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Como aprimorar as concessões rodoviárias brasileiras? Risco político de PPP – à vista dá desconto

Parcerias Público-Privadas com aportes públicos na fase de obras podem ser uma solução para rodovias deficitárias

CCR: companhia reforça mensagem de focar em projetos de rodovias e mobilidade (Divulgação/Divulgação)
CCR: companhia reforça mensagem de focar em projetos de rodovias e mobilidade (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 23 de agosto de 2023 às, 14h11.

Este é o quinto artigo da série de seis com propostas para melhorar as concessões rodoviárias brasileiras. Nos artigos anteriores falamos de risco de demanda, prazo do contrato, critério de licitação e tarifa diferenciada para pista dupla. Hoje falamos sobre subsídios e parcerias público-privadas (PPP’s) de aporte.

As rodovias de responsabilidade da União contemplam uma malha de cerca de 75 mil km, dos quais cerca de 11 mil estão concedidos à iniciativa privada. Constantes dispêndios são necessários para que essas estradas estejam em boas condições de manutenção e operação, bem como com capacidade adequada para o transporte de passageiros e cargas, de forma a garantir a segurança do usuário e o desenvolvimento econômico.

Iniciado nos anos de 1990, a União vem adotando um programa de concessões rodoviárias que tem como objetivo transferir gradualmente a responsabilidade pela administração das principais rodovias do país para operadores privados. A concessão de rodovias traz como principal vantagem o alinhamento do interesse do agente privado responsável pelas obras, que passa a construir tendo a preocupação de otimizar os custos de operação e manutenção durante décadas de duração do contrato.

Outra vantagem é que o modelo de concessão desonera o orçamento público, já que a principal fonte de receitas para custear a administração da rodovia deixa de ser tributária, passando a ser tarifária. Com isso, o usuário substitui o contribuinte, trazendo os custos da rodovia mais para perto de quem dela usufrui, e liberando orçamento para outras funções públicas.

Desde a década de 1990, o programa federal de concessões rodoviárias tem selecionado primeiro as rodovias mais importantes do País. Naturalmente são as que têm maior tráfego e tendem a ser superavitárias. Com o avanço das concessões, cada vez mais o rol de rodovias que remanescem sendo administradas pelo DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, do Governo Federal, passa a ser de deficitárias. Se seguirmos com essa estratégia, em breve restarão apenas rodovias sem viabilidade financeira, dificultando sua concessão. Diante das severas restrições fiscais, provavelmente essas rodovias ficarão por muitas décadas com investimentos limitados, saturadas, trazendo ineficiências logísticas e comprometendo a segurança do usuário.

Para evitar tal situação, é necessário buscar uma estratégia de continuidade e expansão do programa brasileiro de concessões rodoviárias, respondendo à pergunta de como seguir investindo, uma vez que as rodovias superavitárias já estão quase todas concedidas.

Em primeiro lugar, é recomendável fazer concessões rodoviárias com subsídios cruzados intracontratuais, apelidados de “filé com osso”. Por meio deles, uma rodovia superavitária (o filé) é concedida no mesmo contrato que uma deficitária (o osso), garantindo a viabilidade financeira sob a ótica privada para ambas. O governo fez isso, por exemplo, em 2021, na concessão da Via Dutra, superavitária, no mesmo contrato da Rio-Santos, deficitária.

Naquilo que não for viável conceder mesmo com subsídios intracontratuais, recomenda-se fazer PPP's, que são um instrumento legal adequado para se viabilizar uma concessão deficitária, com transparência na alocação de subsídios orçamentários. Contudo, a alternativa das PPP’s nunca decolou no Brasil, principalmente no âmbito federal. Essa relutância dos parceiros privados e do próprio Governo deve ser melhor compreendida e contornada.

Na ótica do parceiro privado, a PPP lhe traz um crédito junto ao poder público, via de regra, por algumas décadas. Isso traz a percepção de um alto risco de inadimplência pelo setor privado. Uma vez entregues as principais obras nos primeiros anos do contrato, o custo maior do projeto, bem como o benefício político maior, ficam no passado. Em caso de inadimplência, futuros governantes não terão uma obra pública associada àquele projeto em risco de paralização. Pelo contrário, as obras já estarão entregues e seu capital político adicional será muito baixo. A população já estará usufruindo das obras feitas pela concessionária e um eventual inadimplemento do governo não surtirá efeitos evidentes aos olhos do usuário. Isso desalinha os incentivos do poder público com o adequado cumprimento contratual.

Não faltam exemplos de medidas tomadas por governantes, parlamentares, ministério público e pela própria justiça que, com maior ou menor grau de razão, colocaram em xeque um contrato em andamento. Obviamente o parceiro privado identifica isso como um risco e o precifica no momento da licitação. Quem paga essa conta é o usuário, na forma de pedágios mais altos, ou o contribuinte, na forma de subsídios mais altos.

Na ótica dos órgãos de planejamento orçamentário e financeiro do Governo, há resistências contra o modelo de PPP porque há uma elevada preocupação com a criação de passivos contingentes e, principalmente, com a assunção de obrigações futuras para as quais ainda não há um controle muito claro do equilíbrio entre a obrigação assumida e o futuro espaço orçamentário. Seria atrativo para um governante promover vultosos investimentos que terão benefícios políticos no presente, mas que ocuparão todo o espaço orçamentário existente (ou até o inexistente) dos próximos 35 anos.

Já na ótica dos ministérios setoriais de transportes e infraestrutura, uma PPP tem um conjunto de restrições muito maior que uma concessão comum, uma vez que precisam cumprir uma série de requisitos estabelecidos na legislação ou exigidos pelo mercado. Entre esses requisitos estão a necessidade de fornecer garantias seguras às contraprestações futuras, bem como demonstrar que as despesas criadas ou aumentadas não afetarão as metas de resultados fiscais previstas.

Tendo em vista tais particularidades, que contribuíram para que as PPPs não decolassem no âmbito federal desde a edição da Lei em 2004, defendemos um modelo de financiamento público das PPPs com três atributos que ajudarão a contornar esses problemas.

O primeiro é que, ao invés de termos uma contraprestação paga pela Administração Pública por até 35 anos, que tenhamos o subsídio na forma de aportes nos quatro primeiros anos do contrato. Isso pode ser feito à medida que as obras são entregues pela concessionária e verificadas pela agência reguladora. Com esse horizonte de prazo mais curto, os benefícios políticos da obra ficam diretamente associados à sua execução e ao seu pagamento. Se o governo criar empecilhos indevidos ao pagamento, a concessionária poderá simplesmente atrasar a obra. Isso cria um compromisso político e orçamentário para o Governo muito maior, o que reduz a percepção de risco do setor privado.

O segundo atributo é que esses aportes nos primeiros quatro anos sejam em valores constantes ou decrescentes, mas nunca crescentes. Um problema recorrente no orçamento público ocorre quando o ministério interessado numa obra de grande vulto, ciente de que não tal obra caberá no orçamento, dá início com uma pequena fração do recurso financeiro. Nos anos seguintes, revela que o orçamento necessário será muito maior do que aquele divulgado no primeiro ano. Em casos assim não raramente faltam recursos orçamentários. Isso dificulta a gestão do contrato e cria uma grande incerteza no contratado, que frequentemente tem que paralisar a obra e desmobilizar equipes e equipamentos, muitas vezes gerando um pedido administrativo de reequilíbrio contratual.

O orçamento do Governo de um determinado ano é definido fundamentalmente com base no orçamento do ano anterior. Naturalmente, para o primeiro ano da PPP, o ministério interessado deverá incluir a despesa em seu orçamento. Sendo os aportes dos anos seguintes em valores similares ou menores, mas não crescentes, tem-se um forte indicativo de que os orçamentos comportarão os valores previstos, mitigando o problema.

O terceiro atributo é que a soma dos aportes não cubra a totalidade ou a quase totalidade do valor previsto das obras nos anos iniciais. Uma parte significativa de sua remuneração deverá vir da cobrança de tarifas durante a fase de manutenção e operação. A PPP, tal como uma concessão comum, para funcionar bem, deve atribuir ao mesmo ator privado a responsabilidade de construção e manutenção dos ativos físicos, de forma que ele tenha interesse no fluxo de caixa da concessão ao longo de todo o contrato. Isso o incentiva a fazer um planejamento com vistas a reduzir os custos totais de longo prazo da concessão, alinhando o interesse privado ao público. Caso os aportes remunerem todo o investimento, ou quase todo, logo nos primeiros anos, a concessionária se sentiria atraída a fazer uma obra de baixa qualidade, remunerando-se satisfatoriamente e em seguida perdendo o interesse na manutenção adequada da rodovia. Para evitar tal problema, é recomendável que os aportes cubram no máximo cerca de metade do valor dos investimentos já realizados.

Com esse modelo de aportes públicos na fase de obras vai-se reduzir o risco de inadimplência do Governo, o que reduz o retorno exigido pelos licitantes e, consequentemente, a tarifa de pedágio. Vai-se reduzir, também, o custo financeiro do projeto, pois quando os subsídios são pagos na fase de obras não incide sobre eles a taxa de remuneração do capital do concessionário, geralmente mais caro que o custo de financiamento da dívida pública. Por fim, com o modelo de aportes, vai-se reduzir o financiamento a ser tomado pela concessionária, o que deve ampliar a concorrência de licitantes e bancos interessados no projeto.

Esse modelo vai ajudar a contornar os principais desafios que dificultaram o sucesso das PPP’s, reduzindo riscos e barateando as tarifas. Assim será possível promover a continuidade e a expansão do programa brasileiro de concessões rodoviárias, contando com a eficiência privada, contornando as limitações orçamentárias do DNIT e resolvendo gargalos de segurança e saturação das vias.

Edson Silveira Sobrinho é PhD em Economia pela University of Houston, EUA. Foi Secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura e um dos principais executivos do Ministério da Economia a liderar reformas regulatórias nos setores de ferrovias, rodovias, aeroportos, saneamento, energia e telecomunicações.

Bruno Sad, PMP, é engenheiro civil pela UnB. Foi Subsecretário de Regulação e Mercados de Infraestrutura do Ministério da Economia. Atualmente é Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público Privadas de Sergipe.

Fabiano Pompermayer é Doutor em Engenharia de Produção pela PUC-Rio. É pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e foi Subsecretário de Planejamento de Infraestrutura Nacional no Ministério da Economia.

Marco Boareto é engenheiro civil com especialização em engenharia geotécnica, engenharia ferroviária e gestão de políticas e ciências ambientais. Ele trabalha no serviço público federal desde 2013 e atualmente é chefe de divisão do Departamento de Infraestrutura e Melhoria do Ambiente de Negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O grupo Infra 2038 é um movimento sem fins lucrativos iniciado em 2017, formado por mais de 100 pessoas físicas com grande experiência no setor de infraestrutura. O grupo é movido pela crença que o país precisa avançar fortemente em sua infraestrutura para garantir um aumento de produtividade que, por sua vez, trará ao Brasil uma maior competitividade internacional. Saiba mais aqui