisas que podem vir da digitalização de “papel” e serem colocadas no mundo digital via blockchain. Ativos “nativamente digitais”, por sua vez, são outro tipo de ativo digital, cujo melhor exemplo é o bitcoin (por não existir no mundo real sob nenhuma outra forma).
Já no grupo dos “ativos digitais baseados em utilidade”, que consideram a utilidade dos ativos, entram aqueles representativos de responsabilidade institucional (como as CBDCs), os representativos de outro valor (como as stablecoins) e os criptoativos.
As stablecoins são ativos “utilitários representativos de outro valor”, porque representam obrigações financeiras emitidas em um blockchain, que são garantidos por depósitos em moeda fiduciária em um banco ou por títulos do governo de curto prazo, mantidos em um custodiante.
Os criptoativos, por sua vez, são uma classe de ativos utilitários, que muito se assemelha à classe dos “ativos nativamente digitais”, mas que, todavia, possuem como princinpal característica uma utilidade, que não só a monetária (facilitar o cálculo de aplicativos decentralizados, atuar como combustível para transações, etc.).
Existe, ainda, um terceiro grupo de “outros ativos digitais”, que não se encaixam nas classificações anteriores, como “digital twins” (gêmeos digitais), identidades digitais e credenciais e copyrights (direitos autorais).
Muito trabalho tem sido feito com "digital twins" no mercado de commodities. E não só no mercado do ouro, já citado acima, mas principalmente em cadeias de suprimentos. Imagine um barril de petróleo em que seu gêmeo digital o espelhe em uma plataforma blockchain, conforme ele se move na cadeia de abastecimento. A representação digital deste barril ("digital twin") o acompanha desde a hora em que o petróleo é extraído, passando por toda a refinaria e demais etapas da cadeia, até finalmente seu efetivo uso.
Por outro lado, os ativos digitais representativos de identidade digital e credenciais vão desempenhar um papel de enorme relevância. Para se ter uma ideia, o Fórum Econômico Digital considera identidades digitais em blockchain um pré-requisito para a economia digital. E no Brasil já existe um projeto de identidade “financeira” digital chamado FinID em desenvolvimento no LIFT.
Pois bem, compreendido o que são tokens e ativos digitais, bem como suas várias classes e espécies, vamos prosseguir e averiguar como a tokenização e os ativos digitais têm transformado os negócios atualmente.
Diversas notícias, principalmente ao longo dos últimos dois anos, mencionam a emissão de diferentes tipos de stablecoins por empresas de criptoativos e bancos comerciais.
“A Empresa de pagamentos PayPal permitirá que clientes negociem, armazenem e façam compras utilizando algumas das maiores criptomoedas do mundo.”
Tesouro dos Estados Unidos libera bancos para pagamentos com Stablecoins.”
Além disso, o interesse crescente da maioria dos países na emissão de suas próprias CBDCs tem ocupado lugar de destaque em diversas matérias.
“Banco Central Europeu está estudando a emissão de moeda digital.”
“Mu Changchun, vice-chefe da divisão de pagamento e liquidação do Banco Popular da China, afirmou recentemente que a CBDC da China está praticamente pronta para ser operacionalizada.”
Ainda, o potencial de crescimento dos ativos digitais foi o tema principal de uma pesquisa, patrocinada pelo Fórum Econômico Mundial, pela Deloitte e pela McKinsey, segundo a qual o mercado global de tokenização em blockchain deve atingir 24 trilhões de dólares em 2027.
E o fascinante aqui é a percepção de como a integração de blockchain no espaço de negociação de ativos e commodities muda totalmente seu ritmo e dimensão. Na projeção para o ano de 2027, por exemplo, o relatório aponta o surgimento de mais classes de ativos digitais, representando uma realidade onde pode ser que a maior classe de ativos na esfera digital ainda nem exista.
Por fim, vale acrescentar a este mosaico de manchetes, aquelas relacionadas à empresas como a Nasdaq, que tem explorado os ativos digitais e tokens blockchain sob todas as suas formas.
“Nasdaq começa a fazer testes com tecnologia que serve de base para o bitcoin”,
“Grandes empresas como a Nasdaq e a NYSE já estão oferecendo soluções institucionais para os emissores e investidores de STOs, incorporando cada vez mais secutity tokens no mercado financeiro tradicional.”
“A Nasdaq Inc. concluiu com sucesso um teste usando a tecnologia blockchain para executar votação por procuração em sua bolsa na Estônia”.
Ora, tendo em conta o que vimos até aqui, é fácil perceber como um novo mundo de ativos digitais já está sendo construído mundo afora, e como a tokenização via blockchain causará enorme impacto nos negócios.
Mas qual a amplitude desse impacto? Se você atua em serviços financeiros ou em algum tipo de mercado de capitais, o impacto que a tokenização de ativos vai ter é bastante óbvio. Agora, como blockchains e a tokenização de ativos digitais impactarão empresas que não estão nestas áreas?
Pense nisto até nosso próximo encontro. Vamos descobrir juntos aqui no Future of Money. Mantenha a curiosidade em alta e até breve!