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Uma geração forjada entre os haters

Conviver com haters e pessoas que são adeptas do bullying tem efeitos diretos no comportamento dos jovens usuários de redes sociais

TikTok: pessoas transmitem pedidos de demissão (Hollie Adams/Bloomberg)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 22 de abril de 2021 às 08h28.

Ontem, aproveitei o feriado para conversar com minha filha e me atualizar um pouco sobre o que rola das redes sociais voltadas para os jovens, como o Tik Tok . Fiquei impressionado com o grau de desentendimentos que a juventude de hoje enfrenta. Já tinha escrito sobre o ambiente propício ao bullying que esse tipo de rede cria, mas não tinha noção do alcance que vai a disposição dos haters mirins.

Há alguns meses, ela e uma amiga postaram um vídeo divertido e ganharam dezenas de milhares de seguidores. Foi a primeira experiência que minha filha teve com o assédio cibernético. Foi uma experiência traumática – o ódio envolve até pré-adolescentes –, que ela aparentemente conseguiu superar. Por isso, achei que ela não era mais alvo de nenhum tipo de ataque digital. Ledo engano. Desde aquele episódio marcante, a vida continuou – e os ataques também. A diferença é que, já faz alguns meses, os apupos são de outra ordem (geralmente, sobre os ídolos musicais dela, que hoje tem treze anos).

Admito minha surpresa: fiquei espantado com a desenvoltura com a qual ela enfrenta as críticas na rede. Responde na lata aquilo que ela não gosta, sem exageros, e não bloqueia os inconvenientes, ao contrário da maioria dos usuários.

Este, porém, não é um mundinho particular restrito aos conhecidos da minha filha. O Tik Tok foi o aplicativo mais baixado de 2020 e continua muito popular neste 2021. Cerca de dois terços de seus usuários mundiais têm menos de 30 anos. Trata-se daquele fenômeno “must have”, que acaba solapando até usuários maduros (os posts mais famosos são de coreografias rápidas, feitas ao ritmo dos sucessos do momento). Assim, se você é jovem e quer ser descolado, precisa ter uma conta. Caso contrário, não terá muito assunto com a turma.

Ao experimentar um ambiente que pode ser tóxico, crianças e adolescentes começam a conviver com as reações desenfreadas de quem não tem filtros no mundo cibernético. Neste universo, os elogios são tão veementes quando os xingamentos. Não existem limites para os extremos e isso cria um razoável descolamento da realidade.

Conviver com haters e pessoas que são adeptas do bullying tem efeitos diretos no comportamento dos jovens usuários de redes sociais. Não existe exatamente uma atitude padrão entre a gurizada, mas pode-se estabelecer que eles se dividem em três grupos principais.

O primeiro é daqueles que se sentem vitimizados pelas críticas. Cada um tem suas razões para reagir desta forma, mas geralmente são pessoas que não conseguem digerir ataques desferidos até por conhecidos. Isso pode gerar um comportamento depressivo, até porque as afrontas são muito fortes, especialmente para aqueles que ainda não têm maturidade para enfrentar esse tipo de situação.

Em seguida, há aqueles que superam os ultrajes e vão em frente. Começam a ler os comentários de seus posts, percebem que estão sendo atacados e simplesmente desistem de passar os olhos pelo desfile de provocações.

Ainda temos os usuários que partem para o confronto e resolvem brigar com cada um dos detratores. Respondem o ódio alheio com a mesma agressividade. Ou então, retrucam com ironia ou zombaria. Neste último grupo, a raiva também se torna um ingrediente importante no cotidiano digital desses jovens. É uma reação bíblica: olho por olho, dente por dente.

Qualquer que seja a reação dos jovens, uma coisa é certa: eles estão vivendo (pelo menos digitalmente) sob o escrutínio constante dos haters – ou, em alguns casos, fazem parte deste grupo raivoso. Nossas crianças estão convivendo o ódio no atacado, enquanto as gerações passadas enfrentaram isso no varejo. Uma coisa é ser assediado na escola por um grupo de bullies. A outra é receber desacatos, injúrias e humilhações a granel através da internet.

O que isso pode causar a essa geração? Um comportamento diferente daquele visto entre os pais. Muito provavelmente, esses jovens oscilarão entre o comportamento defensivo ou agressividade concentrada quando sob pressão. Tolerância, temperança e ponderação talvez sejam comportamentos escassos entre os futuros adultos.

Ou seja, se o mundo está intolerante nos dias de hoje, quando a maioria das pessoas não foi forjada nas redes sociais, imagine o que pode ocorrer no futuro, quando esses usuários do Tik Tok estarão no comando das empresas e do poder público. Felizmente, o desenvolvimento da humanidade não é linear e o futuro não é simplesmente uma projeção direta do presente. Muitos acontecimentos inesperados (a pandemia foi um deles) vão moldando as gerações e transformando aos poucos a atitude das pessoas. Mas, para o bem ou para o mal, teremos no futuro muita gente acostumada com o ato de brigar – tanto para atacar como para se defender.

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Ontem, aproveitei o feriado para conversar com minha filha e me atualizar um pouco sobre o que rola das redes sociais voltadas para os jovens, como o Tik Tok . Fiquei impressionado com o grau de desentendimentos que a juventude de hoje enfrenta. Já tinha escrito sobre o ambiente propício ao bullying que esse tipo de rede cria, mas não tinha noção do alcance que vai a disposição dos haters mirins.

Há alguns meses, ela e uma amiga postaram um vídeo divertido e ganharam dezenas de milhares de seguidores. Foi a primeira experiência que minha filha teve com o assédio cibernético. Foi uma experiência traumática – o ódio envolve até pré-adolescentes –, que ela aparentemente conseguiu superar. Por isso, achei que ela não era mais alvo de nenhum tipo de ataque digital. Ledo engano. Desde aquele episódio marcante, a vida continuou – e os ataques também. A diferença é que, já faz alguns meses, os apupos são de outra ordem (geralmente, sobre os ídolos musicais dela, que hoje tem treze anos).

Admito minha surpresa: fiquei espantado com a desenvoltura com a qual ela enfrenta as críticas na rede. Responde na lata aquilo que ela não gosta, sem exageros, e não bloqueia os inconvenientes, ao contrário da maioria dos usuários.

Este, porém, não é um mundinho particular restrito aos conhecidos da minha filha. O Tik Tok foi o aplicativo mais baixado de 2020 e continua muito popular neste 2021. Cerca de dois terços de seus usuários mundiais têm menos de 30 anos. Trata-se daquele fenômeno “must have”, que acaba solapando até usuários maduros (os posts mais famosos são de coreografias rápidas, feitas ao ritmo dos sucessos do momento). Assim, se você é jovem e quer ser descolado, precisa ter uma conta. Caso contrário, não terá muito assunto com a turma.

Ao experimentar um ambiente que pode ser tóxico, crianças e adolescentes começam a conviver com as reações desenfreadas de quem não tem filtros no mundo cibernético. Neste universo, os elogios são tão veementes quando os xingamentos. Não existem limites para os extremos e isso cria um razoável descolamento da realidade.

Conviver com haters e pessoas que são adeptas do bullying tem efeitos diretos no comportamento dos jovens usuários de redes sociais. Não existe exatamente uma atitude padrão entre a gurizada, mas pode-se estabelecer que eles se dividem em três grupos principais.

O primeiro é daqueles que se sentem vitimizados pelas críticas. Cada um tem suas razões para reagir desta forma, mas geralmente são pessoas que não conseguem digerir ataques desferidos até por conhecidos. Isso pode gerar um comportamento depressivo, até porque as afrontas são muito fortes, especialmente para aqueles que ainda não têm maturidade para enfrentar esse tipo de situação.

Em seguida, há aqueles que superam os ultrajes e vão em frente. Começam a ler os comentários de seus posts, percebem que estão sendo atacados e simplesmente desistem de passar os olhos pelo desfile de provocações.

Ainda temos os usuários que partem para o confronto e resolvem brigar com cada um dos detratores. Respondem o ódio alheio com a mesma agressividade. Ou então, retrucam com ironia ou zombaria. Neste último grupo, a raiva também se torna um ingrediente importante no cotidiano digital desses jovens. É uma reação bíblica: olho por olho, dente por dente.

Qualquer que seja a reação dos jovens, uma coisa é certa: eles estão vivendo (pelo menos digitalmente) sob o escrutínio constante dos haters – ou, em alguns casos, fazem parte deste grupo raivoso. Nossas crianças estão convivendo o ódio no atacado, enquanto as gerações passadas enfrentaram isso no varejo. Uma coisa é ser assediado na escola por um grupo de bullies. A outra é receber desacatos, injúrias e humilhações a granel através da internet.

O que isso pode causar a essa geração? Um comportamento diferente daquele visto entre os pais. Muito provavelmente, esses jovens oscilarão entre o comportamento defensivo ou agressividade concentrada quando sob pressão. Tolerância, temperança e ponderação talvez sejam comportamentos escassos entre os futuros adultos.

Ou seja, se o mundo está intolerante nos dias de hoje, quando a maioria das pessoas não foi forjada nas redes sociais, imagine o que pode ocorrer no futuro, quando esses usuários do Tik Tok estarão no comando das empresas e do poder público. Felizmente, o desenvolvimento da humanidade não é linear e o futuro não é simplesmente uma projeção direta do presente. Muitos acontecimentos inesperados (a pandemia foi um deles) vão moldando as gerações e transformando aos poucos a atitude das pessoas. Mas, para o bem ou para o mal, teremos no futuro muita gente acostumada com o ato de brigar – tanto para atacar como para se defender.

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