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Ex-craque francês de futebol vive decadência na série "Recursos Desumanos"

Com apenas 6 episódios, a série da Netlix é um grito de guerra contra o capitalismo selvagem e tem como ator principal o mitológico Eric Cantona.

Eric Cantona: ex-jogador ficou conhecido pelo seu pavio curto (James Boyes/Wikimedia Commons)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 24 de junho de 2020 às 15h33.

Recursos Desumanos foi um infeliz trocadilho escolhido pela Netflix para substituir em português o título original da série francesa Derrapagens, que combina muito mais com a obra. Com apenas seis episódios, a produção é um grito de guerra contra o capitalismo selvagem e tem como ator principal uma figura que é a encarnação da rebeldia contra o sistema: o mitológico Eric Cantona.

Para quem não se lembra, no dia 25 de janeiro de 1995, ele protagonizou, como jogador de futebol , um incidente que ficou marcado na história da Premier League inglesa. Expulso no empate por 1 a 1 entre Crystal Palace e Manchester United, o atacante francês Eric Cantona, considerado um dos melhores jogadores da história do Manchester, reagiu à provocação de um torcedor xenófobo e correu até as arquibancadas, onde deu uma voadora no sujeito (um jovem hooligan fascista).

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Se não fosse pelo pavio curto e o gosto por brigas, Cantona poderia ser considerado um Dr. Sócrates britânico. Era um pensador de esquerda inquieto e um monstro em campo, idolatrado pela torcida e leal ao seu time. O craque, porém, se aposentou cedo e, para espanto de seus fãs, tornou-se um ator de primeira linha. Em Recursos Desumanos, Cantona está no centro de uma história baseada em fatos reais que parece um filme de Ken Loach o diretor que, em 2009, produziu o longa À Procura de Eric (no qual o ex-jogador interpreta a si mesmo).

A narrativa começa na prisão, com o personagem principal relembrando os fatos que o levaram até lá. Alain é um homem de 55 anos que está desempregado há seis e vê as contas se acumularem. Ele foi demitido após 25 anos como chefe de RH de uma empresa. Com o seguro-desemprego chegando ao fim, Alain passou a fazer bicos e ser humilhado em serviços braçais. A pobreza bate à sua porta.

Amargurado, deprimido, rancoroso e revoltado, o protagonista vê a decadência social como irreversível para pessoas da sua idade. Não há espaço para velhos no mercado de trabalho. Os primeiros três episódios mergulham fundo na construção do personagem e seu entorno: a esposa (30 anos de matrimônio), os filhos, os colegas de trabalho. A salvação surge na forma de um inusitado convite para disputar uma vaga de alto escalão em uma multinacional francesa em crise.

A missão do escolhido como gerente será justamente demitir mais mil pessoas de uma unidade da empresa que passa por um acelerado processo de automatização. O local é um barril de pólvora. Os operários estão mobilizados e fechados com o sindicato da categoria e a comunidade local está em pé de guerra com a empresa. O cenário é descrito como "brutal e extremo".

A série retrata o mundo corporativo como um ambiente cínico, desumano, frio e sádico. Os discursos motivacionais escondem as verdadeiras intenções de exploração total em busca do lucro. As verdadeiras intenções estão nas entrelinhas de um discurso liberal embalado a vácuo. Do terceiro episódio em diante, a série ganha outra dinâmica, com mais ação e violência. E um certo gosto de vingança da classe operária.

O gancho é o método sui generis escolhido pelo CEO da multinacional para testar os candidatos e escolher aquele que melhor se comportar em uma ambiente de extrema pressão: a simulação de um sequestro e a consequente negociação com os reféns.

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