Cadeia da moda com a criação múltipla de valor: o que falta para o Brasil?
Este segmento ainda se utiliza de muitos recursos não-renováveis, produtos químicos e pesticidas, além do impacto de microplástico dos tecidos sintéticos
Publicado em 19 de agosto de 2021 às, 10h00.
Última atualização em 19 de agosto de 2021 às, 14h00.
Por Angélica Rotondaro e Aline Homrich
Usualmente a cadeia de suprimentos de moda é associada a um impacto socioambiental negativo. Globalmente, a indústria da moda é responsável por 10% das emissões de CO², com previsão de alcançar 25% até 2050. Este segmento ainda se utiliza de muitos recursos não-renováveis, produtos químicos e pesticidas, além do impacto de microplástico dos tecidos sintéticos.
Abaixo, compartilhamos 5 tendências de moda circular com potencial para o Brasil:
1) Consumo consciente e de produtos de “segunda mão”. Neste sentido, destacam-se dois exemplos nacionais: a plataforma online Enjoei, que teve seu IPO em novembro de 2020, e o Dress&Go, que recebeu aporte do fundo KPTL.
2) Uso de bio-based materials. Como alguns exemplos, listamos o tecido de fibra de bambu (Fusion Clothing); sandálias e jaquetas feitas de cogumelos (espécie mycelium, H&M Foundation); bolsas feitas de kombucha; tingimento de tecidos com bactérias vivas (Puma); entre outros.
3) Estímulo à moda digital sustentável. Frente às limitações impostas pela pandemia, um dos exemplos neste sentido veio da empresa Positive Fibers, uma das pioneiras na venda de produtos relacionados à cadeia da moda sustentável por intermédio digital.
4) Reintegração dos resíduos têxteis da produção e pós-descarte. Um exemplo é a I Did, que recolhe roupas de trabalho corporativas descartadas e oferece a transformação desses materiais (outrora incinerados) em fibras que constituem um material similar ao feltro.
5) A criação de bibliotecas de roupas, onde as roupas não são compradas, mas “emprestadas”. Iniciativas como essa já existem na Holanda (LENA fashion library). Nestes locais, os clientes têm acesso a um closet inteiro, mas somente para “empréstimo”.
Há empreendedores(as) em quase as todas as tendências acima, vários deles identificados no Climathon 2020. No entanto, embora se discuta há décadas sobre uma cadeia da moda sustentável para o Brasil, por que ela ainda não vingou sob a perspectiva de escala de negócio e atratividade para investidores de impacto ou de corporate venturing? Discutimos abaixo alguns pontos que podem auxiliar no desenvolvimento deste segmento.
Desde a perspectiva de pipeline de soluções e startups, no segmento da moda há uma predominancia de negócios individuais, o que dificulta o interesse de investidores de impacto, por apresentar ausência de estruturas de governança e de potencial de volume e escala. Para tanto, os negócios deverão estabelecer arranjos de governança eficazes, por meio de participação societária conjunta ou acordos contratuais que permitam compartilhar recursos e riscos.
Pelo lado dos investidores com capital semente ou startup capital, há a necessidade de grupos de HNWI (high net worth individual) com uma relação direta com o setor e empresas associadas à moda, tanto pela perspectiva de compliance ESG como pelo potencial de inovação e criação de novos mercados mais sustentáveis.
E, claro, a perspectiva do consumidor. Motivados (também) pela covid-19, que levou à revisão nos hábitos de consumo, o mercado de ethical fashion ainda é incipiente no Brasil, embora se estime que possa atingir USD 840 milhões em vendas até 2023 no mundo.
Dessa forma, o ecossistema da moda circular no Brasil está presente. Falta, no entanto, seu fortalecimento. Este passará pelos investidores de impacto e pelas grandes empresas do segmento.
Angélica Rotondaro é co-fundadora da Alimi Impact Ventures, diretora executiva do Climate-Smart Institute e membro do conselho do Insper Metricis.
Aline Homrich é pesquisadora pós-doutoranda da USP em Economia Circular e consultora associada na Alimi Impact Ventures.