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O cerco à liberdade da iniciativa privada

Por enquanto, os lobistas se esgueiram nas sombras, o que só faz aumentar a desconfiança da sociedade em relação a este tipo de atividade

Não se pode fazer nada sem ouvir o empresariado (Marcos Santos/USP Imagens/Reprodução)

Publicado em 27 de junho de 2023 às 14h01.

Ontem o Plano Diretor de São Paulo foi votado e aprovaram-se algumas medidas que flexibilizam o texto de 2014 e estão mais alinhadas com as demandas dos empresários do setor imobiliário. Houve, porém, forte pressão no dia inteiro sobre os vereadores, pois representantes da esquerda queriam deixar intocadas as regras desenhadas no passado pelo atual ministro da Fazenda Fernando Haddad, quando ocupava o cargo de prefeito da capital paulista.

Durante o dia, ouviu-se nas estações de rádio entrevistas de representantes do mercado de imóveis, nas quais os âncoras tentaram cobrar das construtoras algum comprometimento com o conceito de erguer habitações populares em locais mais valorizados. A resposta era invariavelmente uma só: apesar dos incentivos existentes no Plano Diretor anterior, os preços dos terrenos nas regiões nobres da cidade inviabilizam projetos de moradia de baixo custo nesses bairros.

A gestão de Haddad acertou em vários pontos: a abertura da avenida Paulista aos domingos, a criação de ciclofaixas e a preferência dada ao transporte público nas grandes avenidas. Mas o Plano Diretor quis obrigar os empresários do ramo imobiliário a construir algo que iria contra as leis de mercado – e toda vez que as autoridades querem revogar essas leis por decreto as coisas não funcionam.

Este é um exemplo claro de que não se pode fazer nada sem ouvir o empresariado. O prefeito queria estimular a construção de prédios de baixo custo próximos das estações de metrô ou em locais nos quais há grande oferta de trabalho? Ótimo. Mas é preciso, antes, de algum diálogo para ver o que pode ser feito. Sem isso, o empresariado vai simplesmente deixar de investir naquilo que não dá lucro – ou que oferece margens muito diminutas. Pode ser algo condenável do ponto das esquerdas? Sim. Mas, certo ou errado, essa é a realidade.

Outra amostra de uma iniciativa das autoridades que naufraga quando não se ouve os representantes de um setor afetado pelas intenções governamentais é o chamado PL das Fake News, que o Planalto tentou aprovar na marra e sofreu um amargo revés.

A manchete do jornal O Estado de S. Paulo de ontem nos mostra que a ação das empresas que controlam redes sociais foi importantíssima para que o projeto 2630 fosse rejeitado, apesar de todo interesse do governo federal. Um levantamento feito pelo “Estadão” mostra que pelo menos 33 deputados mudaram de posição em relação ao texto entre 19 de abril e 2 de maio, depois de impactados pela ação de Google e Meta (controladora do Facebook).

A atuação das Big Techs contra aquilo que ganhou o apelido de “PL da Censura” chamou a atenção da Polícia Federal, que convocou Marcelo Lacerda, diretor do Google, para prestar esclarecimentos – em um caso típico de constrangimento do poder público em direção à iniciativa privada. Nada impede, porém, uma empresa de procurar parlamentares para defender suas ideias de forma republicada. E foi exatamente o que aconteceu. Depois dessa pressão, o projeto de lei foi retirado da pauta, mas pode voltar ao Plenário a qualquer momento. Só que, desta vez, a fome governista em aprovar o PL será muito maior do que a vista em maio.

Lobby

Estes dois episódios são sintomáticos e remetem a uma necessidade antiga: precisamos regulamentar o lobby no Brasil. Por enquanto, os lobistas se esgueiram nas sombras, o que só faz aumentar a desconfiança da sociedade em relação a este tipo de atividade.

Faça você um teste: apresente-se a um desconhecido como “lobista” e observe a reação da pessoa. Invariavelmente, o interlocutor vai achar que você é um picareta sem ouvir nenhuma outra palavra de sua boca. Este tipo de comportamento é compreensível pelo tráfico de influências que ocorreu em grande escala no Brasil. Porém, o lobby – desde que republicado e dentro da lei – é imprescindível para um país que deseje se desenvolver.

O lobby é a ponte entre as autoridades e sociedade. É composto de profissionais que conhecem profundamente certos setores e podem defender seus interesses junto ao Congresso e ao Planalto. Precisamos estabelecer regras claras sobre o que se pode e o que não se pode fazer e, a partir daí, conviver com os lobistas. Dessa forma, a iniciativa privada terá seus paladinos junto às autoridades e poderá debater, sem amarras, os grandes temas nacionais de olho no crescimento econômico e também na justiça social. Mas, para isso ocorrer, é preciso que todos nós pressionemos os três poderes quando enxergarmos algo que não gostamos.

Somente assim é que a democracia vai funcionar sem amarras.

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Ontem o Plano Diretor de São Paulo foi votado e aprovaram-se algumas medidas que flexibilizam o texto de 2014 e estão mais alinhadas com as demandas dos empresários do setor imobiliário. Houve, porém, forte pressão no dia inteiro sobre os vereadores, pois representantes da esquerda queriam deixar intocadas as regras desenhadas no passado pelo atual ministro da Fazenda Fernando Haddad, quando ocupava o cargo de prefeito da capital paulista.

Durante o dia, ouviu-se nas estações de rádio entrevistas de representantes do mercado de imóveis, nas quais os âncoras tentaram cobrar das construtoras algum comprometimento com o conceito de erguer habitações populares em locais mais valorizados. A resposta era invariavelmente uma só: apesar dos incentivos existentes no Plano Diretor anterior, os preços dos terrenos nas regiões nobres da cidade inviabilizam projetos de moradia de baixo custo nesses bairros.

A gestão de Haddad acertou em vários pontos: a abertura da avenida Paulista aos domingos, a criação de ciclofaixas e a preferência dada ao transporte público nas grandes avenidas. Mas o Plano Diretor quis obrigar os empresários do ramo imobiliário a construir algo que iria contra as leis de mercado – e toda vez que as autoridades querem revogar essas leis por decreto as coisas não funcionam.

Este é um exemplo claro de que não se pode fazer nada sem ouvir o empresariado. O prefeito queria estimular a construção de prédios de baixo custo próximos das estações de metrô ou em locais nos quais há grande oferta de trabalho? Ótimo. Mas é preciso, antes, de algum diálogo para ver o que pode ser feito. Sem isso, o empresariado vai simplesmente deixar de investir naquilo que não dá lucro – ou que oferece margens muito diminutas. Pode ser algo condenável do ponto das esquerdas? Sim. Mas, certo ou errado, essa é a realidade.

Outra amostra de uma iniciativa das autoridades que naufraga quando não se ouve os representantes de um setor afetado pelas intenções governamentais é o chamado PL das Fake News, que o Planalto tentou aprovar na marra e sofreu um amargo revés.

A manchete do jornal O Estado de S. Paulo de ontem nos mostra que a ação das empresas que controlam redes sociais foi importantíssima para que o projeto 2630 fosse rejeitado, apesar de todo interesse do governo federal. Um levantamento feito pelo “Estadão” mostra que pelo menos 33 deputados mudaram de posição em relação ao texto entre 19 de abril e 2 de maio, depois de impactados pela ação de Google e Meta (controladora do Facebook).

A atuação das Big Techs contra aquilo que ganhou o apelido de “PL da Censura” chamou a atenção da Polícia Federal, que convocou Marcelo Lacerda, diretor do Google, para prestar esclarecimentos – em um caso típico de constrangimento do poder público em direção à iniciativa privada. Nada impede, porém, uma empresa de procurar parlamentares para defender suas ideias de forma republicada. E foi exatamente o que aconteceu. Depois dessa pressão, o projeto de lei foi retirado da pauta, mas pode voltar ao Plenário a qualquer momento. Só que, desta vez, a fome governista em aprovar o PL será muito maior do que a vista em maio.

Lobby

Estes dois episódios são sintomáticos e remetem a uma necessidade antiga: precisamos regulamentar o lobby no Brasil. Por enquanto, os lobistas se esgueiram nas sombras, o que só faz aumentar a desconfiança da sociedade em relação a este tipo de atividade.

Faça você um teste: apresente-se a um desconhecido como “lobista” e observe a reação da pessoa. Invariavelmente, o interlocutor vai achar que você é um picareta sem ouvir nenhuma outra palavra de sua boca. Este tipo de comportamento é compreensível pelo tráfico de influências que ocorreu em grande escala no Brasil. Porém, o lobby – desde que republicado e dentro da lei – é imprescindível para um país que deseje se desenvolver.

O lobby é a ponte entre as autoridades e sociedade. É composto de profissionais que conhecem profundamente certos setores e podem defender seus interesses junto ao Congresso e ao Planalto. Precisamos estabelecer regras claras sobre o que se pode e o que não se pode fazer e, a partir daí, conviver com os lobistas. Dessa forma, a iniciativa privada terá seus paladinos junto às autoridades e poderá debater, sem amarras, os grandes temas nacionais de olho no crescimento econômico e também na justiça social. Mas, para isso ocorrer, é preciso que todos nós pressionemos os três poderes quando enxergarmos algo que não gostamos.

Somente assim é que a democracia vai funcionar sem amarras.

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