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Fabricação manual de chuteiras resiste no México

Foram necessários 22 anos para que José Luis Rivera aprendesse a fazer um bom par de chuteiras artesanais

Chuteiras feitas à mão por José Luis Rivera  na Cidade do México (Brett Gundlock/The New York Times)

Chuteiras feitas à mão por José Luis Rivera na Cidade do México (Brett Gundlock/The New York Times)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 24 de maio de 2019 às 09h00.

Última atualização em 24 de maio de 2019 às 09h00.

Foram necessários 22 anos para que José Luis Rivera aprendesse a fazer um bom par de chuteiras artesanais. Ele aprendeu com seu sogro, que já fez um par para Pelé.

A família de sua esposa faz chuteiras personalizadas na Cidade do México há gerações. Rivera começou como aprendiz de seu sogro, David Rivas, que por mais de quatro décadas se dedicou a fazer os calçados que ficaram famosos na década de 1970 nos campos de futebol amador e profissional do México. Elas eram chamadas de Colmenero.

Quando Rivera se casou com a filha de Rivas, tinha 20 anos e a Copa do Mundo de 1986 no México se aproximava. Sem perspectivas de emprego, começou a ajudar na oficina da família Rivas. Suas primeiras tarefas eram simples, como cortar o couro, mas, pouco a pouco, começou a aprender quais texturas tinham o melhor ajuste para cada parte do sapato e a usar a máquina de costura. A última habilidade que aperfeiçoou foi a colocação da sola e das travas. Uma vez que dominou essa parte, foi finalmente capaz de, sozinho, produzir um par do começo ao fim.

"Era um trabalho que exigia precisão e, acima de tudo, paciência para aprender", disse Rivera.

Agora com 52 anos, Rivera ainda trabalha nesse ofício em uma pequena oficina na periferia da Cidade do México, orgulhosamente preservando uma habilidade que vai desaparecendo. A produção em massa afetou grande parte de seu negócio, mas, depois de quatro décadas, ele se recusa a deixar seu ofício artesanal morrer. Rivera admite ser uma luta difícil de ganhar, especialmente em face da concorrência feroz de empresas internacionais como Nike, Puma e Adidas, que inundaram o mercado mexicano de chuteiras após a assinatura do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio em 1994.

José Luis Rivera em seu ateliê na Cidade do México

José Luis Rivera em seu ateliê na Cidade do México (Brett Gundlock)

Rivera é o último herdeiro vivo de uma tradição que começou em 1960, quando um jogador profissional de Guadalajara, Eduardo Colmenero, se cansou de usar chuteiras que machucavam seus pés. A solução? Fazer seu próprio par.

"Ele desmontou alguns sapatos que tinha e substituiu o plástico pelo couro", disse a filha de Colmenero, Ana Gabriela. Seus primeiros pares eram apenas para uso próprio, mas, logo depois de se aposentar do jogo em 1966, começou a se dedicar ao negócio de calçados em tempo integral.

"Ele as fazia para os jogadores que tinham alguma irregularidade nos pés, como, por exemplo, um pé mais largo que o outro, ou um mais curto que o outro. E foi capaz de personalizar tudo para que calçassem bem", disse Ana Gabriela.

Conforme crescia a demanda por suas chuteiras, Colmenero precisava de alguém que pudesse ajudá-lo na produção. Procurou um aprendiz pelas ruas do bairro Tepito, na Cidade do México, aonde todos os sapateiros da cidade iam para comprar suprimentos e usar máquinas de costura comunais.

Lá, encontrou Rivas, que havia sido demitido recentemente de uma fábrica de calçados. Rivas e Colmenero perceberam que tinham afinidade com as mesmas máquinas de costura e uma visão semelhante para o negócio. Eles começaram uma parceria que durou 45 anos, até a morte de Colmenero em 2010.

Sua oficina cresceu, contratando cinco pessoas, e durante os anos 1970 e 80 produzia 600 pares por mês, às vezes sendo necessário trabalhar durante a noite para completar encomendas. A fama de sua marca cresceu entre os jogadores.

Durante a Copa do Mundo de 1970, Rivas e Colmenero fizeram sapatos para Pelé, do Brasil, e Bobby Charlton, da Inglaterra. Mais tarde, produziram um par para o astro mexicano Hugo Sánchez, contou a filha de Colmenero.

"Naquela época, era difícil encontrar boas chuteiras", disse Felix Fernández, antigo goleiro do Atlante e da seleção mexicana, que agora é comentarista da Univision.

Bairro de Valle de Chalco, Cidade do México, onde fica a oficina de José Luis Rivera

Bairro de Valle de Chalco, Cidade do México, onde fica a oficina de José Luis Rivera (Brett Gundlock)

Antes de Colmenero, disse ele, "mesmo para um jogador profissional, a única opção era comprar chuteiras importadas no mercado negro em Tepito". Naquela época, o México não tinha acesso ao mercado global como hoje, e os produtos importados que conseguiam chegar ao país eram absurdamente caros.

"Eram tempos diferentes. Hoje, todas as marcas estão disponíveis", disse Fernández.

Depois que o Nafta derrubou barreiras comerciais na década de 1990, as chuteiras baratas do exterior chegaram ao México aos montes. "A demanda pelas nossas caiu", contou Rivera. Com marcas bem conhecidas em todos os shoppings mexicanos, os jovens jogadores já não queriam usar chuteiras sem logotipo, feitas pelos velhos de Tepito.

No início dos anos 2000, a produção de Rivas e Colmenero caíra pela metade – para cerca de 300 pares por mês. Em 2008, quando Rivera, o aprendiz, tinha finalmente aprendido a montar magistralmente o par perfeito, o negócio estava indo bem mal.

"Recebíamos encomendas de cinco a dez pares por semana, ou às vezes nenhuma", disse ele.

Em 2012, após a morte de Colmenero, Rivas entregou o que restava do negócio para seu genro. O ofício está morto, Rivas disse a Rivera. Leve todas as máquinas para sua casa, elas são suas. "Se alguém encomendar algo, você consegue dar conta", disse Rivera.

Dois anos depois, Rivas também morreu.

"Eu diria que ele morreu quando parou de fazer chuteiras", disse Rivera.

No funeral de Rivas, os herdeiros de Colmenero perguntaram a Rivera se ele continuaria o negócio em nome de seu pai, e ele concordou.

Rivas continua a fazer cerca de cinco a 10 pares de chuteiras por mês para alguns compradores leais; elas custam 1.200 pesos (cerca de US$ 62) o par. A oficina fica agora ao lado de sua casa no bairro operário de Valle de Chalco, na beira de uma rua de terra sem nome. Na sala escassamente mobiliada, há uma mesa de madeira, uma máquina de costura e rolos de couro. Ele leva cerca de três horas para fazer um par de chuteiras agora, montando cuidadosamente cada uma sobre um molde de madeira, com ferramentas que moldam o couro. Cada par é feito por encomenda, salienta ele, assegurando que não existem dois semelhantes.

"Elas são como luvas para os pés. Únicas. E nós as fazemos com muito amor."

Chuteira feita à mão por José Luis Rivera

Chuteira feita à mão por José Luis Rivera (Brett Gundlock)

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