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Uma novela chinesa

Não há indícios de que a guerra comercial entre China e EUA irá acabar logo e o gigante asiático mostra já sinais de cansaço

CHINA E EUA: com guerra comercial, os dados de abril e maio da indústria chinesa foram muito fracos, em sua menor expansão desde 2002 / Damir Sagolj/REUTERS (Damir Sagolj/Reuters)
CHINA E EUA: com guerra comercial, os dados de abril e maio da indústria chinesa foram muito fracos, em sua menor expansão desde 2002 / Damir Sagolj/REUTERS (Damir Sagolj/Reuters)
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Fernanda Consorte

Publicado em 4 de julho de 2019 às, 11h56.

Última atualização em 3 de setembro de 2019 às, 19h41.

“Não importa quão efêmero seja, uma novela/romance é algo, enquanto o desespero não é nada”[1], Mario Vargas Llosa. Inicio meu desabafo mensal com a tradução livre dessa frase do maravilhoso Mario V. Llosa. Podemos substituir o substantivo “novela”, por “esperança”, acho que dá no mesmo. Novelas latinas são conhecidas por sua duração estendida e seu conteúdo dramático. Contudo, a despeito das questões especificas de cada país latino-americano, acho que, atualmente, a novela de destaque trata-se da guerra entre China e seu “arquirrival” EUA.

Em agosto passado, escrevi um texto em que descrevia os efeitos diretos e indiretos nas economias emergentes (o Brasil incluso) de um cenário de desaceleração econômica na China, dada a guerra comercial que começava a ser travada com os EUA (agosto, mês do cachorro louco). O fato é que esse duelo segue a passos de uma novela latina e, findo o primeiro semestre de 2019, ainda não há nenhum sinal de resolução do empasse.

E a economia chinesa, nosso principal parceiro comercial, está mostrando sinais de cansaço. Dados de abril e, especialmente, maio foram muito fracos. A indústria registrou a menor expansão desde 2002. De acordo com economistas, isso indica crescimento do PIB abaixo de 6,0%, em uma economia que cresceu 10% a.a. nos últimos 40 anos, tirando mais de 850 milhões de pessoas da pobreza extrema. E embora o governo chinês prometa mais medidas de estímulo e não sinalize muita disposição a ceder às pressões americanas (os protagonistas da novela não querem ceder espaço ao rival em pleno horário nobre), os especialistas já dizem que há muito espaço para mais estímulos, e as tensões com os EUA devem acentuar arrefecimento já em curso.

Adicionalmente, há também um perigoso desencontro político da China com o resto do mundo. À medida que os países têm crescimento econômico, são normalmente forçados a mudar suas sociedades e, eventualmente, seus sistemas políticos, para torná-los mais abertos, visíveis e democráticos. A China, na contramão, segue num sistema socialista, em que alguns estudiosos assinalam que houve reformas que deixaram a pesada burocracia do país — antes um mamute paralitico comunista — mais ágil, transparente e acessível, ou argumentam que tal modelo político se apoia em confiança na classe governante, que é fundamental nas sociedades confucianistas (o confucionismo ou confucianismo é um sistema filosófico chinês criado por Confúcio. Entre as preocupações do confucionismo estão a moral, a política, a pedagogia e a religião. Conhecida pelos chineses como “ensinamentos dos sábios”.).

Porém, alguns dias atrás, 2 milhões de pessoas fizeram um protesto na China (algo impensável antes, e numericamente significaria 1 em cada 4 moradores de Hong Kong nas ruas) contra uma determinada lei de extradição. Vejo isso como um sinal. Isso soma-se à desaceleração econômica da China. Fora que, pensando à frente, o país encara um futuro com menor número de trabalhadores, consequência da política de filho único — exemplo clássico dos perigos de uma ditadura.

Não sou especialista em China, nem nunca tive a oportunidade de visitar o país, contudo, essas informações me sugerem que a novela chinesa não é apenas um dramalhão latino-americano e enfrenta uma pressão real. E pensando em nós, brazucas, vejo poucos, raros pontos positivos. Como disse lá atrás, o cenário de aumento de tarifas entre EUA e China não geraria tantos ganhos assim para os exportadores brasileiros, como alguns pensam.

Por exemplo, recentemente Banco Mundial fez um cálculo sobre os países que se beneficiaram com a Guerra Comercial entre Estados Unidos e China – mudança nas exportações após a imposição de taxas (+ ou –). Para o Brasil, a estimativa é de acréscimo de apenas US$ 11 bilhões. Ou seja, considerando as estimativas de mercado para exportações brasileiras neste ano (de US$ 245 bi), esse valor representaria apenas 4,5% do valor total.

À primeira vista, não me parece tanto ganho assim, considerando que esse mesmo estudo sugere queda das exportações chinesas na ordem de US$ 205 bilhões, valor equivalente ao registrado em maio/19 e quase 10% de todas as exportações no ano.

Lembrando que, enquanto no Brasil as exportações representam apenas -13% do PIB, na China representa quase 20% do PIB. Assim, não é difícil presumir que uma queda nas exportações chinesas afeta muito mais o PIB do país do que uma diminuição nas exportações brasileiras.

Então, sem fazer drama, já ouviram o barulho de um gigante caindo no chão?

 *Fernanda Consorte é economista chefe e estratégista de câmbio Banco Ourinvest