Exame.com
Continua após a publicidade

As Parcerias Público-Privadas na educação merecem ser cogitadas?

Entenda quais são os prós e contras desse tipo de mecanismo

Educação: entenda quais são os prós e contras desse tipo de mecanismo (Getty/Getty Images)
Educação: entenda quais são os prós e contras desse tipo de mecanismo (Getty/Getty Images)

Houve um tempo em que a Educação pública era de excelência. Minha formação é prova disso. 

Da criação do Colégio Pedro II, fundado em 1837 no Rio de Janeiro, passando pela formação do então Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1930, o sistema público era dominante. 

Mas, a partir da década de 1960 a realidade mudou. Com o crescimento econômico e a urbanização acelerada, a demanda por uma educação de qualidade cresceu e o investimento adequado não acompanhou. Começou a faltar investimento para manutenção de infraestrutura, formação de professores, dentre outros aspectos importantes, o que levou à queda da qualidade. Em 1961, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que regulamentou o ensino privado e permitiu a expansão das escolas particulares para onde seguiram muitos estudantes de famílias mais abastadas. 

Hoje, a Educação Básica ainda está longe de atingir, com equanimidade nas cinco regiões do país, alta qualidade de docentes e bom desempenho de estudantes. Sim, há exceções, mas são poucas as escolas de excelência, conforme atestam dados mais recentes. 

Em junho, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) sobre criatividade. 

Só um em cada dez estudantes brasileiros conseguiu pensar em ideias originais e mais abstratas em tarefas que se referem à resolução de questões do dia a dia e quase metade deles não conseguiu alcançar o nível básico em criatividade. Ou seja, isso pode colocar em risco a percepção internacional de que o brasileiro é extremamente criativo. 

Os resultados do Plano Nacional de Educação (PNE), em vigor desde 2014, também são pouco animadores. Das 20 metas estabelecidas para todos os níveis – da Educação Infantil (EI) à pós-graduação – a serem alcançadas até o final de 2024, até hoje, somente quatro foram parcialmente cumpridas. 

Nossa Constituição Federal define que os municípios são responsáveis pela Educação Infantil (EI) e pelo Ensino Fundamental 1 (EF I – do 1º ao 5º ano). O Ensino Fundamental 2 (EF II – do 6º ao 9º ano) e o Ensino Médio são prioridades dos governos estaduais e do Distrito Federal. A União, por sua vez, fica com a função de coordenação financeira e técnica 

A lei determina ainda que os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) devem ser destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas desde que respeitem algumas condições, entre as quais, que comprovem finalidade não lucrativa. 

Pode parecer complicado, mas há papeis e responsabilidades, assim como recursos e estrutura de governança bem definidos, para implementação das políticas públicas de Educação, mas os resultados ficam muito aquém do esperado. 

As PPPs como uma alternativa 

Uma das propostas de solução para a mitigação dos desafios que envolvem a gestão das escolas públicas são as PPPs (Parcerias Público-Privadas), que têm gerado discussões acaloradas. Há muito desconhecimento dos projetos em andamento, bem como uma expectativa deslocada sobre o efeito que as PPPs podem ter sobre a melhoria da qualidade do ensino. 

Incorporado ao ordenamento jurídico nacional em 2004 pela lei 11.079, o modelo de PPP prevê contratos de longo prazo, pelos quais o parceiro privado assume o compromisso de disponibilizar à administração pública ou à comunidade determinada utilidade mensurável (entenda-se com cumprimento de metas), mediante a operação e manutenção de uma obra previamente projetada e financiada pelo Estado. 

Nas áreas de infraestrutura e saúde, o modelo de PPPs já está consolidado. No caso da Educação, a mecânica de funcionamento é a seguinte: a verba que seria repassada a cada escola para que a direção administre o espaço físico – calculada a partir da quantidade de alunos matriculados – é passada aos parceiros da iniciativa privada. Salários de professores, trio gestor (coordenação, vice-diretor e diretor) e demais funcionários concursados continuam a ser pagos diretamente pela administração pública. 

Ao redor do mundo, experiências com PPPs na área de Educação acontecem em vários locais e sob diferentes modelos. Países africanos como Libéria, Nigéria, Quênia e Uganda, além da Índia, contam com o Bridge International Academies, iniciado em 2008 e que utiliza tecnologia para padronizar e melhorar o ensino. 

No Paquistão, há a experiência do Punjab Education Foundation, que fornece financiamento e apoio a escolas privadas para atenderem crianças de famílias de baixa renda. Modelo este parecido com o da Suécia, onde, desde 1991, as prefeituras entregam ao estabelecimento de ensino privado um cheque, ou voucher, correspondente ao valor gasto por aluno no setor público, para que recebam alunos da rede. 

Na Nova Zelândia, existe o Kura Hourua, um tipo de escola charter (instituição privada que recebe subsídios públicos) com liberdade de inovar em métodos de ensino e gestão para atender melhor às necessidades de seus alunos. 

O Reino Unido sustenta o Academies Programme, iniciativa pela qual escolas públicas, especialmente aquelas com desempenho insatisfatório, são convertidas em academias independentes, operadas por entidades privadas ou organizações sem fins lucrativos. 

No Brasil, a primeira PPP de Educação foi firmada há mais de 10 anos entre a Prefeitura de Belo Horizonte e a Inova BH. Sob este contrato, com vigência de 20 anos, foram construídas 55 escolas públicas na cidade, tanto de Educação Infantil quanto de Educação Fundamental, hoje administradas pela Inova BH, sem interferência na parte pedagógica. Ou seja, os serviços pedagógicos continuam sob a responsabilidade da pasta municipal. 

Cabe ao parceiro privado atuar em questões como: construção e reparo civil das unidades; inventário de lençóis e toalhas de banho; limpeza e manutenção da estrutura civil e jardins, incluindo controle de pestes; fornecimento de mobiliário; e vigilância. O corpo docente continua a ser funcionário público concursado e independente. Por sinal, o tempo para construção das unidades sob gestão da Inova BH foram menores que o padrão. 

No município de São Paulo há duas PPPs em andamento que envolvem: oito Centros Educacionais Unificados (CEUs), em que o parceiro privado é responsável pela construção, serviços de limpeza, manutenção, vigilância e infraestrutura de TI; e uma licitação para conceder à iniciativa privada reformas e conservação de unidades educacionais na Diretoria Regional de Educação de São Mateus. Ambas as iniciativas mantêm serviços pedagógicos e de alimentação escolar sob gestão da secretaria de Educação. 

O governo do Rio Grande do Sul estrutura um projeto de PPP voltado para requalificação da infraestrutura escolar em 100 unidades localizadas em 15 municípios distintos, sem interferência do parceiro privado nas atividades pedagógicas. 

Já o governo do Estado de São Paulo prevê a implantação do projeto "Educação Novas Escolas” para construção, manutenção, conservação, gestão e operação dos serviços não pedagógicos de 33 escolas estaduais de tempo integral de Ensino Fundamental II e Ensino Médio, em 29 cidades. Os serviços pedagógicos seguirão sob responsabilidade da secretaria estadual de Educação. 

Além disso, há em vigor no Brasil parcerias e convênios com ONGs para a criação e gestão de vagas na Educação Infantil, regidas pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, regulamentado pela Lei Nº 13.019, de 2014. Segundo a ONG Todos Pela Educação, o modelo de convênio já atende mais de 690 mil crianças no país e responde por 17% da oferta total. 

Por sinal, o Governo Federal publicou no mês passado o edital de chamamento público para seleção de cidades e consórcios intermunicipais interessados em desenvolver projetos de PPPs na primeira etapa da educação básica. 

Muitos questionamentos foram direcionados ao projeto "Parceiro da Escola”, no Paraná, que envolve a contratação de empresas especializadas em gerenciamento de instituições de ensino para apoiar na gestão das estruturas físicas das escolas e também de alguns professores. 

Um projeto piloto rodou no ano passado, em duas escolas da região metropolitana de Curitiba e segundo o governo local, em ambas houve aumento no número de matrículas, frequência e desempenho. Além disso, a Secretaria de Educação mencionou que, em uma pesquisa com a comunidade escolar, 90% dos pais e responsáveis aprovavam o modelo.  

Aprovada em junho, a lei estadual 2206/2024 prevê a entrega da gestão administrativa e financeira de escolas existentes à iniciativa privada em um modelo que repassa também às empresas a responsabilidade pela contratação de professores temporários e por estipular as metas para o novo corpo docente, com a participação da direção da escola. O corpo docente efetivo continua sendo parte do funcionalismo público. 

Proponho-me, aqui neste espaço, a refletir sobre o impacto que as experiências já em curso no Brasil trouxeram, a partir de números, questionar se há formas de melhorar esse tipo de projeto, até que ponto podem impactar os índices de aprendizagem e se merecem ser cogitados. 

Pingos nos Is 

Primeiro, é necessário ajustar a perspectiva em relação a PPPs que têm como foco exclusivo a gestão administrativa e diferenciá-las daquelas cujo objetivo é a gestão integral da administração e da área pedagógica. 

As parcerias que envolvem a atuação da inciativa privada apenas no que convencionarei chamar de zeladoria, como a de Belo Horizonte, têm de dar conta de índices de performance como por exemplo: disponibilidade de instalações e serviços oferecidos; qualidade técnica dos serviços de manutenção e limpeza prestados; satisfação da equipe da escola em relação à rotina dos serviços; e cumprimento de prazos. 

As parcerias que envolvem a gestão integral – como a proposta no Paraná – devem incluir além dos índices de performance mencionados anteriormente, índices relacionados a aprendizagem dos alunos. Em nosso país, ainda não temos em operação uma PPP deste tipo. 

A argumentação que se usa para defender as PPPs é que elas tiram do trio gestor da escola um trabalho pesado – a gestão administrativa, que ocupa bastante do tempo – e os libera para direcionarem seus esforços para melhorar a qualidade da parte pedagógica. 

Quem está fora da dinâmica escolar, provavelmente desconhece que a direção tem de olhar sete pilares da gestão educacional: administração, comunicação e cotidiano escolar, finanças, Projeto Político Pedagógico, pessoas e tecnologia. 

Segundo a pesquisa “Gestão Escolar no Contexto Gerencialista: O papel do Diretor Escolar” da Universidade Estadual de Maringá, essa área é a mais desafiadora para os diretores, por falta de identificação e ausência de preparo para a função, já que a formação da maioria dos gestores é em Pedagogia. 

As questões administrativas são rotineiras e recorrentes e por ser uma instituição pública tem de se adequar às regras e transparência exigidas. Por exemplo, se for preciso trocar um piso, é preciso ter três orçamentos – achar três fornecedores, acompanhar a feitura dos orçamentos e, após identificado o vencedor, acompanhar o serviço que será efetuado. Ao final, é preciso prestar contas do dinheiro repassado, então, a nota fiscal deve ser inserida no sistema da administração pública. 

Imagine que para cada “coisinha” que acontece na escola, esse é o rito que a direção tem de seguir. Não existe uma equipe na escola disponível para fazer esse trâmite. 

É fato que em modelos de PPP, isso tudo sai da alçada da direção e passa para uma equipe terceirizada que fica na escola somente para zelar por sua manutenção, como por exemplo, trocar lâmpadas, arrumar o telhado, consertar um cano que está vazando. 

Em abril, estive em Belo Horizonte para conhecer duas escolas sob gestão administrativa da Inova BH – uma de EI (para crianças até 6 anos) e outra de EF (para crianças entre 6 e 14 anos). 

Para quem como eu, roda o Brasil há anos, visitando escolas da rede pública, o cenário é positivamente chocante! Estrutura, limpeza de salas, pátio e banheiros, organização de materiais pedagógicos impecáveis. 

Esta foi a mesma conclusão da Professora Doutora Flávia Monteiro, em sua pesquisa “Avaliação de Impacto da PPP Educacional Pesquisa Qualitativa - Metas 2 e 3”, realizada em oito escolas – sendo metade em instituições com PPP e a outra metade sem a parceira e sob responsabilidade do Estado – e com 30 respondentes (diretores, gestores Inova BH, professores e pais/responsáveis). 

A questão econômica é bastante relevante e simbólica também. De acordo com um estudo financiado pelo Ministério da Educação (MEC) e realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o custo por aluno, por mês, em unidades educacionais com PPP é de R$ 270,00, enquanto nos moldes convencionais da rede pública é de R$ 700,00. Isso se explica, facilmente, ao se pensar que compra de material pedagógico, de limpeza, peças de manutenção, jogo de cama e banho (usado nas unidades com berçário) são otimizadas, por serem feitas em grande quantidade, para atender muitas escolas. 

O destaque negativo foi o engessamento dos contratos, apontado pelos diretores ouvidos, e falhas no projeto arquitetônico (má localização da sala dos professores em uma unidade e existência de muitas escadas em outra), apontadas por professores. 

Ainda assim, a nota média dada pelos auditores externos entre 2017 e 2023 foi de 3,84 (de um total máximo de 4). E segundo a tese de mestrado de Bruno Rodrigues, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), publicada em 2015, em escolas com PPP, há ganho de até 25% de tempo do trio gestor para atividades pedagógicas. 

É justo perguntar o que se fez com o tempo ganho? 

Pelo que eu vi, durante minha visita a Belo Horizonte, não houve maior dedicação da equipe gestora às questões pedagógicas, como por exemplo: pensar estratégias de monitoramento e avaliação dos resultados acadêmicos e investimentos na formação continuada de professores.  

O que vi, no pouco tempo que estive sentada na sala do diretor, foi ele tendo que lidar com o problema frequente de absenteísmo de professores, que o incomodava muito.  

Esse é um aspecto que interfere diretamente nos resultados educacionais porque qual é a praxe quando um ou mais professores faltam? A escola disponibiliza alguém da equipe de apoio pedagógico para assumir a turma. Na falta deste, a função recai no coordenador, que já está ocupado dentro de suas próprias funções e não consegue assumir a posição. Como última opção escala-se a merendeira, que acompanha as crianças “soltas” no pátio; ou junta-se duas turmas e um professor que tinha um planejamento a seguir fica com o dobro de alunos em sala. 

A pesquisa do Professor Fabio Waltenberg e equipe, da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), não aferiu ganhos pedagógicos no modelo PPP, com a maioria dos coeficientes analisados com resultados não-significativos. 

Pelas questões mencionadas acima, a minha hipótese é que atrelar os resultados das PPPs, no formato que estão desenhadas, em que não é assumido a equipe pedagógica, aos índices que medem a melhoria da qualidade da educação é um grande equívoco. E podemos perder a chance de já resolver um dos problemas que pode contribuir com a diminuição da evasão escolar: a disponibilização de uma infraestrutura excelente.  

Vários foram os relatos de pais, com os quais conversei, que sentem orgulho de ter os filhos em uma escola tão bem cuidada e com todos os recursos necessários para seu conforto, ao longo do dia. É visível também a alegria das crianças e adolescentes que circulam pelos ambientes e usufruem dos recursos disponibilizados.  

Na minha visão isso não é motivo para descartar completamente o modelo de PPPs. 

Assim como não imagino um ótimo professor obtendo ótimos resultados em uma infraestrutura caindo aos pedaços, não vejo uma infraestrutura perfeita obter notas máximas em aprendizagem com uma área pedagógica fraca. 

Defendo que o investimento na formação de professores e trio gestor tem de ser prioridade. Historicamente, as redes públicas investem muito pouco em formação da equipe. Geralmente, as próprias pessoas investem na sua formação ou participam de formações viabilizadas por terceiros que estabelecem parceria com as secretarias de educação. 

Em, 2023, apesar dos esforços para recuperar a formação inicial de professores, feita através dos Programas Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e o Residência Pedagógica, cujas bolsas foram reajustadas para R$ 700, o número de beneficiados totalizou, aproximadamente, 80 mil pessoas. 

No mesmo ano, foram contabilizados 2,4 milhões de professores no país. Quer dizer, apenas 3,33% deles pode contar com os benefícios. 

O cenário fica tenebroso quando se toma contato com uma pesquisa do Semesp, divulgada em outubro de 2022, que apontava que o déficit de professores em todas as etapas da educação básica no Brasil pode atingir 235 mil no ano de 2040. 

Na minha visão, só se pode atrelar o resultado de uma PPP com ganhos de aprendizagem, se o contrato previr que haja obrigatoriedade de investimento em formação da equipe pedagógica e monitoramento dos resultados de aprendizagem. 

Até o momento, os projetos de Belo Horizonte, Paraná e São Paulo não incluem uma cláusula que venha a apoiar esse desafio. 

O máximo a que chegamos foi a proposta do Paraná, que inclui a contratação de professores temporários para resolver o problema de não haver nas escolas alguém com qualificação para assumir uma turma, caso um professor falte. 

Não vejo problema aqui, desde que esses profissionais terceirizados sejam orientados sobre o planejamento que está em andamento, o material didático utilizado e que haja um acompanhamento da intervenção feita junto aos alunos. 

Pode ser interessante rever as propostas de Parcerias Público-Privadas na Educação sob esta ótica mais complexa e abrangente. Antes disso, qualquer conduta pode ser precoce – tanto a adoção impensada quanto a rejeição generalizada. 

Coloquemos nossas melhores cabeças para se debruçarem sobre isso. 

* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação. Luciana conheceu as escolas gerenciadas pelo InovaBH a convite da instituição, sem a obrigação de conceber qualquer opinião favorável ou desfavorável sobre o modelo.