Brasil não enxerga a ciência no longo prazo, critica pesquisadora da USP
Cientista e professora da USP, Lygia da Veiga Pereira afirma que o Brasil enfrenta um desmonte na ciência e não segue o exemplo de países desenvolvidos
Rodrigo Loureiro
Publicado em 19 de fevereiro de 2021 às 15h53.
O Brasil enfrenta um desmonte na capacidade de investir em pesquisas e estudos científicos. Esta é a conclusão da pesquisadora e professora de genética da Universidade São Paulo Lygia da Veiga Pereira. Em entrevista ao canal UM BRASIL, uma iniciativa da FecomercioSP, a qual EXAME teve acesso com exclusividade, ela afirma que a situação piorou nos últimos anos. “É uma questão de vontade política”, diz.
Lygia não está errada. O Brasil realmente um momento crítico na ciência. Para 2021, o governo federal aprovou uma previsão orçamentária de 2,7 bilhões de reais destinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O valor anual é 34% menor do que o disponibilizado em 2020 (3,6 bilhões de reais) e que já havia caído 15% ante o ano retrasado.
Há a justificativa de que o corte pode ser motivado por um enxugamento de gastos públicos por conta das medidas para estancar os prejuízos econômicos da economia brasileira em 2020. Mas isso não serve como justificativa do porquê o orçamento de 2020, de 3,6 bilhões de reais, representa pouco mais da metade das despesas discricionárias do MCTI em 2010, que somaram 6,9 bilhões de reais – já desconsiderado o orçamento destinado aos gastos com Comunicações.
“A ciência é investimento”, diz Lygia. A pesquisadora diz que os países desenvolvidos enxergam na ciência um motor para o desenvolvimento econômico e social. No Canadá, por exemplo, o orçamento previsto para 2020 é de quase 55 bilhões de reais na conversão dos 12,7 bilhões de dólares canadenses previstos no orçamento. “É um investimento de longo prazo e o Brasil não tem essa visão”, diz Lygia.
“É difícil ser competitivo (com a falta de recursos) e a pandemia nos trouxe esta lição. Todo mundo correu para os cientistas”, diz a pesquisadora. O problema é que nem mesmo a crise de saúde global causada pelo novo coronavírus alterou o panorama da ciência no Brasil.
O Instituto Butantan , por exemplo, que está atuando no desenvolvimento de uma vacina para o combate da covid-19, sofreu com o corte de benefícios fiscais do governo federal. Em janeiro, a administração do presidente Jair Bolsonaro reduziu 69,8% a cota de importação de equipamentos e insumos para pesquisas científicas. A medida atinge também a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outras instituições.
DNA do Brasil
Lygia também é a responsável por chefiar o projeto DNA do Brasil, um estudo que tem o objetivo de criar um bando de dados genético para mapear o genoma do brasileiro. A meta é obter o DNA de dezenas de milhares de pessoas no Brasil para entender as origens do brasileiro. A expectativa é de que dezenas de milhares de pessoas tenham seu DNA colhido e sequenciado na próxima década.
Além do caráter social, a pesquisa trará dados genéticos inéditos que vão servir de apoio para diferentes indústrias, como a farmacêutica, por exemplo, na criação e medicamentos mais eficazes para atuar no organismo brasileiro. O projeto conta com o apoio do Google, que vai fornecer a estrutura de nuvem para o armazenamento das informações coletadas.
“É preciso sequenciar o DNA de dezenas de milhares de brasileiros. Quando isso acontecer, teremos informações sobre o genoma e o estado médico dessas pessoas”, explica Lygia. O objetivo é entender quais são as predisposições genéticas que as pessoas têm para as doenças comuns. Isso só vai acontecer quando as informações do DNA e do estado de saúde das pessoas forem coletadas e comparadas.
“Muitas vezes uma pessoa só descobre que tinha uma predisposição para hipertensão quando tem um pico hipertensivo ou um AVC (acidente vascular cerebral). Será possível dizer, baseado no DNA daquela pessoa, as predisposições para as doenças”, afirma Lygia. Com base nestas informações, seria possível realizar um diagnóstico antecipado e permitir a mudança no estilo de vida visando a saúde daquela pessoa.
Em 2019, quando a companhia de Mountain View anunciou a parceria, a expectativa era de que cada um dos 3.000 genomas que seriam coletados pelas cientistas ocupassem mais de 500 GB de dados. Em uma conta simples, o Google precisaria fornecer ao menos 1.500.000 GB de espaço digital para o armazenamento das informações. Essa conta pode aumentar exponencialmente com o tempo.
Assista a entrevista completa abaixo: