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Os financistas do rock

O diretor de cinema Orson Wells costumava dizer que não tinha hobby porque, se arrumasse um, imediatamente arrumaria um jeito de ganhar dinheiro com ele. Mas nem todo financista pensa dessa forma, ou essa história nunca seria contada. Para azar da música. Num clipe no YouTube, uma banda “invocada” arrasa no blues. O grupo, batizado […]

BLACK ZORNITAK: letras inspiradas no mercado financeiro, como Hostile Takeover / Divulgação
DR

Da Redação

Publicado em 22 de julho de 2016 às 20h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h42.

O diretor de cinema Orson Wells costumava dizer que não tinha hobby porque, se arrumasse um, imediatamente arrumaria um jeito de ganhar dinheiro com ele. Mas nem todo financista pensa dessa forma, ou essa história nunca seria contada. Para azar da música.

Num clipe no YouTube, uma banda “invocada” arrasa no blues. O grupo, batizado com o estranho nome de Black Zornitak, toca uma composição própria, inspirada no filme Sin City, um cult dirigido por Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, baseado na série homônima de quadrinhos, do desenhista Frank Miller. Em preto e branco, como a maior parte do filme, o clipe mostra uma garota de cinta-liga e sutiã dando um show na pole dance, enquanto os músicos  com jaquetas de couro preto e óculos escuros, carregam na potência do amplificador.

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À primeira vista, parece só mais um clipe de uma banda do underground de Londres ou de Nova York, que luta para se firmar na arena musical. Mas o grupo nasceu na zona sul de São Paulo e se reúne para ensaiar uma vez por semana, num casarão do bairro de Cidade Jardim, e de vez em quando consegue um palco nos bares da vida. Como muitos roqueiros no Brasil e no mundo, eles não vivem da música e trabalham em outras atividades para pagar suas contas. No caso deles, sempre nos arredores da Faria Lima, centro financeiro de São Paulo.

Dos cinco membros da banda, quatro são executivos ou ex-executivos do mercado financeiro – além de Marcelo Giufrida, o vocalista Alexandre Zakia, o baixista Walter Mendes e o guitarrista Rogério Buldo. O único integrante que não vem da área financeira é o guitarrista Edu Letti, professor de música e orientador do grupo, chamado de “CEO da banda” por Giufrida.

Zakia, de 60 anos, é formado em economia pela USP e foi presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) e diretor de produtos de investimentos e clientes institucionais do Itaú Unibanco. Como Giufrida, hoje ele se dedica à própria empresa de administração de recursos, a Cultivest, e cresceu ouvindo o pai, Aguinaldo de Moranda Albert, um conhecido tenor, cantar obras líricas no país e no exterior.

Mendes, também de 60 anos, foi colega de Zakia na faculdade e seu sócio na Cultivest. Foi também responsável pelos fundos de renda variável do Itaú Unibanco e diretor executivo da Schroeders para o Brasil e a América Latina. Atualmente, está em seu segundo mandato como conselheiro da Petrobras, representando os acionistas minoritários, e também é diretor executivo do Acaf, a associação ligada ao comitê de fusões e aquisições do mercado de capitais. Buldo, por fim, trabalhou no extinto CCF, onde conheceu Giufrida, que foi executivo do banco antes de ir para o BNP, mas saiu do mercado e agora dirige a Tartuferia San Paolo, um espaço gastronômico na capital paulista.

Apesar de terem feito carreiras bem sucedidas no mundo das finanças, eles não têm grandes ambições de ficarem ricos com a música (por sorte). O que eles gostam mesmo é de vestir a fantasia de roqueiro e manter vivo o sonho adolescente. Além do blues, mencionado no início desta reportagem, o grupo também toca música pop e até reggae, mas seu som característico é o velho e bom rock & roll. “É o nosso outro lado”, diz Marcelo Giufrida, de 53 anos, o baterista da banda. Formado em engenharia pela Escola Politécnica da USP, Giufrida foi presidente da Ambima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). Hoje comanda a sua própria empresa na área, a Garde, responsável pela gestão de mais de 1 bilhão de reais da clientela. “Nosso trabalho é muito árido. A música estimula o nosso lado artístico, e ajuda a gente a ter mais equilíbrio no dia a dia.”

Barbarians at the gate

Criado em 2011, o grupo não tinha um repertório exatamente inovador: tocava covers de Jimmy Hendrix, Eric Clapton, Led Zeppelin e Rolling Stones e de grupos nacionais como Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e Legião Urbana. Com o tempo e o estímulo de Letti, eles decidiram investir em repertório próprio, sempre em inglês.

Em cerca de cinco anos de vida, o grupo lançou dois CDs: The other side, no final de 2013, com uma tiragem de 2.000 exemplares, e Barbarians at the gate, no ano passado, com 1.000. Ambos são encontrados na Amazon e têm músicas disponíveis no iTunes, no Spotify e no Sound Cloud, entre outros sites do ramo. A banda está longe de ser um estouro nas redes sociais. Sua página no Facebook é curtida por cerca de 500 pessoas; no Twitter, tem 66 seguidores. “Quando a gente se encontra, ninguém fala de mercado financeiro, só de música, mesmo”, afirma Mendes. Ele toca violão desde criancinha, é dono de uma coleção de 5.000 CDs e teve um programa de jazz na extinta rádio Mitsubishi, de São Paulo.

Aos poucos, o repertório foi ficando, digamos, mais autoral – e interessante. Várias letras da banda fazem referências ao mercado financeiro. O segundo CD foi batizado em referência à compra da RJR Nabisco, um dos maiores negócios da história. No primeiro CD, Lost and tired (Perdido e cansado)” escrita por Giufrida, relata seu estado de espírito depois de uma reunião entendiante com autoridades da área econômica, em Brasília. No segundo CD, há Too big to jail (muito grande para ir para a cadeia), de autoria de Zakia, cujo título vem de uma expressão usada pelos reguladores americanos durante a crise do mercado imobiliário, para enfatizar que ninguém estava livre de ser punido por má conduta; e What do you think, Joe? (qual é a sua, Joe?), escrita por Buldo, que mostra o lado melancólico do cotidiano de um operador de mercado.

O prêmio de maior mistura entre finanças e vida pessoal, e entre rock e reggae, vai para AAA Woman. Apesar de o termo ser usado no mercado financeiro para designar empresas nota 10 em termos de risco de crédito, a música é um reggae de Zakia em homenagem às garotas de Maresias, praia badalada do litoral norte de São Paulo. No primeiro CD, H ostile takeover (Tomada de controle hostil), de autoria de Mendes, fala sobre um rapaz que, ao se separar da namorada, diz que ela queria controlá-lo, mas que ele quer sua liberdade.

Tanto Zakia quanto Giufrida já haviam atuado como dublês de músicos e operadores de mercado antes da Black Zornitak, tocando covers em outras bandas. Zakia fez parte da Black Stone, formada por colegas do Itaú, que em tupi-guarani quer dizer pedra preta, o mesmo significado do nome do grupo, em inglês. Giufrida participava de uma banda criada com amigos do CCF e do BNP – Buldo, entre eles – batizada de Zornitak, que, segundo ele, era o nome de uma fábrica de armários. Por uma razão ou por outra, porém, os dois conjuntos acabaram se desintegrando depois de algum tempo. Em 2010, após sofrer um enfarte, Zakia decidiu sair do banco e criou a Cultivest. Logo depois Mendes juntou-se a ele.

Um dia, caminhando pelo bairro, Zakia encontrou Giufrida e lhe perguntou se ele não conhecia um bom estúdio para ele poder ensaiar. Para sua surpresa, o amigo lhe respondeu que tinha acabado de criar um no subsolo de sua casa. Foi o impulso que faltava para o grupo se formar, cujo nome, Black Zornitak, resultou do nome das duas bandas de que eles haviam participado antes. Para uma banda como essa, nada mais apropriado do que começar com uma fusão. Agora, a banda prepara o seu terceiro CD, que já tem seis músicas prontas, segundo Giufrida, enquanto aguarda o próximo show, marcado para o final do ano em evento da Amec, a associação dos investidores no mercado de capitais. Para eles, será como Woodstock.

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