Sim, senhor! (Ilustrações: Kleber Sales)
Da Redação
Publicado em 19 de novembro de 2013 às 18h35.
É sexta-feira e já passou das 19 horas. Seu chefe pede para representá-lo na reunião que fora marcada de última hora. Mesmo que você esteja louco para ir embora e não se sinta preparado para isso (e não saiba direito do que se trata), qual a chance de você dizer: “Ok, pode deixar que eu vou”? Praticamente 100%. Dizer “sim”, mesmo quando sua língua quer dizer “não”, faz parte do comportamento humano. Estudos científicos comprovam que as pessoas usam a afirmação como um mecanismo para ser aceitas e aprovadas na sociedade. “O ‘sim’ é politicamente correto; o “não” exige uma atitude mais séria”, diz o neurocientista e neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto, autor do livro Você Sabe Como Seu Cérebro Cria Pensamentos? (Ed. Segmento Farma). O problema é que esse excesso de solicitude vai gerar, inevitavelmente, complicações para o profissional no longo prazo.
A primeira delas é a perda de tempo. Para se sentir bem com os outros, o funcionário aceita reuniões, conversas e projetos sem critérios. “Ao fim do dia, participamos de tudo e com isso trabalhamos muitas horas a mais do que deveríamos, o que gera tempo perdido, dinheiro perdido e gente cansada”, diz Francisco Cherny, presidente da Axialent, consultoria especializada em cultura organizacional, para quem a dificuldade de dizer “não” é maior entre os profissionais da área de recursos humanos. “Os profissionais de RH acham que devem ser bons para os indivíduos e ajudar a todos”, diz ele.
E isso provoca uma segunda – e grave – complicação: não dar conta das tarefas a que se propôs. “Isso é um sinal claro de que o profissional não sabe dimensionar quantas horas levaria em cada tarefa nem sabe privilegiar ou priorizar as ações importantes”, diz Ana Fraiman, psicoterapeuta e doutora em ciências sociais. A consequência? Ficar com uma fama, bastante comum na área de RH, de quem só promete e nada cumpre.
Há ainda uma terceira complicação causada pelo “sim” dito da boca pra fora: a frustração. Ao permitir que todos os funcionários falem em uma reunião, por exemplo, apenas por educação, o chefe cria uma expectativa no grupo de que todas as ideias serão – realmente – ouvidas, quando, na verdade, ele está sendo apenas gentil. Com o tempo, eles acabam percebendo que sempre falam à toa e que suas ideias jamais são levadas a sério. “As pessoas passam a evitar o chefe, já que ele não é confiável”, diz Cherny. Assim, a frustração e a desmotivação geram impactos na produtividade e competitividade do negócio.
Nação do “sim”
Se o hábito de dizer “sim” para quase tudo é um traço do comportamento humano, ele se acentua quando se trata do brasileiro. Segundo a antropóloga Lívia Barbosa, diretora do Centro de Altos Estudos de Propaganda e Marketing da ESPM e autora do livro O Jeitinho Brasileiro (Ed. Campus/Elsevier), o brasileiro, quando comparado a outros povos, demonstra uma inclinação a ser mais agradável com os outros.
Um estudo publicado no jornal de psicologia da Universidade Western Washington, em 2001, revelou que os cariocas são as pessoas que mais ajudam estranhos entre os habitantes de 23 cidades pesquisadas (São Paulo não participou da pesquisa). O Rio de Janeiro obteve 93% no índice que avaliava quanto uma pessoa ajudava outra, de acordo com os pesquisadores. A segunda colocada, San Jose, na Costa Rica, atingiu 91%, e a americana Nova York, apenas 45%.
Os americanos, explica a antropóloga, vivem em uma sociedade contratual: “É assim, não é assim e acabou”. Já os brasileiros vivem numa sociedade relacional, na qual as regras são contextualizadas a partir da situação e das pessoas envolvidas. “Temos o jeitinho de resolver tudo, de envolver o outro em uma técnica chamada ‘jeitinho brasileiro’, que consiste em contar seu drama pessoal até ele se tornar coparticipante dessa drama e partir para ajudá-lo”, explica Lívia. “Em uma sociedade relacional, na qual as relações têm poder sobre os indivíduos, é difícil dizer ‘não’.” É como se o ser humano dessa sociedade fosse programado para dizer “deixa que eu faço, deixa que eu tomo conta”. E faz isso sem perceber.
Na sociedade relacional, o ambiente de trabalho também exige que as pessoas se preocupem mais umas com as outras, estimulando a gentileza sem limites. No Brasil, a organização, que teoricamente deveria ser um espaço impessoal, é altamente personificada. E, por isso, há uma resistência em negar as solicitações. “Dizer ‘não’, nesse caso, é demonstrar que você coloca o interesse da organização na frente do interesse do sujeito”, diz Lívia.
Sem medo de dizer “não”
Se aceitar os pedidos é algo quase intrínseco do ser humano, é possível aprender a dizer “não” sem se sentir constrangido com isso? Francisco Cherney, da Axialent, diz que uma boa estratégia para treinar o “não” é ficar um minuto parado e pensar na sua verdadeira vontade, antes de assumir algum compromisso. Fazer perguntas para quem está pedindo sua ajuda a fim de checar o real propósito da solicitação também auxilia no processo. “Depois que realmente entendemos o objetivo do pedido, estamos preparados para dizer ‘sim’ ou ‘não’”, diz Cherney. Falar de objetivos e propósitos é, aliás, uma forma de separar os negócios do relacionamento pessoal. Dessa forma você “despersonifica o problema”, ou seja, não é você quem está sendo negligente por dizer “não”, mas o propósito do pedido é que não tem a ver com os objetivos do negócio naquele momento.
Para o consultor, toda conversa é uma oportunidade para construir ou destruir três pontos: os negócios, as relações e o indivíduo. Em geral, o ser humano prioriza um e deixa dois desses aspectos de lado. Mas, ao ter consciência disso, uma pessoa consegue mudar seu modelo mental. Naqueles minutos de silêncio, consegue se questionar: qual a importância disso para os negócios? Como isso afetará minhas relações? Por que eu estou fazendo isso?
Se chegar à conclusão de que negar é melhor que aceitar, há também formas mais sutis de fazer isso. De acordo com Ana Fraiman, um bom começo é dizer: “Vou pensar com carinho e depois dou uma resposta”. Se o pedido for urgente, você pode ainda dar um “não gentil”, dizendo que até gostaria de atender à solicitação, mas infelizmente não será possível.
O grau de educação na resposta pode chegar até o nível dos americanos, que simplesmente dizem “não” sem maiores explicações. Para Ana, essa é a forma mais difícil, porém a mais salutar, porque não é preciso inventar desculpas. “Precisamos entender que boas relações também comportam desagrados e caras feias. Se a relação não suporta isso, não é uma boa relação”, diz Ana.
Afinal, pela visão da neurociência, ao dizer um “não” o indivíduo está expressando suas escolhas mais fortes. “O ‘sim’ vai de acordo com a decisão do grupo; é espontâneo”, diz o neurocientista Fernando Gomes Pinto. “Quando dizemos o ‘não’, estamos realmente nos posicionando.”