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Com mais PT no governo, Lula dobra aposta na reconexão com sua base

Presidente vê centro mais distante em 2026 e escala petistas para potencializar força da máquina federal rumo ao processo eleitoral

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de transmissões de cargos e posses do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e da Ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Palácio do Planalto, Brasília - DF

Foto: Ricardo Stuckert / PR (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de transmissões de cargos e posses do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e da Ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Palácio do Planalto, Brasília - DF Foto: Ricardo Stuckert / PR (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)

Fábio Zambeli
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 11 de março de 2025 às 11h56.

Passado o Carnaval, Brasília retoma sua dinâmica plena, e o governo Lula promove um movimento estratégico que lança luz sobre suas prioridades para os próximos dois anos. A troca no comando de dois ministérios centrais — Relações Institucionais e Saúde — não é um simples rearranjo de cadeiras, mas um gesto político carregado de significados.

A nomeação de Gleisi Hoffmann, então presidente do PT, para a articulação política, e de Alexandre Padilha, um dos mais experimentados quadros do partido, para a Saúde, reforça a presença petista no núcleo do poder e revela o eixo em torno do qual o governo pretende girar: a recuperação da base social lulista e a estruturação de uma agenda eleitoral competitiva para 2026.

O que se desenha, portanto, é um governo mais centrado no PT e menos inclinado à lógica da Frente Ampla, que marcou sua formação inicial, em especial no processo eleitoral de 2022. A coalizão política, antes vendida como um projeto expansionista e mais moderado, cede espaço a um modelo mais clássico do petismo, calcado na mobilização do Estado como ferramenta de impacto social e, por consequência, de recomposição de popularidade.

Se a nomeação de Gleisi Hoffmann para a articulação política já impõe um novo estilo no relacionamento com o Congresso — mais combativo e menos negociador —, a movimentação de Padilha para a Saúde traduz com exatidão o que está em jogo: transformar a pasta em um vetor de recuperação de prestígio e reaproximação com o eleitorado popular.

O Ministério da Saúde passa a ser visto não apenas como uma estrutura administrativa, mas como um instrumento de impacto político direto, funcionando simultaneamente como palanque e vitrine de ações de apelo imediato.

A promessa de redução das filas no SUS — uma questão estruturalmente mais vinculada a estados e municípios — já demonstra o caminho discursivo que o governo pretende adotar. Embora a União não tenha ingerência direta sobre a gestão hospitalar no nível local, a estratégia busca criar uma narrativa na qual o governo federal assume o protagonismo no enfrentamento de gargalos históricos do sistema de saúde. O objetivo é claro: associar a imagem de Lula à solução de problemas de ordem prática que afetam amplamente a população de baixa renda.

O pacote de medidas em construção passa ainda por extensão do Farmácia Popular, ampliação da oferta de medicamentos gratuitos, crédito consignado para beneficiários do INSS e trabalhadores do setor privado, novas rodadas de saque do FGTS e, sobretudo, a promessa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Trata-se de um redirecionamento do foco governamental, que abandona a prudência fiscal e adota uma abordagem centrada no estímulo ao consumo e na injeção direta de liquidez na economia.

O novo desenho ministerial e seus impactos

Se, por um lado, a reforma ministerial sugere uma reorganização do governo para satisfazer suas cidadelas eleitorais tradicionais, por outro, emite sinais preocupantes ao setor econômico e à ala mais centrista do governo, representada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A nova configuração ministerial enfraquece o campo político que defendia maior disciplina fiscal e reaproximação com setores produtivos e os mercados. As dificuldades que Haddad já enfrenta para conduzir uma política econômica de ajuste se intensificam diante desse novo arranjo. Os ruídos internos devem aumentar, e a política de responsabilidade fiscal já se torna um espaço de disputa interna mais renhida dentro do próprio governo.

Essa mudança de orientação se reflete na percepção de que Lula já não vê vantagem em travar batalhas infrutíferas pelo apoio do empresariado e do sistema financeiro. Para o presidente, o mercado já escolheu seu candidato para 2026: trata-se do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Nesse contexto, qualquer concessão ao establishment econômico poderia ser interpretada como um desgaste desnecessário e, pior, improdutivo do ponto de vista das urnas.

O governo aposta, portanto, no poder gravitacional do Estado. Em um país de tradição presidencialista forte, a máquina pública se converte em um trunfo político de largo alcance. O Palácio do Planalto dispõe de mecanismos para exercer influência sobre o Congresso, os estados e setores estratégicos da economia, seja por meio de liberação de recursos, investimentos direcionados ou pela capacidade de regular e tributar atividades essenciais.

A mensagem implícita é de que o governo utilizará todos os instrumentos à sua disposição para reverter sua trajetória de desgaste e chegar competitivo às eleições de 2026.

O recado de Sarney e o papel do MDB

É nesse contexto que ganha relevância uma declaração recente do ex-presidente José Sarney, um dos últimos caciques da política nacional com trânsito irrestrito entre líderes partidários, Congresso e a elite política do Norte e Nordeste. Sarney, com seu faro aguçado para os ciclos do poder, fez um diagnóstico preciso: Lula ainda é a figura mais popular do Brasil, mas precisa resgatar sua conexão emocional com o eleitorado para enfrentar os desafios da oposição no próximo ano. “Lula ainda é o homem que tem a maior popularidade, a maior confiança do povo brasileiro”, afirmou o ex-presidente em entrevista ao Jornal O Globo.

Sarney, que conhece como poucos a lógica do MDB — partido que sempre gravitou em torno do poder e foi fundamental na sustentação dos últimos governos —, sinaliza que Lula precisa cuidar da sua relação com os emedebistas. O MDB, apesar de ter ministérios, não está plenamente alinhado ao Planalto. Suas lideranças estaduais, especialmente no Norte e no Nordeste, serão cruciais na equação eleitoral de 2026.

O MDB é a peça solta no tabuleiro. Parte da sigla está na órbita de Lula, outra flerta com um projeto mais independente e há um grupo que mantém boas relações com Tarcísio de Freitas e com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Lula sabe que, para garantir um segundo turno favorável, precisa manter o MDB pelo menos neutro — se não for possível tê-lo como aliado de primeira hora.

Os próximos meses serão determinantes para testar a engenharia política lulista. O governo buscará reestruturar sua ligação com o eleitorado mais fiel, recuperar a iniciativa no debate público e evitar que a erosão de sua popularidade se torne um processo irreversível.

Para isso, conta com a força institucional da Presidência da República, a capilaridade do PT e partidos aliados nos estados do Nordeste e a potência da comunicação estatal para construir uma trajetória que o mantenha competitivo em 2026.

O desafio, no entanto, reside no equilíbrio delicado entre o pragmatismo eleitoral e as pressões fiscais. Se o governo conseguir executar essa estratégia sem comprometer a estabilidade econômica e sem aprofundar ruídos com agentes financeiros e empresariais, poderá encontrar uma trilha viável para sua permanência no poder. Caso contrário, corre o risco de ampliar sua vulnerabilidade e abrir espaço para uma oposição que, embora fragmentada, já se movimenta para ocupar esse vácuo.

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