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O risco do excesso de tecnologia para o varejo

A tecnologia pode igualar a experiência do cliente no PDV, esfriando a relação, diminuindo o protagonismo e transformando a marca em commodity

O risco do excesso de tecnologia para o varejo (Dmitriy Shironosov/Thinkstock)

Publicado em 25 de outubro de 2023 às 09h54.

Última atualização em 25 de outubro de 2023 às 09h55.

Sou um entusiasta da tecnologia e sei que se bem usada, ela pode tanto alavancar positivamente o relacionamento das marcas com as pessoas, como também pode atuar de maneira exatamente contrária se mal implementada. Mas o grande risco para o relacionamento com clientes não está na tecnologia em si e nem nas falhas em um eventual processo ou forma de uso de um canal de contato, por exemplo.

O risco bem maior que muitas empresas ainda não perceberam, principalmente os varejistas, é que o excesso de tecnologia pode fazer a relação com o cliente virar meramente processual ou transacional, acabando assim com os diferenciais e transformando a marca em uma grande commodity. Vou explicar melhor, mas antes quero contar uma pequena história para ilustrar.

Meu primeiro emprego formal foi no saudoso Banco Real, em 1988, quando eu completei 16 anos. Trabalhando alguns anos em uma agência do banco como office-boy, escriturário e depois caixa, comecei a entender o que significava um relacionamento com clientes na prática do balcão, como costumo dizer, ou seja, no contato pessoal direto e sem filtros não apenas porque eu era muito jovem, mas também porque não havia nenhum treinamento sobre como lidar com clientes, apenas sobre como realizar as tarefas operacionais. Só que lidar com clientes era o que fazíamos o dia inteiro nestas diversas tarefas.

A agência sempre tinha um bom movimento, mas lotava mesmo e com filas intermináveis no famigerado dia 10 de cada mês, que era a data tradicional de pagamento de salário e vencimentos de várias contas.

Tecnologia e computadores na agência? Nem imaginávamos o que era isso e não havia autoatendimento. Se o cliente queria apenas consultar o saldo da sua conta no dia, então tinha que entrar nas filas dos caixas, que consultavam os saldos em listagens que chegavam diariamente pelo malote. E se o cliente realizava algum tipo movimentação como saque, depósito ou pagamentos, anotávamos manualmente nesta listagem ao lado do valor do saldo inicial, colocando um sinal de subtração ou adição juntamente com o valor movimentado. Imagine como ficava esta listagem no final do dia.

Um dos resultados foi que todos nós conhecíamos bem a maioria dos clientes. Conhecíamos por nome e rosto. Sabíamos e conversamos sobre as características de cada um, os clientes que gostávamos, os que não gostávamos e tentávamos até definir quem atendia qual cliente por conta disso. Sem querer e pensando apenas em tornar o trabalho mais tranquilo para nós, acabávamos personalizando o atendimento e tornando a experiência de atendimento melhor para o cliente no final das contas. Imagine o potencial disso se fosse intencional e virasse uma estratégia de relacionamento? Era o CRM quando nem usávamos o termo ainda.

Contei esta história toda para pensarmos um pouco sobre como as experiências nas relações entre as empresas e seus clientes mudaram rapidamente nos últimos anos e vem se acelerando por conta da tecnologia cada vez mais acessível.

Hoje em dia praticamente todos os processos em um banco são automatizados, seja com o autoatendimento, o homebanking ou com os aplicativos. Ir a uma agência e ser atendido por uma pessoa é quase desnecessário. Os dados fazem os bancos acharem que já conhecem bem cada cliente e isto basta para direcionar o relacionamento mas, como já falei em outro artigo aqui ter dados agora é fácil, o difícil mesmo e ter sabedoria para usá-los bem.

E o varejo é o outro segmento onde a tecnologia para o PDV vem sendo implementada rapidamente, seja com omnichannel integrando os processos de compra entre os diversos canais digitais e físicos ou mesmo com autoatendimento do início ao fim da jornada, ou seja, sem nenhuma pessoa para atender o cliente nas lojas. Aliás, o autoatendimento é uma das grandes tendências e é exatamente ele que vou usar para exemplificar este risco.

O grande risco para o varejo

Como falei no início, o grande risco é o excesso de tecnologia transformar a sua marca em uma grande commodity. E isso acontece exatamente porque a tecnologia disponível para todos pode igualar os níveis de serviço e de experiência do cliente, esfriando a relação e diminuindo o protagonismo que a marca pode exercer, distanciando-a exatamente quando o cliente está bem próximo, por exemplo, dentro de uma loja.

Em outras palavras, se a experiência de compra com o autoatendimento acaba se tornando muito parecida, até porque é baseada em tecnologias e processos disponíveis para todas as empresas, e se os produtos e a marca não tiverem força suficiente para gerar um diferencial competitivo reconhecido pelo cliente, o que sobrará será o preço que é a principal característica que define a venda de uma commodity.

Então basta a empresa continuar mostrando seus diferenciais na construção da marca através do marketing e da propaganda, você pode estar pensando. Seria bom se continuasse simples assim, mas não é mais. O problema é que os tempos mudaram e a propaganda não tem mais o mesmo impacto nas pessoas como tinha antes, principalmente nas novas gerações que confiam cada vez menos nas marcas.

Uma pesquisa recente com jovens da geração Z na América Latina, realizada pelo do Grupo Consumoteca, mostrou que apenas 25% deles se mostra fiel a alguma marca e66% consideram comprar de uma nova marca mais por influência de outras pessoas do que no que a empresa diz no seu storytelling ou propaganda.

Em outras palavras, o cenário mostra um consumidor mais propenso a confiar na opinião de outra pessoa do que na marca, ao mesmo tempo que as empresas com toda tecnologia no ponto de venda, acabam escolhendo se afastar ainda mais do cliente em um importante momento de relacionamento presencial, aumentando o risco de tornar a experiência dele mais fria e apenas operacional. Este mesmo cliente que depois pode influenciar os outros. Sinceramente, não consigo ver isso como uma boa estratégia.

Então vamos deixar a tecnologia de lado? Claro que não e o autoatendimento não é necessariamente um problema em si, mas o desenho de uma jornada de compra na loja com mais ou menos tecnologia, deve sempre ter como objetivo a construção de uma boa experiência para o cliente.

Ou seja, a escolha do que e como implementar de tecnologia não deve ser apenas por uma questão econômica, operacional ou porque é definido como “tendência”, mas precisa ser norteada por algo que muitas empresas esquecem ou não tem ainda muita clareza, que é o seu propósito corporativo, aquele que no final é o que atrai os clientes para ela.

Quando este propósito é claro, ele deve nortear todas as escolhas da empresa, inclusive sobre como implementar uma tecnologia, de modo que ela realmente agregue valor à relação e que seja percebido pelo cliente como forma de aproximá-lo da marca e não apenas uma forma de delegar a ele um papel não solicitado de executor de algum processo operacional, como acontece no autoatendimento.

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Sou um entusiasta da tecnologia e sei que se bem usada, ela pode tanto alavancar positivamente o relacionamento das marcas com as pessoas, como também pode atuar de maneira exatamente contrária se mal implementada. Mas o grande risco para o relacionamento com clientes não está na tecnologia em si e nem nas falhas em um eventual processo ou forma de uso de um canal de contato, por exemplo.

O risco bem maior que muitas empresas ainda não perceberam, principalmente os varejistas, é que o excesso de tecnologia pode fazer a relação com o cliente virar meramente processual ou transacional, acabando assim com os diferenciais e transformando a marca em uma grande commodity. Vou explicar melhor, mas antes quero contar uma pequena história para ilustrar.

Meu primeiro emprego formal foi no saudoso Banco Real, em 1988, quando eu completei 16 anos. Trabalhando alguns anos em uma agência do banco como office-boy, escriturário e depois caixa, comecei a entender o que significava um relacionamento com clientes na prática do balcão, como costumo dizer, ou seja, no contato pessoal direto e sem filtros não apenas porque eu era muito jovem, mas também porque não havia nenhum treinamento sobre como lidar com clientes, apenas sobre como realizar as tarefas operacionais. Só que lidar com clientes era o que fazíamos o dia inteiro nestas diversas tarefas.

A agência sempre tinha um bom movimento, mas lotava mesmo e com filas intermináveis no famigerado dia 10 de cada mês, que era a data tradicional de pagamento de salário e vencimentos de várias contas.

Tecnologia e computadores na agência? Nem imaginávamos o que era isso e não havia autoatendimento. Se o cliente queria apenas consultar o saldo da sua conta no dia, então tinha que entrar nas filas dos caixas, que consultavam os saldos em listagens que chegavam diariamente pelo malote. E se o cliente realizava algum tipo movimentação como saque, depósito ou pagamentos, anotávamos manualmente nesta listagem ao lado do valor do saldo inicial, colocando um sinal de subtração ou adição juntamente com o valor movimentado. Imagine como ficava esta listagem no final do dia.

Um dos resultados foi que todos nós conhecíamos bem a maioria dos clientes. Conhecíamos por nome e rosto. Sabíamos e conversamos sobre as características de cada um, os clientes que gostávamos, os que não gostávamos e tentávamos até definir quem atendia qual cliente por conta disso. Sem querer e pensando apenas em tornar o trabalho mais tranquilo para nós, acabávamos personalizando o atendimento e tornando a experiência de atendimento melhor para o cliente no final das contas. Imagine o potencial disso se fosse intencional e virasse uma estratégia de relacionamento? Era o CRM quando nem usávamos o termo ainda.

Contei esta história toda para pensarmos um pouco sobre como as experiências nas relações entre as empresas e seus clientes mudaram rapidamente nos últimos anos e vem se acelerando por conta da tecnologia cada vez mais acessível.

Hoje em dia praticamente todos os processos em um banco são automatizados, seja com o autoatendimento, o homebanking ou com os aplicativos. Ir a uma agência e ser atendido por uma pessoa é quase desnecessário. Os dados fazem os bancos acharem que já conhecem bem cada cliente e isto basta para direcionar o relacionamento mas, como já falei em outro artigo aqui ter dados agora é fácil, o difícil mesmo e ter sabedoria para usá-los bem.

E o varejo é o outro segmento onde a tecnologia para o PDV vem sendo implementada rapidamente, seja com omnichannel integrando os processos de compra entre os diversos canais digitais e físicos ou mesmo com autoatendimento do início ao fim da jornada, ou seja, sem nenhuma pessoa para atender o cliente nas lojas. Aliás, o autoatendimento é uma das grandes tendências e é exatamente ele que vou usar para exemplificar este risco.

O grande risco para o varejo

Como falei no início, o grande risco é o excesso de tecnologia transformar a sua marca em uma grande commodity. E isso acontece exatamente porque a tecnologia disponível para todos pode igualar os níveis de serviço e de experiência do cliente, esfriando a relação e diminuindo o protagonismo que a marca pode exercer, distanciando-a exatamente quando o cliente está bem próximo, por exemplo, dentro de uma loja.

Em outras palavras, se a experiência de compra com o autoatendimento acaba se tornando muito parecida, até porque é baseada em tecnologias e processos disponíveis para todas as empresas, e se os produtos e a marca não tiverem força suficiente para gerar um diferencial competitivo reconhecido pelo cliente, o que sobrará será o preço que é a principal característica que define a venda de uma commodity.

Então basta a empresa continuar mostrando seus diferenciais na construção da marca através do marketing e da propaganda, você pode estar pensando. Seria bom se continuasse simples assim, mas não é mais. O problema é que os tempos mudaram e a propaganda não tem mais o mesmo impacto nas pessoas como tinha antes, principalmente nas novas gerações que confiam cada vez menos nas marcas.

Uma pesquisa recente com jovens da geração Z na América Latina, realizada pelo do Grupo Consumoteca, mostrou que apenas 25% deles se mostra fiel a alguma marca e66% consideram comprar de uma nova marca mais por influência de outras pessoas do que no que a empresa diz no seu storytelling ou propaganda.

Em outras palavras, o cenário mostra um consumidor mais propenso a confiar na opinião de outra pessoa do que na marca, ao mesmo tempo que as empresas com toda tecnologia no ponto de venda, acabam escolhendo se afastar ainda mais do cliente em um importante momento de relacionamento presencial, aumentando o risco de tornar a experiência dele mais fria e apenas operacional. Este mesmo cliente que depois pode influenciar os outros. Sinceramente, não consigo ver isso como uma boa estratégia.

Então vamos deixar a tecnologia de lado? Claro que não e o autoatendimento não é necessariamente um problema em si, mas o desenho de uma jornada de compra na loja com mais ou menos tecnologia, deve sempre ter como objetivo a construção de uma boa experiência para o cliente.

Ou seja, a escolha do que e como implementar de tecnologia não deve ser apenas por uma questão econômica, operacional ou porque é definido como “tendência”, mas precisa ser norteada por algo que muitas empresas esquecem ou não tem ainda muita clareza, que é o seu propósito corporativo, aquele que no final é o que atrai os clientes para ela.

Quando este propósito é claro, ele deve nortear todas as escolhas da empresa, inclusive sobre como implementar uma tecnologia, de modo que ela realmente agregue valor à relação e que seja percebido pelo cliente como forma de aproximá-lo da marca e não apenas uma forma de delegar a ele um papel não solicitado de executor de algum processo operacional, como acontece no autoatendimento.

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