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Como aprimorar as concessões rodoviárias brasileiras? Não façamos futurologia

Ao contratar agora investimentos que só serão realizados daqui a 15 anos ou mais, concessões rodoviárias criam riscos desnecessários para todas as partes

Concessões: A prática usual das concessões rodoviárias no Brasil parece ser a de definir prazos padronizados (Divulgação/Divulgação)
Concessões: A prática usual das concessões rodoviárias no Brasil parece ser a de definir prazos padronizados (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 26 de julho de 2023 às, 06h00.

Após quase trinta anos e sete mandatos presidenciais usando o instrumento das concessões rodoviárias, há muitas lições aprendidas e uma clara necessidade de se sair da inércia de erros passados. Sem uma boa licitação, um bom contrato e uma boa agência reguladora, vamos pagar os pecados (ou os pedágios) por décadas. Com o tema de risco de demanda, inauguramos em publicação anterior uma série de seis artigos que vão propor aprimoramentos nas concessões rodoviárias brasileiras. Este segundo artigo fala da duração do contrato e de como evitar fixar agora uma obra que vai ocorrer daqui a 15 anos ou mais.

A prática usual das concessões rodoviárias no Brasil parece ser a de definir prazos padronizados. Entre 1994 e 2013, praticamente todos os contratos tiveram prazo idêntico de 25 anos. Entre 2013 e 2022, quase todos tiveram o prazo idêntico de 30 anos. Qual a razão para este padrão?

Não sejamos desajuizados. Infraestrutura se faz com planejamento. O Governo tem mesmo que planejar agora o que será da infraestrutura do Brasil daqui a 30 ou 40 anos, porque para mudar a infraestrutura de um País se leva um longo tempo mesmo. Como será nossa matriz de transportes? Vamos ampliar a participação das ferrovias? E a cabotagem e as hidrovias? Qual o perfil da carga que vai por trem, barco e caminhão? São perguntas que estão sujeitas a uma série de incertezas e mudanças no meio da rota e para respondê-las o planejamento é necessário.

Daí não se deve concluir que o Governo precisa, necessariamente, contratar agora um investimento bilionário que vai acontecer daqui a décadas. Por que então um contrato de concessão rodoviária dura em geral 30 anos?

A resposta a essa pergunta tem a ver com dois fatores. O primeiro é que o contrato de concessão normalmente envolve a construção, manutenção e operação dos ativos físicos. Isso é importante porque a mesma empresa que vai construir, vai também manter e operar ao longo de todo o contrato. Assim se dá a ela os incentivos para minimizar o custo global de longo prazo. Ao invés de se ter uma empresa contratada por dois anos para fazer apenas a obra – e fazê-la malfeita gera economias e cria mercado para uma nova contratação daqui a dois anos, na concessão a operadora vai fazer as contas para saber se investir mais no pavimento agora e menos na manutenção futura vai valer a pena. É o dinheiro dela que estará em jogo.

Um segundo fator que justifica os prazos longos são os custos de transação. Elaborar os estudos de engenharia, ambientais, econômicos, jurídicos etc., de um contrato que envolve construir, manter, operar e arrecadar é mais complexo que num contrato apenas de construção. Fica caro para o governo e para os agentes privados que vão participar daquela licitação. Busca-se, então, fazer contratos mais longos para diluir esses custos.

Contudo, não precisam necessariamente ser de três décadas. O problema é que, ao se programar um contrato para 30 anos, será necessário fazer um exercício de futurologia para se saber quais investimentos serão necessários, quanto vão custar e quanto de arrecadação tarifária vai haver. Mudanças tecnológicas com sensores e controles eletrônicos de velocidade e segurança, por exemplo, podem aumentar a velocidade média e reduzir as distâncias de segurança, fazendo com que a capacidade da via seja aumentada, sem investimentos de ampliação física. Diversos outros fatores podem ser determinantes para grandes incertezas no planejamento de longo prazo, como a dinâmica econômica regional, a capacidade e o perfil dos veículos, o perfil da carga e do passageiro, alterações na matriz de transportes do país, os custos dos insumos, as soluções de engenharia, as escolhas políticas, ambientais, fiscais etc.

Ao se estipular em contrato obrigações de grandes investimentos por longos prazos, está-se atribuindo à concessionária contratada todo esse conjunto de incertezas. Ela vai ter que estimar agora custos e receitas para algo que vai acontecer ao longo dos próximos 30 anos. Claro que ela não sabe ao certo quais serão esses valores. Naturalmente, ela vai colocar na conta do risco da concessão, e repassar isso a nós usuários na forma de uma proposta mais cara na licitação. Ou então, irá deixar para mais tarde renegociar o contrato bilateralmente no balcão com o governo, sem a pressão competitiva da licitação (tema para o próximo artigo desta série). De uma forma ou de outra, pagaremos por isso na forma de pedágios!

Na licitação das BRs 381 e 262, em Minas Gerais e Espírito Santo, por exemplo, que ocorreria em fevereiro de 2022, havia a previsão de duas grandes fases de investimentos. A primeira, com 299 km de duplicações e 31 km de faixas adicionais, ocorreria ao longo dos primeiros nove anos da concessão. A segunda, com 102 km de duplicações e 111 km de faixas adicionais, iria começar no 16º ano e terminar apenas no 21º ano. Haja futurologia!

(ANTT/Reprodução)

Por essa e diversas outras razões, a licitação acabou sendo cancelada dias antes do leilão. À época o presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) declarou que o principal motivo era que o edital “ainda não estava atrativo o bastante para os potenciais interessados”.

Recomendamos uma lógica diferente. Cada contrato deve ter o seu prazo. O governo deve definir quais são as obras imediatas necessárias para uma rodovia. Daí deve estimar as receitas tarifárias e o prazo necessário para remunerar os investimentos e custos operacionais. Se já existe hoje uma necessidade imediata, por exemplo, de duplicação de uma rodovia, recomenda-se que seja prevista para ser concluída logo nos primeiros anos do contrato. A partir daí, pode-se estimar o prazo mínimo necessário para se remunerar o investimento da duplicação. Se esse prazo for, digamos, de 18 anos, então o contrato poderá ser encerrado ao final do 18º ano.

Eventuais necessidades de obras menores podem entrar na conta desde já. Mas se as obras forem muito grandes e não imediatas, então é melhor deixá-las para uma outra licitação no futuro. Se não houver necessidade de quaisquer grandes obras imediatas, pode-se fazer uma concessão apenas de manutenção de curto prazo, a ser encerrada quando os grandes investimentos se tornarem necessários.

Deve-se, assim, evitar criar uma segunda fase de investimentos. Ao fim do prazo necessário para remunerar a primeira (e única) fase, deve-se programar o término do contrato, para que estudos futuros, mais próximos da realidade, possam estimar adequadamente quais as necessidades de investimentos, quanto vão custar e quais as tarifas e prazos necessários para remunerá-los. Do ponto de vista do Governo, isso torna o processo de planejamento mais flexível, facilitando adequações oportunas e investimentos mais bem priorizados. Do ponto de vista do setor privado, diminui os riscos do projeto, reduzindo o retorno exigido para que seja atrativo. Do ponto de vista do usuário, pagaremos pedágios menores.

Edson Silveira Sobrinho é PhD em Economia pela University of Houston, EUA. Foi Secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura e um dos principais executivos do Ministério da Economia a liderar reformas regulatórias nos setores de ferrovias, rodovias, aeroportos, saneamento, energia e telecomunicações.

Bruno Sad, PMP, é engenheiro civil pela UnB. Foi Subsecretário de Regulação e Mercados de Infraestrutura do Ministério da Economia. Atualmente é Superintendente Especial do Programa de Parcerias Público Privadas de Sergipe.

Fabiano Pompermayer é Doutor em Engenharia de Produção pela PUC-Rio. É pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e foi Subsecretário de Planejamento de Infraestrutura Nacional no Ministério da Economia.

Marco Boareto é engenheiro civil com especialização em engenharia geotécnica, engenharia ferroviária e gestão de políticas e ciências ambientais. Ele trabalha no serviço público federal desde 2013 e atualmente é chefe de divisão do Departamento de Infraestrutura e Melhoria do Ambiente de Negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O grupo Infra 2038 é um movimento sem fins lucrativos iniciado em 2017, formado por mais de 100 pessoas físicas com grande experiência no setor de infraestrutura. O grupo é movido pela crença que o país precisa avançar fortemente em sua infraestrutura para garantir um aumento de produtividade que, por sua vez, trará ao Brasil uma maior competitividade internacional. Saiba mais aqui