Reforma tributária à brasileira
O perigo dessa reforma é que, também diferentemente da previdência, ela não acabe na sanção do presidente
Colunista
Publicado em 16 de novembro de 2023 às 15h43.
Última atualização em 16 de novembro de 2023 às 15h44.
Com a aprovação noSenadoda reforma tributária, perdemos a oportunidade de ter a excelente proposta original, verdadeiramente revolucionando a estrutura tributária brasileira. A ideia da PEC 45, além de modernizar e muito nosso sistema, trazia inovações como o cashback em alimentos, por exemplo.
Mesmo assim, o sistema tende a diminuir o contencioso tributário em relação ao sistema mais do que confuso que temos hoje. A questão da não-cumulatividade dos impostos de bens e serviços, por exemplo, pode finalmente ser generalizada, depois de anos de exceções que foram sendo permitidas por decisões judiciais. Os enormes resíduos tributários que eram acumulados e nunca recuperados têm uma chance de diminuírem bastante depois da implementação total da reforma. A infinidade de alíquotas que existiam também desaparece, se tornando apenas quatro, o que claramente simplifica um sistema confuso como o nosso.
Não é pouco o que se conseguiu, mas dada a expectativa inicial a frustração também não deixa de ser grande. Diferentemente da reforma da previdência, que tinha grupos de interesse contrários, a da reforma tributária talvez tenha juntado de forma histórica o maior grupo de pressão contra a reforma que já vimos. Foram estados, municípios e inúmeros setores organizados da sociedade que conseguiram entrar nas exceções sem ter justificativa econômica para tal. Isso acabou piorando na aprovação no Senado com a adição de uma quarta alíquota para profissionais liberais entre outras exceções que foram agregadas.
O perigo dessa reforma é que, também diferentemente da previdência, ela não acabe na sanção do presidente. Serão pelos menos dez anos de testes e aprovações de leis ordinárias para acomodar os diversos regimes especiais criados e a definição das próprias alíquotas.
Ao longo desse período, dado que se abriu brechas além do necessário, o risco é que novas deteriorações aconteçam. A entrada de novas exceções não pode ser descartada, bem como leituras jurídicas que podem ser feitas desvirtuando o novo regime aprovado. Muito da não-cumulatividade dos impostos de bens e serviços foi caindo ao longo dos anos por decisões tanto do STF quanto do STJ, como mostra fartamente o livro “Reforma tributária e neutralidade do IVA ”, de uma equipe de autores do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito em São Paulo.
O problema de uma reforma tributária que fica longe da simplicidade é que as decisões judiciais podem acabar a tornando ainda mais complexa. Será uma quantidade muito grande de leis ordinárias no total, mais de 40 provavelmente, e que serão alvo claro de judicialização no futuro em torno dos créditos acumulados que, de certa forma, continuarão a trazer dificuldades. Alíquotas diferentes, Zona Franca de Manaus, sistemas fora da reforma, como o Simples, entre outras têm potencial para que as empresas ou setores que se sintam prejudicados vá discutir na Justiça. É verdade que o contencioso cairá, mas surgem flancos à frente.
Indefinições sobre a cesta básica se mantém, pois não se sabe o que a compõe e será uma enorme briga para se ter a composição final. Além do fato de que o desconto para a cesta básica local também é brecha para um sem-número de itens poderem virar exceções regionais, complicando ainda mais a reforma. Aqui a oportunidade perdida do cashback é muito clara. A digitalização financeira da população nos últimos anos, especialmente da população mais pobre, permite que um sistema como esse funcione normalmente. Seria um avanço de nível internacional e teria o papel do que deveria ter o imposto sobre alimentos: auxiliar quem é de fato mais pobre. Não vejo sentido eu ter desconto de imposto em produtos de uma cesta básica na mesma proporção que a população pobre teria. Foi uma chance perdida de se ver essa parte da reforma como um programa social. Mas há uma brecha aberta pelo relator ao se considerar o caskback para gás de cozinha que pode ser um prenúncio de um uso mais geral na revisão daqui a cinco anos.
No geral, temos uma reforma que define nossa incapacidade irretocável de não se modernizar. Chegamos atrasados a uma reforma com diversos estudos de caso mundo afora e ainda assim evitamos as boas práticas já conhecidas. Essa nossa insistência em chegar atrasado em reformas importantes, assim como foi a da previdência também, nos garantirá crescimento medíocre por longos anos. É a armadilha da renda média sendo renovada insistentemente por nós.
Com a aprovação noSenadoda reforma tributária, perdemos a oportunidade de ter a excelente proposta original, verdadeiramente revolucionando a estrutura tributária brasileira. A ideia da PEC 45, além de modernizar e muito nosso sistema, trazia inovações como o cashback em alimentos, por exemplo.
Mesmo assim, o sistema tende a diminuir o contencioso tributário em relação ao sistema mais do que confuso que temos hoje. A questão da não-cumulatividade dos impostos de bens e serviços, por exemplo, pode finalmente ser generalizada, depois de anos de exceções que foram sendo permitidas por decisões judiciais. Os enormes resíduos tributários que eram acumulados e nunca recuperados têm uma chance de diminuírem bastante depois da implementação total da reforma. A infinidade de alíquotas que existiam também desaparece, se tornando apenas quatro, o que claramente simplifica um sistema confuso como o nosso.
Não é pouco o que se conseguiu, mas dada a expectativa inicial a frustração também não deixa de ser grande. Diferentemente da reforma da previdência, que tinha grupos de interesse contrários, a da reforma tributária talvez tenha juntado de forma histórica o maior grupo de pressão contra a reforma que já vimos. Foram estados, municípios e inúmeros setores organizados da sociedade que conseguiram entrar nas exceções sem ter justificativa econômica para tal. Isso acabou piorando na aprovação no Senado com a adição de uma quarta alíquota para profissionais liberais entre outras exceções que foram agregadas.
O perigo dessa reforma é que, também diferentemente da previdência, ela não acabe na sanção do presidente. Serão pelos menos dez anos de testes e aprovações de leis ordinárias para acomodar os diversos regimes especiais criados e a definição das próprias alíquotas.
Ao longo desse período, dado que se abriu brechas além do necessário, o risco é que novas deteriorações aconteçam. A entrada de novas exceções não pode ser descartada, bem como leituras jurídicas que podem ser feitas desvirtuando o novo regime aprovado. Muito da não-cumulatividade dos impostos de bens e serviços foi caindo ao longo dos anos por decisões tanto do STF quanto do STJ, como mostra fartamente o livro “Reforma tributária e neutralidade do IVA ”, de uma equipe de autores do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito em São Paulo.
O problema de uma reforma tributária que fica longe da simplicidade é que as decisões judiciais podem acabar a tornando ainda mais complexa. Será uma quantidade muito grande de leis ordinárias no total, mais de 40 provavelmente, e que serão alvo claro de judicialização no futuro em torno dos créditos acumulados que, de certa forma, continuarão a trazer dificuldades. Alíquotas diferentes, Zona Franca de Manaus, sistemas fora da reforma, como o Simples, entre outras têm potencial para que as empresas ou setores que se sintam prejudicados vá discutir na Justiça. É verdade que o contencioso cairá, mas surgem flancos à frente.
Indefinições sobre a cesta básica se mantém, pois não se sabe o que a compõe e será uma enorme briga para se ter a composição final. Além do fato de que o desconto para a cesta básica local também é brecha para um sem-número de itens poderem virar exceções regionais, complicando ainda mais a reforma. Aqui a oportunidade perdida do cashback é muito clara. A digitalização financeira da população nos últimos anos, especialmente da população mais pobre, permite que um sistema como esse funcione normalmente. Seria um avanço de nível internacional e teria o papel do que deveria ter o imposto sobre alimentos: auxiliar quem é de fato mais pobre. Não vejo sentido eu ter desconto de imposto em produtos de uma cesta básica na mesma proporção que a população pobre teria. Foi uma chance perdida de se ver essa parte da reforma como um programa social. Mas há uma brecha aberta pelo relator ao se considerar o caskback para gás de cozinha que pode ser um prenúncio de um uso mais geral na revisão daqui a cinco anos.
No geral, temos uma reforma que define nossa incapacidade irretocável de não se modernizar. Chegamos atrasados a uma reforma com diversos estudos de caso mundo afora e ainda assim evitamos as boas práticas já conhecidas. Essa nossa insistência em chegar atrasado em reformas importantes, assim como foi a da previdência também, nos garantirá crescimento medíocre por longos anos. É a armadilha da renda média sendo renovada insistentemente por nós.