A loucura de mascotes no Japão pode estar chegando ao fim
A ausência de muitas evidências de que personagens estão gerando benefícios econômicos para as cidades coloca mascotes em risco
Guilherme Dearo
Publicado em 14 de março de 2020 às 07h00.
Última atualização em 14 de março de 2020 às 07h00.
Nagano, Japão — O prefeito de Misato, uma vila remota de 4.700 pessoas no oeste do Japão , deu um ultimato no início do ano passado: a mascote local, Misabo, deve provar seu valor, senão...
Misabo, um javali soturno com uma montanha na cabeça e usando um macacão até o focinho, tem o trabalho assustador de promover a vila como destino turístico. Ele chegou ao mundo em 2013, quando uma mania de mascotes varreu o Japão e centenas de cidadezinhas do país, desoladas e cada vez menores, adotaram personagens coloridos, e muitas vezes malucos, para atrair visitantes e investimentos.
Agora, à medida que suas bases fiscais vão diminuindo junto com a população, comunidades como Misato estão cada vez mais questionando se o capricho vale o custo nos gastos públicos. Na ausência de muitas evidências de que os personagens estão gerando benefícios econômicos, a resposta para muitas cidades nas garras da crise demográfica do Japão tem sido eliminá-los.
"Foi um boom sem qualquer realidade", disse Akihiko Inuyama, escritor e designer que escreveu um livro sobre a indústria de mascotes.
É impossível saber exatamente quantas mascotes, que unem sua cidade natal a personagens ilustrados e humanos fantasiados, foram liquidadas. Para a maioria, o fim vem com a canetada de um burocrata, não com um anúncio formal. Mas os números da indústria sugerem o custo.
A Sun.Mold, fabricante de fantasias de mascotes, disse que as encomendas caíram quase pela metade em relação ao pico há cinco ou seis anos, quando a empresa produzia de 20 a 40 roupas por mês para os personagens, conhecidos como yuru-chara.
Evidências mais dramáticas vieram em novembro passado no Grande Prêmio de Yuru-chara, uma reunião anual para coroar o rei da fofura no Japão.
Para alguns poucos, o Grande Prêmio tem sido um trampolim para riquezas. Kumamoto, município pouco povoado na ilha de Kyushu, no sul, obteve um lucro de 1,2 bilhão de dólares nos dois anos após sua mascote, Kumamon, ganhar o primeiro Grande Prêmio, em 2011, de acordo com um estudo do Banco do Japão.
"Foi graças a Kumamon que os yuru-chara se tornaram um fenômeno nacional", afirmou Shuichiro Nishi, a força criativa por trás da competição.
Quando o urso negro gordinho com bochechas vermelhas e rosadas ganhou o evento, o país ainda estava se recuperando do catastrófico tsunami e do desastre nuclear que havia atingido o norte do Japão meses antes. As pessoas estavam "clamando" por um senso de conexão nacional, disse Nishi.
Kumamon vendeu uma imensidão de produtos e impulsionou o turismo. As mascotes de sucesso também podem elevar a receita fiscal graças a um programa, introduzido em 2008, que permite aos cidadãos direcionar uma parte de seus impostos de renda para a localidade de sua escolha.
Inspirados no sucesso de Kumamon, os governos locais fizeram de tudo para lucrar. À medida que os personagens iam se tornando algo comuns pelo país, contou Inuyama, a mídia "fazia as pessoas acharem que os yuru-chara estavam trazendo dinheiro", e os governos locais "embarcaram na ideia".
Cada vez mais, porém, parece que a história está chegando ao fim. O número de personagens no Grande Prêmio de novembro, realizado em Nagano, caiu um terço em relação ao pico de cerca de 1.700 em 2015. Muitos dos participantes nem se preocuparam em aparecer. E as autoridades, antecipando o triste desfecho, anunciaram que o concurso de 2020 seria o último.
Os responsáveis por Misabo, no entanto, não querem desistir.
O prefeito lhes deu um ano para mostrarem que o personagem valia as dezenas de milhares de dólares que os contribuintes haviam gastado com ele.
Com o prazo se aproximando rapidamente, a equipe esperava uma vitória no Grande Prêmio.
"Precisamos chegar entre os dez primeiros. Não sabemos o que vai acontecer, mas acho importante que fiquemos focados", disse Ayami Nakada, funcionária da prefeitura que havia voado para Nagano com dois colegas de trabalho.
É uma tentativa arriscada. Misabo, que mais parece um cara que acabou de derramar sua cerveja na Oktoberfest do que um amigo fofinho, terminou em 339olugar no Grande Prêmio de 2018 — um resultado que pode ou não ter sido afetado por um escândalo de manipulação de votos naquele ano.
Desde então, autoridades de Misato trabalharam duro para que sua mascote se classificasse entre as 20 primeiras. Mas, como a votação estava chegando ao fim, ela ainda estava dezenas de milhares de votos atrás das principais concorrentes.
Os personagens têm suas raízes na década de 1980, quando mascotes de governos locais começaram a aparecer. Elas caíam bem em um país onde personagens fofos como Hello Kitty são usados para vender de tudo, desde micro-ondas até óleo de motor.
À medida que as mascotes inundavam o mercado, o desenvolvimento de personagens começou a parecer coisa de cientista louco: use um animal local como base. Combine-o com um famoso prato ou destaque arquitetônico da região. Dê-lhe um nome que contenha um trocadilho. Lucro!
Os resultados eram muitas vezes carinhosamente surreais. Narita, lar do maior aeroporto internacional de Tóquio, bolou uma enguia de pelúcia com motores a jato.
Mas a novidade rapidamente passou. Imitadores estavam por toda parte: os espíritos da água em forma de sapos chamados Kappa proliferaram, e depois que Sanomaru — um cão com uma tigela de miojo na cabeça — ganhou o Grande Prêmio de 2013, outros animais ostentando o macarrão japonês apareceram.
Misabo fez sua estreia no mesmo ano. Um funcionário do governo local criou o personagem. A primeira fantasia custou cerca de 7.200 dólares, e a vila logo encomendou uma segunda.
Com pouco para diferenciá-la das muitas outras localidades que também passavam por tempos difíceis, Misato se apoiou fortemente em Misabo.
Sua personalidade mal-humorada combinou bem com a marca de sua cidade. Shimane, que é uma das áreas mais pobres e menos populosas do Japão, transformou sua obscuridade em um atrativo. Em 2011, um calendário criado pelo governo local e repleto de piadas autodepreciativas sobre os moradores se tornou um sucesso-surpresa no Japão.
Misato fez produtos de Misabo. Começou um canal no YouTube, além de uma dança, o Samba Misabo. Um site de turismo foi lançado, com destaque para o personagem. Houve até uma série de stickers que os fãs podiam comprar e enviar uns para os outros no aplicativo de bate-papo Line.
Ainda assim, nada parecia pegar. As autoridades começaram a se perguntar se era hora de mandar Misabo pastar.
Na esperança de aumentar a publicidade, no início do ano passado, o prefeito de Misato convocou uma coletiva de imprensa e ameaçou demitir o personagem. Em certo momento, funcionários do governo tentaram conter Misabo, que tentava dar um soco em seu chefe. A história foi transmitida pela emissora nacional, NHK, e foi bem nas redes sociais, trazendo fama para a mascote.
Mas a fama de Misabo foi breve. No último dia do Grande Prêmio, com seu emprego em jogo, suas chances pareciam tão sombrias quanto seu semblante.
Sua equipe apostou tudo na corda. "Esperamos que, se vencer o concurso de pular corda, teremos um impulso", afirmou Nakada, a funcionária da cidade, enquanto seu colega se aquecia nas proximidades, preparando-se para vestir a fantasia desajeitada e dar tudo de si pulando corda.
Após uma tentativa inicial fracassada, ele conseguiu pular 47 vezes, o que o colocou em primeiro lugar.
No fim, porém, isso não foi suficiente para superar as vantagens consideráveis das outras mascotes. Quando os votos foram contados, ele ficou em 24º lugar.
Mas não temam por Misabo, pelo menos por enquanto. Os resultados parecem ter deixado o prefeito satisfeito. Ele concordou em manter Misabo por mais um ano.