O que aprendemos (ou não) em 2020?
No meu “balanço econômico” acho que as lições de 2020 ainda estão sendo digeridas e, à primeira vista, não estão sendo absorvidas como deveriam
isabelarovaroto
Publicado em 21 de dezembro de 2020 às 11h38.
Com a festas de final de ano chegando, balanços mentais e corporativos ocorrem e a frase mais escrita, certamente, tem sido o quão desafiador e singular foi o ano de 2020 – que finalmente está acabando. No meu “balanço econômico” acho que as lições de 2020 ainda estão sendo digeridas e, à primeira vista, não estão sendo absorvidas como deveriam. Dessa forma, listo abaixo o que não aprendemos nesse ano:
Em primeiríssimo lugar, a pandemia do coronavírus deixou o mundo exposto a uma questão crucial: a necessidade de investimentos públicos maciços na área da saúde. Não à toa, foi aprovada montantes públicos no início do ano com intuito de minimizar os impactos da pandemia na economia, como “reforçar o caixa” do Ministério da Saúde. Vejam, todos os anos é comum que o orçamento de gastos com saúde cresça perto da inflação, assim como, em geral, por questões burocráticas é executado no ano corrente cerca de 90% desse orçamento. Mas, em 2020, tivemos um incremento de cerca de 30% no orçamento da saúde (com todo motivo possível), porém com execução até o momento de apenas 80%. Dada a proporção de crescimento do orçamento, estamos falando de deixar de usar cerca de R$ 30 bilhões, que boa parte eventualmente poderia ser usado no combate à pandemia. Ou seja, a falta de eficiência é ainda um mal que assola a máquina pública brasileira. Mesmo diante de uma pandemia e de um ano desafiador não fomos capazes de sanar.
Outra coisa que sentimos muito – os pais que falem mais alto – foi a falta de escola para nossas crianças e adolescentes nesse período de isolamento social. Em que pese o aprendizado de muitos países, que sugere que há mais danos em manter as escolas fechadas do que a propagação por “essa fonte” e, mesmo numa segunda onda, mantiveram suas escolas abertas, enquanto aqui no Brasil elas mal abriram. Os investimentos públicos em educação ainda seguem baixos – foram 10% menores em 2020 comparativamente a 2019, e ainda há muita escola pública fechada por não ter estrutura para combater o vírus. Em poucas palavras, acho que esse setor não teve a atenção devida, mesmo num cenário pandêmico. Ele é vital e a conta chegará em pouco tempo com a baixa qualidade de mão de obra. Ainda mais em um cenário em que o mundo volte a crescer fortemente e o Brasil seja levado na mesma toada.
Em terceiro lugar, também não aprendemos coordenação política num período que isso era, desde o início, a melhor decisão a ser tomada. Ainda existe a queda de braço entre os três poderes. Mas acho que temos aprendido que isso faz preço. Não à toa, o real foi a moeda que mais sofreu em 2020 se comparada a de outros países emergentes. O real desvalorizou, até a primeira semana de dezembro, cerca de 30%, ao passo que a média de emergentes foi de 6%. Essa diferença reflete justamente as incertezas domésticas do nosso país.
Ainda no tema político, entristece assistir à politização da vacina. Quando começou a se falar em avanços nas vacinas, o Brasil aparecia como pioneiro na facilitação de testes, de parcerias. Mas, mais uma vez na história, outros países passam a cavalgadas em nossa frente.
É claro que o início da vacinação no Reino Unido nos últimos dias é um alívio, tanto que isso foi sentido positivamente pelos mercados financeiros no Brasil e no mundo. Vimos a taxa de câmbio cair para ~US$/R$ 5,10, a Bolsa de Valores bater mais de 110 mil pontos. Mas o fato é que aqui ainda é um tema bastante em aberto. Relacionar uso/ permissão de uma vacina a um agente político mostra, justamente, que a última coisa que aprendemos foi coordenação e cooperação política. E pior é um segundo agente político, eventualmente, dificultar uso/ permissão dessa mesma vacina, evitando que o primeiro “ganhe” notoriedade. Além de infantil é quase criminoso.
A morosidade com que o tema mais crucial do momento está sendo tratado – vacina – levanta uma dúvida: será o Brasil o patinho feio mundial no combate a pandemia? Afinal, fomos um dos epicentros da doença e ela voltou a avançar no país.
Finalmente, e com daí sim com palavras otimistas e de esperança, acho que temos que dar uma salva de palmas ao maior aprendizado que o Brasil teve em 2020: nossa capacidade de adaptação a situações adversas. Tivemos um ganho enorme em digitalização nas empresas e nas vidas das pessoas, e vamos encerrar o ano em uma recessão não tão avassaladora como inicialmente imaginávamos. E, que 2021, seja ainda tempo de aprendermos com os nossos erros. Ainda há tempo. Sempre é tempo.
*Fernanda Consorte – Economista-chefe do Banco Ourinvest
@fernanda_consorte
Com a festas de final de ano chegando, balanços mentais e corporativos ocorrem e a frase mais escrita, certamente, tem sido o quão desafiador e singular foi o ano de 2020 – que finalmente está acabando. No meu “balanço econômico” acho que as lições de 2020 ainda estão sendo digeridas e, à primeira vista, não estão sendo absorvidas como deveriam. Dessa forma, listo abaixo o que não aprendemos nesse ano:
Em primeiríssimo lugar, a pandemia do coronavírus deixou o mundo exposto a uma questão crucial: a necessidade de investimentos públicos maciços na área da saúde. Não à toa, foi aprovada montantes públicos no início do ano com intuito de minimizar os impactos da pandemia na economia, como “reforçar o caixa” do Ministério da Saúde. Vejam, todos os anos é comum que o orçamento de gastos com saúde cresça perto da inflação, assim como, em geral, por questões burocráticas é executado no ano corrente cerca de 90% desse orçamento. Mas, em 2020, tivemos um incremento de cerca de 30% no orçamento da saúde (com todo motivo possível), porém com execução até o momento de apenas 80%. Dada a proporção de crescimento do orçamento, estamos falando de deixar de usar cerca de R$ 30 bilhões, que boa parte eventualmente poderia ser usado no combate à pandemia. Ou seja, a falta de eficiência é ainda um mal que assola a máquina pública brasileira. Mesmo diante de uma pandemia e de um ano desafiador não fomos capazes de sanar.
Outra coisa que sentimos muito – os pais que falem mais alto – foi a falta de escola para nossas crianças e adolescentes nesse período de isolamento social. Em que pese o aprendizado de muitos países, que sugere que há mais danos em manter as escolas fechadas do que a propagação por “essa fonte” e, mesmo numa segunda onda, mantiveram suas escolas abertas, enquanto aqui no Brasil elas mal abriram. Os investimentos públicos em educação ainda seguem baixos – foram 10% menores em 2020 comparativamente a 2019, e ainda há muita escola pública fechada por não ter estrutura para combater o vírus. Em poucas palavras, acho que esse setor não teve a atenção devida, mesmo num cenário pandêmico. Ele é vital e a conta chegará em pouco tempo com a baixa qualidade de mão de obra. Ainda mais em um cenário em que o mundo volte a crescer fortemente e o Brasil seja levado na mesma toada.
Em terceiro lugar, também não aprendemos coordenação política num período que isso era, desde o início, a melhor decisão a ser tomada. Ainda existe a queda de braço entre os três poderes. Mas acho que temos aprendido que isso faz preço. Não à toa, o real foi a moeda que mais sofreu em 2020 se comparada a de outros países emergentes. O real desvalorizou, até a primeira semana de dezembro, cerca de 30%, ao passo que a média de emergentes foi de 6%. Essa diferença reflete justamente as incertezas domésticas do nosso país.
Ainda no tema político, entristece assistir à politização da vacina. Quando começou a se falar em avanços nas vacinas, o Brasil aparecia como pioneiro na facilitação de testes, de parcerias. Mas, mais uma vez na história, outros países passam a cavalgadas em nossa frente.
É claro que o início da vacinação no Reino Unido nos últimos dias é um alívio, tanto que isso foi sentido positivamente pelos mercados financeiros no Brasil e no mundo. Vimos a taxa de câmbio cair para ~US$/R$ 5,10, a Bolsa de Valores bater mais de 110 mil pontos. Mas o fato é que aqui ainda é um tema bastante em aberto. Relacionar uso/ permissão de uma vacina a um agente político mostra, justamente, que a última coisa que aprendemos foi coordenação e cooperação política. E pior é um segundo agente político, eventualmente, dificultar uso/ permissão dessa mesma vacina, evitando que o primeiro “ganhe” notoriedade. Além de infantil é quase criminoso.
A morosidade com que o tema mais crucial do momento está sendo tratado – vacina – levanta uma dúvida: será o Brasil o patinho feio mundial no combate a pandemia? Afinal, fomos um dos epicentros da doença e ela voltou a avançar no país.
Finalmente, e com daí sim com palavras otimistas e de esperança, acho que temos que dar uma salva de palmas ao maior aprendizado que o Brasil teve em 2020: nossa capacidade de adaptação a situações adversas. Tivemos um ganho enorme em digitalização nas empresas e nas vidas das pessoas, e vamos encerrar o ano em uma recessão não tão avassaladora como inicialmente imaginávamos. E, que 2021, seja ainda tempo de aprendermos com os nossos erros. Ainda há tempo. Sempre é tempo.
*Fernanda Consorte – Economista-chefe do Banco Ourinvest
@fernanda_consorte