Prova do líder
Por que desenvolver liderança é um dos maiores desafios do RH e como fazer para tirar o Brasil do atraso e disseminar essa cultura por aqui
Da Redação
Publicado em 12 de março de 2015 às 10h07.
São Paulo - Tratado como prioridade ou assunto de extrema importância na esfera corporativa, o desenvolvimento da liderança atormenta gestores de recursos humanos no mundo todo. A notícia que consola é que todos os países enfrentam uma enorme dificuldade de formar líderes competentes e alinhados aos princípios da organização.
A má notícia é que o Brasil disputa a lanterna na corrida de preparação da liderança. Com base num cálculo desenvolvido pela consultoria Deloitte para descobrir o índice de suficiência das empresas no abastecimento interno de gestores, o Brasil obteve o segundo pior lugar no ranking, que analisou 94 países.
O índice brasileiro bateu mísero -50, quando o resultado saudável é considerado um número igual ou maior que zero. Para Glaucy Bocci, diretora de gestão de talentos da Towers Watson para a América Latina, estamos sofrendo as consequências do boom dos países emergentes. “Há um histórico de deficiência na educação, na infraestrutura e na formação de pessoas qualificadas nesses países. As empresas cresceram, mas a mão de obra não acompanhou em qualidade”, explica a consultora.
O problema maior, porém, não é a escassez de pessoas nessas posições, mas a falta de preparo — e até de interesse — das companhias para suprir essa deficiência. Metade das empresas ouvidas pela Deloitte assumiu que está pouco preparada para correr atrás dessa urgência — e outras 35% declararam estar completamente despreparadas.
A falta de preparo vem de projetos mal desenhados ou de orçamentos enxutos. Segundo estudos da CEB, empresa global de benchmark e capital humano, com sede em Washington, 40% das 197 empresas pesquisadas no mundo investiram menos de 1 milhão de dólares em iniciativas de desenvolvimento de liderança em 2013.
A pesquisa da Deloitte traz resultados semelhantes. Das empresas pesquisadas pela consultoria, 39% previam estacionar seus investimentos em desenvolvimento de liderança e apenas 13% se mostravam bastante satisfeitas com seus programas.
“Existem muitos discursos sobre ter gerentes que sejam mais que simples gestores, mas não há uma ação prática. O maior desafio é a conscientização dessa necessidade de investimento”, afirma o professor Eugenio Mussak, coautor do livro Liderança em Foco, ao lado de Mário Sergio Cortella. “Empresa que não investe nas pessoas para no tempo.”
Além da falta de recursos financeiros, o desenvolvimento da liderança tem tropeçado na impaciência dos gestores, que, na ânsia por resultados imediatos, são céticos quanto ao investimento de longo prazo. Apenas 33% dos diretores de RH consultados pela CEB acreditam em um retorno concreto dos programas de liderança.
Essa incredulidade se dá basicamente porque os resultados são indiretos, principalmente no primeiro momento. O avanço pode ser visível no desenvolvimento das pessoas, mas dificilmente é passível de representação numérica. “É difícil mostrar no papel para o acionista que existe um retor- no claro sobre o dinheiro inves- tido”, afirma Glaucy.
A consequência da falta de investimento — e de paciência — acaba sendo dramática para uma organização. Ao ver buracos em seu organograma e ter de atender à demanda por gestores capacitados, o RH não tem outra saída a não ser buscar desesperadamente um líder pronto no mercado.
E, assim, inicia-se um círculo vi cioso que visa sempre à solução de curto prazo. “Uma pessoa pode ser líder em uma empresa e ineficiente em outra”, afirma o professor Marco Túlio Zanini, professor da FGV/Ebape. “Liderança não é genérica nem exportável, ela se desenvolve dentro do contexto de uma organização.”
A armadilha pode ser maior ainda. Um líder que já chega com vícios pode não se adaptar à cultura da empresa e a seu time, que foi formado com outro repertório. “O que inspira as pessoas a se engajar é muito particular em cada grupo social”, diz Zanini. Os especialistas recomendam investir em suplentes antes que apareça a oportunidade de sucessão.
“É muito mais caro trazer de fora, sem dúvida”, afirma Glaucy, da Towers Watson. “O executivo também pode demorar no mínimo um ano para produzir em toda a sua capacidade, ainda mais quando precisa se adaptar a outra cultura de negócios.”
Mesmo quando se dispõe a investir em programas e até tem paciência para esperar pelos resultados, a empresa ainda corre o risco de fazer algo mal planejado. Há uma infinidade de exemplos de recursos mal usados e de programas abandonados precocemente. Um erro comum é investir financeiramente em cursos, mas não dar continuidade às ações no dia a dia da empresa.
“O programa tem desdobramentos. Sem reuniões periódicas, acompanhamento de resultados de clima, engajamento e aproximação do time, ele se perde", diz Glaucy. Um líder júnior demora, em média, 18 meses para produzir em sua plena capacidade; e um de nível pleno, de 24 a 36 meses. “O retorno não é uma equação simples”, afirma.
Ainda que invistam em liderança e façam acompanhamento constante de seus gestores, as empresas trombam com um desafio comum: administrar as intensas mudanças no perfil dos profissionais. Estima-se que nosso conhecimento dobre anualmente e que as habilidades tenham idade média de 2,5 a cinco anos antes de ficar obsoletas, o que indica que qualquer pessoa apta a assumir uma posição de liderança precisa de desenvolvimento e de estudo constantes.
Quase nove em cada dez líderes seniores enfrentaram mudan- ças expressivas em suas funções e responsabilidades nos últimos três anos, e o mercado deve puxar ainda mais: o Hay Group publicou, na pesquisa Leadership 2030, alguns dos desafios que devem fazer parte do cotidiano das empresas nos próximos 15 anos.
Se assim for, os líderes enfrentarão crises ambientais agudas, nas quais os programas de sustentabilidade deixam de ser iniciativas bacanas da empresa e se tornam mandatórios, e convergências tecnológicas — o mundo virando mobile à enésima potência. Conheça histórias de empresas que decidiram investir em liderança interna e atualmente celebram as boas safras.
Sala de aula
Todo bom programa de desenvolvimento de liderança tem o mesmo marco zero: as aulas. No Bradesco, 20% do orçamento de treinamento do RH vai direto para o caixinha de formação dos cerca de 20 000 líderes do banco, do nível mais básico ao mais sênior. São 120 cursos que envol- vem coaching, mentoring, feedback, carreira sustentável, entre outros.
“A carreira interna é importante para que os desafios sejam direcionados a quem auxiliou a empresa desde o início”, afirma Glaucimar Peticov, diretora de RH do Bradesco. “O presidente começou como escriturário, por exemplo. Não há uma triagem para escolher o profissional mais adequado, e a responsabilidade de formação é potencializada.”
Na Universidade Corporativa Bradesco, com salas de aula em 14 estados do país, o líder se inscreve conforme seu interesse. Os cursos são atualizados todos os anos, e os cases e os exemplos, a cada mês. “O banco se preocupa com quem pode cobrir os postos estratégicos, e o funcionário se preocupa em cuidar da própria carreira, de forma que os dois se encontrem em algum momento”, diz Glaucimar.
O investimento compensa. No segundo semestre de 2011, o Bradesco abriu aproximadamente 1 000 agências pelo país — e, de fora da empresa, contrataram apenas os escriturários. “Tirei 1 000 gerentes de suas agências e fiquei com 1 000 buracos. Foram 6 000 movimentos para realocar as pessoas, promovê-las, substituí-las, tudo internamente”, diz a diretora.
Cultura de liderança
Na fabricante de bebidas Ambev, para ser promovido é preciso ter um substituto pronto. A máxima vale para todos os funcionários da companhia e é o alicerce de sua cultura de liderança. A empresa faz uma avaliação dos 8 000 líderes segundo o desempenho de suas equipes e garante: líder que não tem um bom time não é promovido, porque não formou ninguém para substituí-lo.
“O mais importante para disseminar essa cultura é fazer com que os gestores se sintam responsáveis”, diz Renato Biava, diretor de desenvolvimento de gente da companhia. No momento anual de discutir as promoções e as sucessões na empresa, uma das principais questões é se o candidato está formando gente para a Ambev. “Assim, não temos apenas 200 funcionários de RH nessa missão, mas 8 000 pessoas.”
Outra premissa da cartilha de liderança da Ambev é que não existe idade para ser líder. “Não tememos correr o risco de promover alguém que ainda não esteja 100% pronto e que possa errar. Nós colocamos pessoas em situações de decisão para que elas corram atrás e se desenvolvam na vivência diária daquele cargo”, diz Biava.
A economista Mariana Pimenta, de 24 anos, já é gerente de gente e gestão no RH da Ambev. Entrou na empresa como estagiária em 2012 e chegou ao primeiro cargo de gerência dois anos depois, aos 23. “Você naturalmente se sente um pouco verde para o cargo e comete um erro ou outro. Mas tem alguém olhando muito de perto para dar suporte e acelerar o aprendizado”, diz.
Mariana lembra quando, recém-promovida, precisou lidar com questões trabalhistas delicadas em uma negociação com um sindicato. “Fiquei insegura, sim, mas meu par era uma pessoa sênior. Ela sentiu minha insegurança e me orientou”, conta. “É desafiador, mas é mais fácil se você tem um suporte para essa formação.”
Conhecimento multidisciplinar
Sem essa de que engenheiro só entende de motor e evento é coisa da área comercial. Na Volvo, é tudo junto e misturado. Considerada pelo Guia Você S/A a melhor empresa do ramo automotivo para trabalhar no Brasil em 2014 (com nota altíssima em liderança: 98,3), a companhia preza a multidisciplinaridade: um líder deve se envolver em projetos e eventos de todas as áreas, por mais restrita que seja sua atuação.
“Isso faz com que ele aprenda sobre outros assuntos, conheça outras pessoas e acostume-se com a exposição perante um grupo maior e mais heterogêneo”, afirma o vice-presidente de RH Carlos Morassutti.
Em uma feira de transportes, por exemplo, as informações técnicas são repassadas às concessionárias por quem fez a montagem das peças e o cliente testa o veículo com quem o fez primeiro, lá na fábrica da Volvo. “Eliminamos intermediários. O pessoal da engenharia tem contato direto com o cliente final, explica o produto e recebe um feedback mais apurado”, diz Morassutti.
O coordenador de manufatura Amaral da Silva, de 37 anos, e o gerente de novos produtos Adalberto Brandão, de 41, participaram da Fenatran 2013. Para eles, a experiência faz com que as necessidades do cliente, os processos de venda e o negócio como um todo fiquem mais claros. “Isso é bastante raro para o time técnico, que passa a maior parte do tempo no escritório ou nos laboratórios de desenvolvimento de produto”, diz Brandão.
Segundo Silva, os clientes ficam com mais vontade de perguntar, sugerir e até jogar conversa fora quando descobrem que ele é responsável pela fabricação dos caminhões. “Alguns me puxavam, queriam ficar conversando comigo por muito tempo”, diz. “Trazer esse feedback direto do cliente para os montadores faz com que eles tenham mais orgulho do próprio trabalho.”
Além de se envolver na prática com todos os assuntos inerentes ao negócio, os profissionais da Volvo não dispensam a sala de aula. Cerca de 150 dos 250 líderes se comprometeram a fazer, durante dois anos, um curso em parceria com instituições como PUC Paraná e FIA.
“Foi um investimento enorme de tempo e dinheiro, mas dali saíram 30 projetos, que vão de sustentabilidade a alteração nos produtos, que começarão a ser desenvolvidos nes- te ano”, diz Morassutti. Segundo cálculos da empresa, o turnover da liderança é inferior a 1%.
O mesmo ocorre na Gerdau. A companhia possui um MBA próprio com dois anos de duração, customizado em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper) e com universidades estrangeiras. Três turmas de executivos já vestiram a toga. “O objetivo do curso é ampliar a formação e a experiência internacional dos participantes”, afirma Francisco Deppermann Fortes, vice-presidente executivo de pessoas, inovação e gestão da Gerdau.
Outro programa traz um intensivo de capacitação acelerada para engenheiros. São 1 040 horas de formação, também durante dois anos, acompanhadas de perto por diretores veteranos da casa. “Queremos acelerar a prontidão dos talentos para que assumam posições-chave na organização e incorporem nosso jeito de fazer as coisas”, afirma Fortes. Ao todo, 149 engenheiros já participaram do programa no Brasil, no México e na Colômbia.
A mensagem certa
Desenvolver líderes internamente não só garante a eficiência do negócio (e sua sobrevivência) como também transmite aos profissionais um compromisso de longo prazo da organização com a carreira deles. “Se existe gente boa e preparada na sua empresa, você passa o recado errado se vai buscar uma posição fora dela”, afirma Renato Biava, da Ambev, onde 95% dos atuais diretores e gerentes foram promovidos internamente.
Na Gerdau, um dos programas prepara qualquer profissional júnior que tenha algum potencial para exercer liderança — basta ter ensino superior completo e pelo menos um ano de casa. Dos profissionais forma- dos, 80% já foram promovidos.
Na multinacional Schneider Electric, a meta é ter, em três anos no máximo, substitutos em potencial prontos para ocupar qualquer cargo de liderança da companhia. “No mundo corporativo, ou o profissional se desenvolve ou ele sai para a concorrência”, afirma o vice-presidente de recursos humanos Vincent Tarraube.
Com seus programas de desenvolvimento, a empresa espera ter, até 2017, dois substitutos plenamente capacitados por chefia em cada departamento. “Se os funcionários crescem e fazem questão de continuar na empresa, o RH não precisa convencer ninguém de nada. Eles vão querer ficar”, diz Tarraube.
São Paulo - Tratado como prioridade ou assunto de extrema importância na esfera corporativa, o desenvolvimento da liderança atormenta gestores de recursos humanos no mundo todo. A notícia que consola é que todos os países enfrentam uma enorme dificuldade de formar líderes competentes e alinhados aos princípios da organização.
A má notícia é que o Brasil disputa a lanterna na corrida de preparação da liderança. Com base num cálculo desenvolvido pela consultoria Deloitte para descobrir o índice de suficiência das empresas no abastecimento interno de gestores, o Brasil obteve o segundo pior lugar no ranking, que analisou 94 países.
O índice brasileiro bateu mísero -50, quando o resultado saudável é considerado um número igual ou maior que zero. Para Glaucy Bocci, diretora de gestão de talentos da Towers Watson para a América Latina, estamos sofrendo as consequências do boom dos países emergentes. “Há um histórico de deficiência na educação, na infraestrutura e na formação de pessoas qualificadas nesses países. As empresas cresceram, mas a mão de obra não acompanhou em qualidade”, explica a consultora.
O problema maior, porém, não é a escassez de pessoas nessas posições, mas a falta de preparo — e até de interesse — das companhias para suprir essa deficiência. Metade das empresas ouvidas pela Deloitte assumiu que está pouco preparada para correr atrás dessa urgência — e outras 35% declararam estar completamente despreparadas.
A falta de preparo vem de projetos mal desenhados ou de orçamentos enxutos. Segundo estudos da CEB, empresa global de benchmark e capital humano, com sede em Washington, 40% das 197 empresas pesquisadas no mundo investiram menos de 1 milhão de dólares em iniciativas de desenvolvimento de liderança em 2013.
A pesquisa da Deloitte traz resultados semelhantes. Das empresas pesquisadas pela consultoria, 39% previam estacionar seus investimentos em desenvolvimento de liderança e apenas 13% se mostravam bastante satisfeitas com seus programas.
“Existem muitos discursos sobre ter gerentes que sejam mais que simples gestores, mas não há uma ação prática. O maior desafio é a conscientização dessa necessidade de investimento”, afirma o professor Eugenio Mussak, coautor do livro Liderança em Foco, ao lado de Mário Sergio Cortella. “Empresa que não investe nas pessoas para no tempo.”
Além da falta de recursos financeiros, o desenvolvimento da liderança tem tropeçado na impaciência dos gestores, que, na ânsia por resultados imediatos, são céticos quanto ao investimento de longo prazo. Apenas 33% dos diretores de RH consultados pela CEB acreditam em um retorno concreto dos programas de liderança.
Essa incredulidade se dá basicamente porque os resultados são indiretos, principalmente no primeiro momento. O avanço pode ser visível no desenvolvimento das pessoas, mas dificilmente é passível de representação numérica. “É difícil mostrar no papel para o acionista que existe um retor- no claro sobre o dinheiro inves- tido”, afirma Glaucy.
A consequência da falta de investimento — e de paciência — acaba sendo dramática para uma organização. Ao ver buracos em seu organograma e ter de atender à demanda por gestores capacitados, o RH não tem outra saída a não ser buscar desesperadamente um líder pronto no mercado.
E, assim, inicia-se um círculo vi cioso que visa sempre à solução de curto prazo. “Uma pessoa pode ser líder em uma empresa e ineficiente em outra”, afirma o professor Marco Túlio Zanini, professor da FGV/Ebape. “Liderança não é genérica nem exportável, ela se desenvolve dentro do contexto de uma organização.”
A armadilha pode ser maior ainda. Um líder que já chega com vícios pode não se adaptar à cultura da empresa e a seu time, que foi formado com outro repertório. “O que inspira as pessoas a se engajar é muito particular em cada grupo social”, diz Zanini. Os especialistas recomendam investir em suplentes antes que apareça a oportunidade de sucessão.
“É muito mais caro trazer de fora, sem dúvida”, afirma Glaucy, da Towers Watson. “O executivo também pode demorar no mínimo um ano para produzir em toda a sua capacidade, ainda mais quando precisa se adaptar a outra cultura de negócios.”
Mesmo quando se dispõe a investir em programas e até tem paciência para esperar pelos resultados, a empresa ainda corre o risco de fazer algo mal planejado. Há uma infinidade de exemplos de recursos mal usados e de programas abandonados precocemente. Um erro comum é investir financeiramente em cursos, mas não dar continuidade às ações no dia a dia da empresa.
“O programa tem desdobramentos. Sem reuniões periódicas, acompanhamento de resultados de clima, engajamento e aproximação do time, ele se perde", diz Glaucy. Um líder júnior demora, em média, 18 meses para produzir em sua plena capacidade; e um de nível pleno, de 24 a 36 meses. “O retorno não é uma equação simples”, afirma.
Ainda que invistam em liderança e façam acompanhamento constante de seus gestores, as empresas trombam com um desafio comum: administrar as intensas mudanças no perfil dos profissionais. Estima-se que nosso conhecimento dobre anualmente e que as habilidades tenham idade média de 2,5 a cinco anos antes de ficar obsoletas, o que indica que qualquer pessoa apta a assumir uma posição de liderança precisa de desenvolvimento e de estudo constantes.
Quase nove em cada dez líderes seniores enfrentaram mudan- ças expressivas em suas funções e responsabilidades nos últimos três anos, e o mercado deve puxar ainda mais: o Hay Group publicou, na pesquisa Leadership 2030, alguns dos desafios que devem fazer parte do cotidiano das empresas nos próximos 15 anos.
Se assim for, os líderes enfrentarão crises ambientais agudas, nas quais os programas de sustentabilidade deixam de ser iniciativas bacanas da empresa e se tornam mandatórios, e convergências tecnológicas — o mundo virando mobile à enésima potência. Conheça histórias de empresas que decidiram investir em liderança interna e atualmente celebram as boas safras.
Sala de aula
Todo bom programa de desenvolvimento de liderança tem o mesmo marco zero: as aulas. No Bradesco, 20% do orçamento de treinamento do RH vai direto para o caixinha de formação dos cerca de 20 000 líderes do banco, do nível mais básico ao mais sênior. São 120 cursos que envol- vem coaching, mentoring, feedback, carreira sustentável, entre outros.
“A carreira interna é importante para que os desafios sejam direcionados a quem auxiliou a empresa desde o início”, afirma Glaucimar Peticov, diretora de RH do Bradesco. “O presidente começou como escriturário, por exemplo. Não há uma triagem para escolher o profissional mais adequado, e a responsabilidade de formação é potencializada.”
Na Universidade Corporativa Bradesco, com salas de aula em 14 estados do país, o líder se inscreve conforme seu interesse. Os cursos são atualizados todos os anos, e os cases e os exemplos, a cada mês. “O banco se preocupa com quem pode cobrir os postos estratégicos, e o funcionário se preocupa em cuidar da própria carreira, de forma que os dois se encontrem em algum momento”, diz Glaucimar.
O investimento compensa. No segundo semestre de 2011, o Bradesco abriu aproximadamente 1 000 agências pelo país — e, de fora da empresa, contrataram apenas os escriturários. “Tirei 1 000 gerentes de suas agências e fiquei com 1 000 buracos. Foram 6 000 movimentos para realocar as pessoas, promovê-las, substituí-las, tudo internamente”, diz a diretora.
Cultura de liderança
Na fabricante de bebidas Ambev, para ser promovido é preciso ter um substituto pronto. A máxima vale para todos os funcionários da companhia e é o alicerce de sua cultura de liderança. A empresa faz uma avaliação dos 8 000 líderes segundo o desempenho de suas equipes e garante: líder que não tem um bom time não é promovido, porque não formou ninguém para substituí-lo.
“O mais importante para disseminar essa cultura é fazer com que os gestores se sintam responsáveis”, diz Renato Biava, diretor de desenvolvimento de gente da companhia. No momento anual de discutir as promoções e as sucessões na empresa, uma das principais questões é se o candidato está formando gente para a Ambev. “Assim, não temos apenas 200 funcionários de RH nessa missão, mas 8 000 pessoas.”
Outra premissa da cartilha de liderança da Ambev é que não existe idade para ser líder. “Não tememos correr o risco de promover alguém que ainda não esteja 100% pronto e que possa errar. Nós colocamos pessoas em situações de decisão para que elas corram atrás e se desenvolvam na vivência diária daquele cargo”, diz Biava.
A economista Mariana Pimenta, de 24 anos, já é gerente de gente e gestão no RH da Ambev. Entrou na empresa como estagiária em 2012 e chegou ao primeiro cargo de gerência dois anos depois, aos 23. “Você naturalmente se sente um pouco verde para o cargo e comete um erro ou outro. Mas tem alguém olhando muito de perto para dar suporte e acelerar o aprendizado”, diz.
Mariana lembra quando, recém-promovida, precisou lidar com questões trabalhistas delicadas em uma negociação com um sindicato. “Fiquei insegura, sim, mas meu par era uma pessoa sênior. Ela sentiu minha insegurança e me orientou”, conta. “É desafiador, mas é mais fácil se você tem um suporte para essa formação.”
Conhecimento multidisciplinar
Sem essa de que engenheiro só entende de motor e evento é coisa da área comercial. Na Volvo, é tudo junto e misturado. Considerada pelo Guia Você S/A a melhor empresa do ramo automotivo para trabalhar no Brasil em 2014 (com nota altíssima em liderança: 98,3), a companhia preza a multidisciplinaridade: um líder deve se envolver em projetos e eventos de todas as áreas, por mais restrita que seja sua atuação.
“Isso faz com que ele aprenda sobre outros assuntos, conheça outras pessoas e acostume-se com a exposição perante um grupo maior e mais heterogêneo”, afirma o vice-presidente de RH Carlos Morassutti.
Em uma feira de transportes, por exemplo, as informações técnicas são repassadas às concessionárias por quem fez a montagem das peças e o cliente testa o veículo com quem o fez primeiro, lá na fábrica da Volvo. “Eliminamos intermediários. O pessoal da engenharia tem contato direto com o cliente final, explica o produto e recebe um feedback mais apurado”, diz Morassutti.
O coordenador de manufatura Amaral da Silva, de 37 anos, e o gerente de novos produtos Adalberto Brandão, de 41, participaram da Fenatran 2013. Para eles, a experiência faz com que as necessidades do cliente, os processos de venda e o negócio como um todo fiquem mais claros. “Isso é bastante raro para o time técnico, que passa a maior parte do tempo no escritório ou nos laboratórios de desenvolvimento de produto”, diz Brandão.
Segundo Silva, os clientes ficam com mais vontade de perguntar, sugerir e até jogar conversa fora quando descobrem que ele é responsável pela fabricação dos caminhões. “Alguns me puxavam, queriam ficar conversando comigo por muito tempo”, diz. “Trazer esse feedback direto do cliente para os montadores faz com que eles tenham mais orgulho do próprio trabalho.”
Além de se envolver na prática com todos os assuntos inerentes ao negócio, os profissionais da Volvo não dispensam a sala de aula. Cerca de 150 dos 250 líderes se comprometeram a fazer, durante dois anos, um curso em parceria com instituições como PUC Paraná e FIA.
“Foi um investimento enorme de tempo e dinheiro, mas dali saíram 30 projetos, que vão de sustentabilidade a alteração nos produtos, que começarão a ser desenvolvidos nes- te ano”, diz Morassutti. Segundo cálculos da empresa, o turnover da liderança é inferior a 1%.
O mesmo ocorre na Gerdau. A companhia possui um MBA próprio com dois anos de duração, customizado em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper) e com universidades estrangeiras. Três turmas de executivos já vestiram a toga. “O objetivo do curso é ampliar a formação e a experiência internacional dos participantes”, afirma Francisco Deppermann Fortes, vice-presidente executivo de pessoas, inovação e gestão da Gerdau.
Outro programa traz um intensivo de capacitação acelerada para engenheiros. São 1 040 horas de formação, também durante dois anos, acompanhadas de perto por diretores veteranos da casa. “Queremos acelerar a prontidão dos talentos para que assumam posições-chave na organização e incorporem nosso jeito de fazer as coisas”, afirma Fortes. Ao todo, 149 engenheiros já participaram do programa no Brasil, no México e na Colômbia.
A mensagem certa
Desenvolver líderes internamente não só garante a eficiência do negócio (e sua sobrevivência) como também transmite aos profissionais um compromisso de longo prazo da organização com a carreira deles. “Se existe gente boa e preparada na sua empresa, você passa o recado errado se vai buscar uma posição fora dela”, afirma Renato Biava, da Ambev, onde 95% dos atuais diretores e gerentes foram promovidos internamente.
Na Gerdau, um dos programas prepara qualquer profissional júnior que tenha algum potencial para exercer liderança — basta ter ensino superior completo e pelo menos um ano de casa. Dos profissionais forma- dos, 80% já foram promovidos.
Na multinacional Schneider Electric, a meta é ter, em três anos no máximo, substitutos em potencial prontos para ocupar qualquer cargo de liderança da companhia. “No mundo corporativo, ou o profissional se desenvolve ou ele sai para a concorrência”, afirma o vice-presidente de recursos humanos Vincent Tarraube.
Com seus programas de desenvolvimento, a empresa espera ter, até 2017, dois substitutos plenamente capacitados por chefia em cada departamento. “Se os funcionários crescem e fazem questão de continuar na empresa, o RH não precisa convencer ninguém de nada. Eles vão querer ficar”, diz Tarraube.