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Por que a dívida do Estado do Rio é impagável e o que ensina Krugman

O problema do Estado do Rio não reside na arrecadação. O nó górdio se concentra na receita, que só aumentará com os investimentos

Vista aérea do Rio de Janeiro (Christian Adams/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 1 de dezembro de 2021 às 12h10.

Última atualização em 1 de dezembro de 2021 às 12h17.

Por Coriolano Gatto

Nos anos 1980, vigorou um poderoso movimento conservador nos Estados Unidos, cujo núcleo era composto pelos “suppply-siders”, que combatiam as teorias de John Keynes e defendiam corte de impostos para os mais ricos. Os déficits orçamentários foram brutais no fim do segundo mandato de Ronald Reagan. Esses agentes frequentemente eram presença constante em talks shows dominicais ou programas matinais. Eram compostos por economistas renegados e jornalistas de segunda linha.  Agora, surgem os adeptos da redução draconiana de dívidas como se fosse possível decepar investimentos em meio a uma grave crise social.

Tome-se o exemplo do Estado do Rio, que atravessa uma delicada crise fiscal desde 2014. A dívida bruta de R$ 172 bilhões _ um pouco maior do que a fortuna da família Joseph Safra na Suíça _ é impagável, mesmo tendo cumprido o primeiro regime de recuperação fiscal, encerrado em 2020. Registre-se que há uma negociação em curso com o Ministério da Economia  que esbarra em profundas divergências. Desde 2018, as despesas do RJ caíram 11,2%, o funcionalismo não recebe aumento desde 2014 _ à exceção de policiais militares _ e a arrecadação é robusta. O nível da despesa é o mesmo de 2008. A venda da Cedae, a companhia de águas e esgotos, por meio de concessão, vai atrair algumas dezenas de bilhões, entre o negócio e o ingresso de novos investidores.

O acordo para a adesão do segundo regime de recuperação fiscal se encontra em fase crítica.
A visão das autoridades do RJ é a de apostar em uma negociação exequível da dívida de tal forma que o programa de investimentos de R$ 17 bilhões até 2023 (Pacto RJ no âmbito de 22 setores) gere receitas suficientes para aumentar a arrecadação e, com isso, iniciar o pagamento da dívida de forma crescente e sustentável _ R$ 1,4 bilhão no próximo ano. No plano de recuperação, o governo estadual planeja obter receitas de R$ 100 bilhões em dez anos, o que inclui um conjunto de 13 medidas, com o Pacto. O Tesouro Nacional tem uma visão diferente: não aceita que a despesa de capital fique fora do teto de gastos e é duro quanto ao reajuste do funcionalismo público, que acumula uma perda real de 35%. Não à toa os melhores quadros saem do RJ em busca de convênios no âmbito público em outros estados. Da mesma forma, o Tesouro Nacional não aceita como ativo um fundo de recebíveis, de R$ 44 bilhões, constituído pela dívida ativa – cerca de um terço do montante do débito reconhecido. Na visão do Tesouro, o RJ seria obrigado a desembolsar, em 2022, o valor de R$ 7 bilhões, partindo do pressuposto de que teríamos inflação zero neste ano _ na verdade, o IPCA deve fechar perto de 10%.

A dívida é impagável. Nós somos contrários a uma moratória, mas queremos uma negociação que deixe o estado respirar e, ao mesmo tempo, promover os investimentos necessários _ diz o contador Nelson Rocha, secretário estadual de Fazenda enquanto almoçava no Centro do Rio, no restaurante Málaga. A poucos metros dali, o retrato do outrora centro financeiro do país: mendigos na calçada na tarde quente da primavera.

Para dar pinceladas à la Salvador Dali, uma informação relevante, cara leitora e caro leitor: o maior devedor é a Petrobras, com R$ 9 bilhões, sem contar o débito que ainda está na esfera administrativa. Sim, a estatal que produziu o maior aumento real dos combustíveis da história do país deve um Maracanã em dinheiro empilhado.

Rocha, de 62 anos, está calejado com situações de crise. A pior foi nos últimos seis meses de 2002, quando a petista Benedita da Silva assume o manche, no lugar de Anthony Garotinho, que ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais. Garotinho raspou o cofre antes de deixar o Palácio Guanabara, pagando antecipadamente dívidas, o que levou a não ter o dinheiro para honrar o salário do funcionalismo. Foram meses dramáticos até a vitória de Lula.

Garotinho, Moreira Franco, Luiz Fernando Pezão e  Sergio Cabral fazem parte da lista de ex-governadores presos, sendo que Moreira foi em razão de supostos malfeitos no Governo Temer (2016-2018) (*). E o penúltimo governador, Wilson Witzel, sofreu o impeachment, tendo sido o pior desde 1975, quando houve a fusão dos estados da Guanabara com o do Rio. E como um experiente contador, sabe que o dinheiro roubado é uma dízima periódica, noves fora o dilema moral, frente à gastança de gestões desastrosas e à queda no preço da cotação do barril de petróleo, que desabou de US$ 80 para US$ 27, entre 2014 e 2105, num curto espaço de tempo.
Adepto da teoria keynesiana, Rocha fala com uma pitada de sarcasmo enquanto come um bife suculento.

“O Tesouro Nacional sofre da Síndrome de Estocolmo: apanhou tanto do FMI, nos anos 1980 e 1990, que virou o próprio FMI”. Nesta síndrome, o sequestrado se identifica com o seu raptor, em uma relação afetiva e respeitosa.

O problema do Estado do Rio não reside na arrecadação que, por qualquer base de comparação, 2019 ou o atípico 2020, apresentará aumento de dois dígitos em 2021, já descontada a inflação. O nó górdio se concentra na receita, que só aumentará com os investimentos. Em um estado conhecido pela fragilidade econômica, violência policial e aumento exponencial de grupos milicianos, que atuam no setor privado, chama atenção a reforma da Previdência e o fim do triênio para o funcionalismo.

Para aumentar a arrecadação, o RJ quer desenvolver um ambicioso plano concentrado na economia verde _ o Brasil tem entre 30% e 40% das emissões de carbono do planeta _, atraindo o mercado financeiro para a negociação desses créditos, que incluirão o hidrogênio verde. O estado atua como indutor do desenvolvimento, deixando para os entes privados o verdadeiro protagonismo. Com isso, quer abraçar a oportunidade e evitar a tragédia ocorrida no passado, quando o RJ perdeu a indústria farmacêutica para os mineiros e deixou a indústria do plástico se concentrar em SP, mesmo fornecendo a matéria prima por meio da Rio Polímeros. Apesar dos solavancos, o estado ainda é o segundo PIB do país, ficando à frente de Minas e muito distante dos paulistas.
Os empresários bilionários Beto Sicupira e Ronaldo Cezar Coelho apostam alto na cidade, ao investirem na Light, a distribuidora de energia. E as petroleiras instaladas veem um cenário otimista desde que seja equacionada a dívida _ o prazo termina em fins de dezembro.

Ninguém fala abertamente, mas circula a informação no próprio Ministério da Economia de que a avareza do Tesouro faz parte de um teatro bem encenado, dado que é impagável o débito em condições normais. Até o garçom que serve o cafezinho para o ministro carioca Paulo Guedes sabe que em janeiro de 2023 haverá uma mudança radical, independentemente do vencedor do pleito presidencial _ Lula, Bolsonaro ou Moro/Doria. Caberá ao novo presidente fazer um grande pacto federativo e pôr em prática uma reforma tributária que dê mais folga aos novos governadores e, evite, que um estado submerso em graves dificuldades, fique com apenas 25 reais dos 100 arrecadados pela União. “Nós até entendemos que para o equilíbrio fiscal e social precisamos colaborar com estados mais pobres. Mas a nossa situação é muito difícil. Não somos e jamais seremos o patinho feio do Brasil”, afirma Rocha, durante o cafezinho.

Quem ganhar a eleição no RJ sabe que estará em uma situação em que não há espaço para mágicas nem para “análise econômica de elevador”, como ensinou Paul Krugman, no seu clássico “Vendendo prosperidade - sensatez e insensatez Econômica na Era do Conformismo”.

A travessia fluminense, com o aumento exponencial da miséria, não pode se transformar no esforço de Sísifo, que, em vão, empurrava uma pedra até o lugar mais alto da montanha, de onde ela rolava, anulando o esforço do personagem da mitologia grega.

(*) O Estado de Illinois (EUA) teve quatro governadores presos. O último deles era ligado ao democrata Barack Obama. Confirma a tese de que roubo e falcatrua não têm ideologia. Nem por isso Chicago, a capital, deixou de funcionar com eficiência.

Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME

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Por Coriolano Gatto

Nos anos 1980, vigorou um poderoso movimento conservador nos Estados Unidos, cujo núcleo era composto pelos “suppply-siders”, que combatiam as teorias de John Keynes e defendiam corte de impostos para os mais ricos. Os déficits orçamentários foram brutais no fim do segundo mandato de Ronald Reagan. Esses agentes frequentemente eram presença constante em talks shows dominicais ou programas matinais. Eram compostos por economistas renegados e jornalistas de segunda linha.  Agora, surgem os adeptos da redução draconiana de dívidas como se fosse possível decepar investimentos em meio a uma grave crise social.

Tome-se o exemplo do Estado do Rio, que atravessa uma delicada crise fiscal desde 2014. A dívida bruta de R$ 172 bilhões _ um pouco maior do que a fortuna da família Joseph Safra na Suíça _ é impagável, mesmo tendo cumprido o primeiro regime de recuperação fiscal, encerrado em 2020. Registre-se que há uma negociação em curso com o Ministério da Economia  que esbarra em profundas divergências. Desde 2018, as despesas do RJ caíram 11,2%, o funcionalismo não recebe aumento desde 2014 _ à exceção de policiais militares _ e a arrecadação é robusta. O nível da despesa é o mesmo de 2008. A venda da Cedae, a companhia de águas e esgotos, por meio de concessão, vai atrair algumas dezenas de bilhões, entre o negócio e o ingresso de novos investidores.

O acordo para a adesão do segundo regime de recuperação fiscal se encontra em fase crítica.
A visão das autoridades do RJ é a de apostar em uma negociação exequível da dívida de tal forma que o programa de investimentos de R$ 17 bilhões até 2023 (Pacto RJ no âmbito de 22 setores) gere receitas suficientes para aumentar a arrecadação e, com isso, iniciar o pagamento da dívida de forma crescente e sustentável _ R$ 1,4 bilhão no próximo ano. No plano de recuperação, o governo estadual planeja obter receitas de R$ 100 bilhões em dez anos, o que inclui um conjunto de 13 medidas, com o Pacto. O Tesouro Nacional tem uma visão diferente: não aceita que a despesa de capital fique fora do teto de gastos e é duro quanto ao reajuste do funcionalismo público, que acumula uma perda real de 35%. Não à toa os melhores quadros saem do RJ em busca de convênios no âmbito público em outros estados. Da mesma forma, o Tesouro Nacional não aceita como ativo um fundo de recebíveis, de R$ 44 bilhões, constituído pela dívida ativa – cerca de um terço do montante do débito reconhecido. Na visão do Tesouro, o RJ seria obrigado a desembolsar, em 2022, o valor de R$ 7 bilhões, partindo do pressuposto de que teríamos inflação zero neste ano _ na verdade, o IPCA deve fechar perto de 10%.

A dívida é impagável. Nós somos contrários a uma moratória, mas queremos uma negociação que deixe o estado respirar e, ao mesmo tempo, promover os investimentos necessários _ diz o contador Nelson Rocha, secretário estadual de Fazenda enquanto almoçava no Centro do Rio, no restaurante Málaga. A poucos metros dali, o retrato do outrora centro financeiro do país: mendigos na calçada na tarde quente da primavera.

Para dar pinceladas à la Salvador Dali, uma informação relevante, cara leitora e caro leitor: o maior devedor é a Petrobras, com R$ 9 bilhões, sem contar o débito que ainda está na esfera administrativa. Sim, a estatal que produziu o maior aumento real dos combustíveis da história do país deve um Maracanã em dinheiro empilhado.

Rocha, de 62 anos, está calejado com situações de crise. A pior foi nos últimos seis meses de 2002, quando a petista Benedita da Silva assume o manche, no lugar de Anthony Garotinho, que ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais. Garotinho raspou o cofre antes de deixar o Palácio Guanabara, pagando antecipadamente dívidas, o que levou a não ter o dinheiro para honrar o salário do funcionalismo. Foram meses dramáticos até a vitória de Lula.

Garotinho, Moreira Franco, Luiz Fernando Pezão e  Sergio Cabral fazem parte da lista de ex-governadores presos, sendo que Moreira foi em razão de supostos malfeitos no Governo Temer (2016-2018) (*). E o penúltimo governador, Wilson Witzel, sofreu o impeachment, tendo sido o pior desde 1975, quando houve a fusão dos estados da Guanabara com o do Rio. E como um experiente contador, sabe que o dinheiro roubado é uma dízima periódica, noves fora o dilema moral, frente à gastança de gestões desastrosas e à queda no preço da cotação do barril de petróleo, que desabou de US$ 80 para US$ 27, entre 2014 e 2105, num curto espaço de tempo.
Adepto da teoria keynesiana, Rocha fala com uma pitada de sarcasmo enquanto come um bife suculento.

“O Tesouro Nacional sofre da Síndrome de Estocolmo: apanhou tanto do FMI, nos anos 1980 e 1990, que virou o próprio FMI”. Nesta síndrome, o sequestrado se identifica com o seu raptor, em uma relação afetiva e respeitosa.

O problema do Estado do Rio não reside na arrecadação que, por qualquer base de comparação, 2019 ou o atípico 2020, apresentará aumento de dois dígitos em 2021, já descontada a inflação. O nó górdio se concentra na receita, que só aumentará com os investimentos. Em um estado conhecido pela fragilidade econômica, violência policial e aumento exponencial de grupos milicianos, que atuam no setor privado, chama atenção a reforma da Previdência e o fim do triênio para o funcionalismo.

Para aumentar a arrecadação, o RJ quer desenvolver um ambicioso plano concentrado na economia verde _ o Brasil tem entre 30% e 40% das emissões de carbono do planeta _, atraindo o mercado financeiro para a negociação desses créditos, que incluirão o hidrogênio verde. O estado atua como indutor do desenvolvimento, deixando para os entes privados o verdadeiro protagonismo. Com isso, quer abraçar a oportunidade e evitar a tragédia ocorrida no passado, quando o RJ perdeu a indústria farmacêutica para os mineiros e deixou a indústria do plástico se concentrar em SP, mesmo fornecendo a matéria prima por meio da Rio Polímeros. Apesar dos solavancos, o estado ainda é o segundo PIB do país, ficando à frente de Minas e muito distante dos paulistas.
Os empresários bilionários Beto Sicupira e Ronaldo Cezar Coelho apostam alto na cidade, ao investirem na Light, a distribuidora de energia. E as petroleiras instaladas veem um cenário otimista desde que seja equacionada a dívida _ o prazo termina em fins de dezembro.

Ninguém fala abertamente, mas circula a informação no próprio Ministério da Economia de que a avareza do Tesouro faz parte de um teatro bem encenado, dado que é impagável o débito em condições normais. Até o garçom que serve o cafezinho para o ministro carioca Paulo Guedes sabe que em janeiro de 2023 haverá uma mudança radical, independentemente do vencedor do pleito presidencial _ Lula, Bolsonaro ou Moro/Doria. Caberá ao novo presidente fazer um grande pacto federativo e pôr em prática uma reforma tributária que dê mais folga aos novos governadores e, evite, que um estado submerso em graves dificuldades, fique com apenas 25 reais dos 100 arrecadados pela União. “Nós até entendemos que para o equilíbrio fiscal e social precisamos colaborar com estados mais pobres. Mas a nossa situação é muito difícil. Não somos e jamais seremos o patinho feio do Brasil”, afirma Rocha, durante o cafezinho.

Quem ganhar a eleição no RJ sabe que estará em uma situação em que não há espaço para mágicas nem para “análise econômica de elevador”, como ensinou Paul Krugman, no seu clássico “Vendendo prosperidade - sensatez e insensatez Econômica na Era do Conformismo”.

A travessia fluminense, com o aumento exponencial da miséria, não pode se transformar no esforço de Sísifo, que, em vão, empurrava uma pedra até o lugar mais alto da montanha, de onde ela rolava, anulando o esforço do personagem da mitologia grega.

(*) O Estado de Illinois (EUA) teve quatro governadores presos. O último deles era ligado ao democrata Barack Obama. Confirma a tese de que roubo e falcatrua não têm ideologia. Nem por isso Chicago, a capital, deixou de funcionar com eficiência.

Coriolano Gatto é jornalista e colunista da EXAME

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