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Arcabouço fiscal foi feito para durar quatro anos

A divulgação do arcabouço fiscal trouxe certo alívio no mercado por ter sido melhor do que as suspeitas que pairavam no mercado

Tebet, Haddad e secretários na apresentação do arcabouço: desenho geral da proposta foi apresentado, mas começa agora o processo no Congresso (Foto: Fazenda/Flickr/Divulgação) (Diogo Zacarias/MF/Divulgação)
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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2023 às 15h40.

Última atualização em 31 de março de 2023 às 15h46.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

A divulgação do arcabouço fiscal trouxe certo alívio no mercado por ter sido melhor do que as suspeitas que pairavam no mercado. Havia a possibilidade de se tirar os gastos de educação, saúde e investimentos da nova regra e isso estava deixando o mercado apreensivo.

Mas mesmo deixando tudo dentro da regra, tirando as exceções constitucionais do Fundeb e do piso de enfermagem, o fato é que a regra ficou aquém do que se consideraria uma regra para durar vários anos. Assim como escrevi nesse espaço em 2016 sobre minhas dúvidas sobre sustentabilidade da regra do teto, tenho o mesmo receio sobre a regra apresentada esta semana.

A primeira razão de dúvida é sobre o aumento permanente do gasto público entre 0,6% e 2,5%. A questão não é nem o número em si, que é menor do que os gastos reais que cresciam em média 6% ao ano até a aprovação da regra do teto. Mas nenhuma consideração sobre a qualidade e melhora da estrutura do gasto foi considerada. A regra do teto, mesmo draconiana, tinha o objetivo de fazer com que se repensasse a estrutura de gastos no país para caber dentro de um orçamento então delimitado pela inflação.

"A fraqueza política do governo Temer (depois do Joesley Day em maio de 2017) e a terceirização do governo Bolsonaro para o Congresso impediram que se olhasse o gasto de outra forma. "

Perdemos a chance de fazer uma reforma administrativa e não há nenhum sinal de nada parecido com isso vindo pela frente Pode ser que o Ministério do Planejamento, com Simone Tebet, atue mais nessa área, especialmente com o objetivo de identificar as políticas públicas que estão funcionando e, para as que não estão, que possa haver aperfeiçoamento. Mas algo nesse sentido deveria estar indicado no arcabouço fiscal de qualquer maneira.

Estrutura dos gastos

Na estrutura dos gastos, será importante observar como o governo vai fazer para diminuir os gastos fora educação, saúde e emendas parlamentares. Essas respondem a emendas constitucional que impõe pisos de gastos referentes à receita líquida. Se a receita líquida sobe 100 esses gastos terão que subir 100 e não 70%, como delimitado na nova regra. Para gerar esse resultado, os gastos além desses três itens terão que cair abaixo de 70% para gerar essa média. Será um enorme desafio para o governo.

Outro ponto de dúvida é que não houve evolução em termos da regra ser anticíclica. No modelo criado quanto mais crescimento, mais arrecadação e mais gasto, no limite de 2,5%.Quanto menos crescimento, menos arrecadação e menos crescimento do gasto, de no mínimo 0,6%. Há crescimento do gasto de qualquer forma e uma regra verdadeiramente anticíclica deveria pensar o contrário: quanto mais crescimento, menos gasto e quanto mais recessivo, mais gasto, justamente para suavizar o ciclo econômico. Esse deveria ser o papel de curto prazo da política fiscal.

A combinação de aumento de gasto real com superávit primário baixo esperado até 2026 não dará sustentabilidade da dívida. As estimativas do governo, ao final da apresentação, parecem superestimar crescimento do PIB e arrecadação e entregam números de dívida não muito condizentes com o que seria em um cenário de crescimento mais realista. Nossa expectativa de dívida pública bruta em 2026, considerando o resultado primário que o governo estima, é de 81% do PIB e não 76% como o governo aponta. Ou seja, sairemos de 73,5% no final do ano passado para 81% em quatro anos e pensar em sustentabilidade à frente demandará um esforço maior de primário para se conseguir isso.

Aumentar o primário e diminuir a dívida

Aqui entram as dificuldades do governo em entender que o caminho é aumentar o primário, diminuir a dívida e isso ajudar na queda da taxa de juros, do que acreditar no contrário, ou seja, que a queda de juros vai ajudar no crescimento, no primário e na dívida. Há uma inflação desancorada totalmente para os próximos anos. Ao invés da meta de 3%, o mercado espera 4% a partir dos próximos anos e subindo. Essa desancoragem não se responde com queda de juros, mas com aumento do primário para que os prêmios de risco possam cair e o BC tenha espaço para começar a diminuir a taxa de juros.

Parte dessa sequência c omeçou a ser escrita com o novo arcabouço fiscal, por menos adequado que seja. Ele terá que ser aprovado sem grandes mudanças, mas também teremos que ver a manutenção da meta de inflação em 3% na discussão do Conselho Monetário Nacional em junho e aprovação da reforma tributária. São elementos essenciais para o BC ter espaço de fato para aqueda da Selic. A desaceleração da atividade está ajudando nessa caminhada, mas mesmo com a regra sendo divulgada não consigo ver o BC tendo espaço para diminuir juros antes do terceiro trimestre.

Por fim, o governo foca integralmente na arrecadação. Melhorar eficiência, cobrar de quem não paga, sempre ajuda, mas não é relevante em termos das magnitudes que se precisarão. O próprio governo fala em R$ 150 bilhões a mais que se buscará, o que não é anda fácil por esse caminho. Revisar os gastos tributários também será difícil com a maior parte sendo Zona Franca de Manaus e o Simples.

O governo terá duas saídas: esperar que o crescimento venha depois de um forte ano de reformas e/ou fazer a reforma do imposto de renda ano que vem. Passada a reforma tributária de bens e serviços, que em tese manterá a carga tributária no mesmo nível, espera-se ano que vem espaço para que se faça a reforma no imposto de renda, essa sim com capacidade de arrecadação e aumento da carga tributária. A parte mais rica da população paga proporcionalmente menos imposto do que a parte mais pobre e essa reforma, além de aumentar a arrecadação, tem um componente importante de melhorar a desigualdade de renda. Essa talvez consiga ser a única fonte relevante de imposto do governo nos próximos anos. Mas como deve ser aprovada só ano que vem, deverá valer para 2025 em diante.

O caminho fiscal do país segue sendo difícil. Mas ao menos hoje temos uma regra, por mais imperfeita que seja, temos que vê-la do ponto de vista das possibilidades políticas. O Ministro Fernando Haddad está certo ao apontar as dificuldades de ter que agradar de Roberto Campos a Gleisi Hofman. Mas enquanto a discussão for de ordem muito mais política do que técnica, seguiremos sem conseguir finalmente ter uma regra que seja duradoura. Esta vai ter que olhar gastos e receitas com igualdade de preocupação para agradar esquerda e direita. Mas ainda não chegamos lá. Passado o atual governo, teremos que voltar a essa discussão em 2027, com uma regra provavelmente mais forte do que a atual.

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Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

A divulgação do arcabouço fiscal trouxe certo alívio no mercado por ter sido melhor do que as suspeitas que pairavam no mercado. Havia a possibilidade de se tirar os gastos de educação, saúde e investimentos da nova regra e isso estava deixando o mercado apreensivo.

Mas mesmo deixando tudo dentro da regra, tirando as exceções constitucionais do Fundeb e do piso de enfermagem, o fato é que a regra ficou aquém do que se consideraria uma regra para durar vários anos. Assim como escrevi nesse espaço em 2016 sobre minhas dúvidas sobre sustentabilidade da regra do teto, tenho o mesmo receio sobre a regra apresentada esta semana.

A primeira razão de dúvida é sobre o aumento permanente do gasto público entre 0,6% e 2,5%. A questão não é nem o número em si, que é menor do que os gastos reais que cresciam em média 6% ao ano até a aprovação da regra do teto. Mas nenhuma consideração sobre a qualidade e melhora da estrutura do gasto foi considerada. A regra do teto, mesmo draconiana, tinha o objetivo de fazer com que se repensasse a estrutura de gastos no país para caber dentro de um orçamento então delimitado pela inflação.

"A fraqueza política do governo Temer (depois do Joesley Day em maio de 2017) e a terceirização do governo Bolsonaro para o Congresso impediram que se olhasse o gasto de outra forma. "

Perdemos a chance de fazer uma reforma administrativa e não há nenhum sinal de nada parecido com isso vindo pela frente Pode ser que o Ministério do Planejamento, com Simone Tebet, atue mais nessa área, especialmente com o objetivo de identificar as políticas públicas que estão funcionando e, para as que não estão, que possa haver aperfeiçoamento. Mas algo nesse sentido deveria estar indicado no arcabouço fiscal de qualquer maneira.

Estrutura dos gastos

Na estrutura dos gastos, será importante observar como o governo vai fazer para diminuir os gastos fora educação, saúde e emendas parlamentares. Essas respondem a emendas constitucional que impõe pisos de gastos referentes à receita líquida. Se a receita líquida sobe 100 esses gastos terão que subir 100 e não 70%, como delimitado na nova regra. Para gerar esse resultado, os gastos além desses três itens terão que cair abaixo de 70% para gerar essa média. Será um enorme desafio para o governo.

Outro ponto de dúvida é que não houve evolução em termos da regra ser anticíclica. No modelo criado quanto mais crescimento, mais arrecadação e mais gasto, no limite de 2,5%.Quanto menos crescimento, menos arrecadação e menos crescimento do gasto, de no mínimo 0,6%. Há crescimento do gasto de qualquer forma e uma regra verdadeiramente anticíclica deveria pensar o contrário: quanto mais crescimento, menos gasto e quanto mais recessivo, mais gasto, justamente para suavizar o ciclo econômico. Esse deveria ser o papel de curto prazo da política fiscal.

A combinação de aumento de gasto real com superávit primário baixo esperado até 2026 não dará sustentabilidade da dívida. As estimativas do governo, ao final da apresentação, parecem superestimar crescimento do PIB e arrecadação e entregam números de dívida não muito condizentes com o que seria em um cenário de crescimento mais realista. Nossa expectativa de dívida pública bruta em 2026, considerando o resultado primário que o governo estima, é de 81% do PIB e não 76% como o governo aponta. Ou seja, sairemos de 73,5% no final do ano passado para 81% em quatro anos e pensar em sustentabilidade à frente demandará um esforço maior de primário para se conseguir isso.

Aumentar o primário e diminuir a dívida

Aqui entram as dificuldades do governo em entender que o caminho é aumentar o primário, diminuir a dívida e isso ajudar na queda da taxa de juros, do que acreditar no contrário, ou seja, que a queda de juros vai ajudar no crescimento, no primário e na dívida. Há uma inflação desancorada totalmente para os próximos anos. Ao invés da meta de 3%, o mercado espera 4% a partir dos próximos anos e subindo. Essa desancoragem não se responde com queda de juros, mas com aumento do primário para que os prêmios de risco possam cair e o BC tenha espaço para começar a diminuir a taxa de juros.

Parte dessa sequência c omeçou a ser escrita com o novo arcabouço fiscal, por menos adequado que seja. Ele terá que ser aprovado sem grandes mudanças, mas também teremos que ver a manutenção da meta de inflação em 3% na discussão do Conselho Monetário Nacional em junho e aprovação da reforma tributária. São elementos essenciais para o BC ter espaço de fato para aqueda da Selic. A desaceleração da atividade está ajudando nessa caminhada, mas mesmo com a regra sendo divulgada não consigo ver o BC tendo espaço para diminuir juros antes do terceiro trimestre.

Por fim, o governo foca integralmente na arrecadação. Melhorar eficiência, cobrar de quem não paga, sempre ajuda, mas não é relevante em termos das magnitudes que se precisarão. O próprio governo fala em R$ 150 bilhões a mais que se buscará, o que não é anda fácil por esse caminho. Revisar os gastos tributários também será difícil com a maior parte sendo Zona Franca de Manaus e o Simples.

O governo terá duas saídas: esperar que o crescimento venha depois de um forte ano de reformas e/ou fazer a reforma do imposto de renda ano que vem. Passada a reforma tributária de bens e serviços, que em tese manterá a carga tributária no mesmo nível, espera-se ano que vem espaço para que se faça a reforma no imposto de renda, essa sim com capacidade de arrecadação e aumento da carga tributária. A parte mais rica da população paga proporcionalmente menos imposto do que a parte mais pobre e essa reforma, além de aumentar a arrecadação, tem um componente importante de melhorar a desigualdade de renda. Essa talvez consiga ser a única fonte relevante de imposto do governo nos próximos anos. Mas como deve ser aprovada só ano que vem, deverá valer para 2025 em diante.

O caminho fiscal do país segue sendo difícil. Mas ao menos hoje temos uma regra, por mais imperfeita que seja, temos que vê-la do ponto de vista das possibilidades políticas. O Ministro Fernando Haddad está certo ao apontar as dificuldades de ter que agradar de Roberto Campos a Gleisi Hofman. Mas enquanto a discussão for de ordem muito mais política do que técnica, seguiremos sem conseguir finalmente ter uma regra que seja duradoura. Esta vai ter que olhar gastos e receitas com igualdade de preocupação para agradar esquerda e direita. Mas ainda não chegamos lá. Passado o atual governo, teremos que voltar a essa discussão em 2027, com uma regra provavelmente mais forte do que a atual.

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