Colunistas

O mundo acelera e o Brasil desacelera: o avanço tecnológico da China que pode reconfigurar o século

Enquanto a China integra tecnologias numa estratégia de longo prazo, o Brasil segue preso a ciclos políticos curtos e baixo investimento em inovação

 (Divulgação/Divulgação)

(Divulgação/Divulgação)

Cris Arcangeli
Cris Arcangeli

CEO da beuty'in

Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 06h01.

A disputa tecnológica que marcará a próxima década não será travada apenas entre empresas, mas entre Estados.

E nenhum país articula um projeto tão sistêmico, integrado e agressivo quanto a China. De 2025 a 2035, o país projeta combinar fusão nuclear, computação quântica, energia renovável, veículos elétricos, robótica avançada e mobilidade hiper-rápida em um bloco coerente de política industrial, algo sem paralelo no Ocidente.

Enquanto Estados Unidos, Europa e Japão discutem incentivos e cadeias produtivas, a China testa, escala e exporta tecnologias de ponta em ciclos cada vez mais curtos.

O resultado é um cenário em que o país não busca apenas competir nos mercados globais: ele tenta redesenhar as regras tecnológicas que definirão a próxima fase da economia mundial.

A seguir, uma análise crítica do que está em jogo, e do que o Brasil arrisca ao permanecer sem estratégia.

Fusão nuclear: entre recordes experimentais e a ambição comercial

A fusão nuclear é o Santo Graal da energia. Diferente da fissão usada em reatores atuais, a fusão não gera resíduos de longa duração e tem potencial teórico para fornecer energia abundante, estável e com baixíssima emissão de carbono. A China avança rapidamente com seu tokamak EAST, responsável por recordes de aquecimento e estabilidade do plasma.

O cronograma chinês é ousado:

  • 2025–2027: consolidação de recordes experimentais, novos materiais e geometrias
  • 2028–2030: primeiro protótipo industrial com viabilidade comercial inicial
  • 2031–2033: micro-reator conectado à rede local
  • 2034–2035: operação parcial da primeira usina comercial de fusão

É um prazo apertado e tecnicamente arriscado o principal gargalo são os materiais capazes de suportar condições extremas. Mas se o país chegar perto dessa meta, terá nas mãos não apenas a solução energética mais promissora do século, mas uma plataforma geopolítica incomparável.

Computação quântica: do laboratório para o uso estratégico

A China disputa com os EUA o topo da computação quântica. Em 2025, o supercondutor Zuchongzhi 3.0 mostrou vantagens quânticas em tarefas específicas, reforçado pelo sistema fotônico Jiuzhang 3.0².

Mas a narrativa vai além de recordes:

  • simulação avançada de materiais (baterias, ligas industriais),
  • criptografia pós-quântica,
  • otimização de logística nacional,
  • previsão climática,
  • aplicações militares estratégicas.

Analistas apontam que entre 2028 e 2033 deverão surgir as primeiras aplicações comerciais em setores intensivos em dados. É menos sobre “computadores mágicos” e mais sobre vantagem estratégica de Estado.

Maglev e hipertransporte: o trem que desafia o avião

O CRRC 600, trem de levitação magnética que pode atingir 600 km/h, está em testes avançados e deve começar a operar comercialmente antes de 2030³.

A China pretende exportar o modelo para países asiáticos, árabes e africanos — reproduzindo o mesmo movimento que fez com ferrovias convencionais na década passada.

Para 2035, o país projeta protótipos de maglev em túneis de vácuo parcial, com velocidades próximas a 1.000 km/h.

É uma aposta tecnológica cara e complexa, mas coerente com a estratégia nacional: ampliar mobilidade elétrica limpa e reduzir a dependência de aviação regional.

Veículos elétricos: o soft power que o Ocidente subestimou

A grande virada já aconteceu: em 2024, a China se tornou líder absoluta na produção e exportação de veículos elétricos⁴.

Empresas como BYD e SAIC dominaram toda a cadeia de baterias a software, e transformaram o EV em um produto de massa.

Até 2030, carros chineses podem representar 25% a 35% das novas vendas globais, especialmente em países emergentes. É a prova de que política industrial consistente supera vantagem histórica.

Robótica, IA e cidades inteligentes: a automação como política pública

A China lidera a instalação de robôs industriais há mais de 10 anos.

Em 2030, projetos de portos totalmente automatizados, obras robóticas e bairros completos com infraestrutura de IA devem estar consolidados. A urbanização acelerada oferece ao país uma vantagem única: pode testar tecnologias em escala real — cidades inteiras se tornam laboratórios.

Isso não significa ausência de riscos. A governança de dados, a privacidade e o impacto sobre o trabalho são preocupações reais. Mas a diferença é que o país não paralisa a inovação enquanto busca solução. Ele avança — e corrige depois.

Energia renovável e matriz limpa: escala como diferencial

A China já é líder mundial em solar e eólica. A integração de baterias, hidrogênio verde e redes inteligentes cria uma matriz energética diversificada que pode suportar as indústrias de computação, IA e manufatura avançada.

Se a fusão nuclear entregar resultados parciais, a China se torna o país com a matriz mais robusta e estratégica do planeta.

O que impede o Brasil de entrar no jogo

O Brasil possui energia limpa, biodiversidade, mercado consumidor e talentos. Mas falha no essencial: estratégia.

O país sofre com oito gargalos centrais:

  • Falta de política industrial de longo prazo

Cada governo reinicia planos, desfaz incentivos e desmonta instituições. Sem continuidade, não há deep tech.

  • Sistema tributário hostil à inovação

Complexidade, insegurança jurídica e custo burocrático minam margens e afastam capital.

  • Mercado de venture capital insuficiente

Pouca liquidez, poucas saídas e quase nenhum fundo especializado em deep tech.

  • Baixa capacidade de escalar produção

Infraestrutura logística lenta, cara e fragmentada.

  • Déficit em formação técnica estratégica

Engenharia avançada, semicondutores, IA, fusão e materiais são áreas críticas e subfinanciadas.

  • Regulação lenta e imprevisível

Startups e indústrias emergentes esperam meses para licenças, importações e liberações.

  • Custo de capital elevado

Juros estruturais altos tornam deep tech proibitivamente cara.

  • Cultura empresarial de curto prazo

Aversão a risco e preferência por retorno rápido inviabilizam projetos de fronteira.

O resultado é previsível: o Brasil fica como importador de tecnologia, não produtor.

O risco estratégico: o mundo acelera, e o Brasil debate o básico

A China trabalha com metas até 2060. O Brasil, com metas até o próximo ciclo eleitoral. Enquanto isso, o país perde competitividade em energia, agro 4.0, biotecnologia, semicondutores e manufatura avançada.

O risco não é apenas econômico, é geopolítico.

Na próxima década, os países que controlarem:

  • energia de baixo custo,
  • infraestrutura avançada,
  • computação de alta performance,
  • cadeias de mobilidade limpa,
  • robótica industrial
  • e segurança de dados

ditarão as condições do comércio global.

O Brasil não precisa escolher entre EUA e China, precisa escolher não ficar irrelevante.

O futuro não espera, e a janela se fecha

A China está construindo o conjunto tecnológico mais ambicioso da história recente. Não se trata apenas de inovação, mas de poder. E, ao contrário do Brasil, faz isso com continuidade, foco e integração.

A pergunta central não é se essas tecnologias vão transformar a economia global.

É:
onde o Brasil estará quando isso acontecer?