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Entenda a síndrome que afetou ex-apresentadora da Globo

A jornalista Izabella Camargo e a consultora Jaqueline Rocha contam sua experiência com o Burnout, a síndrome do esgotamento profissional

Izabella Camargo: 92% dos profissionais com Burnout se sentem incapacitados, mas continuam trabalhando por receio de serem demitidos (Angela Rezé/Divulgação)

Luísa Granato

Publicado em 17 de dezembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 17 de dezembro de 2018 às 10h34.

São Paulo - A Síndrome de Burnout não era uma expressão desconhecida para a jornalista Izabella Camargo quando recebeu o diagnóstico de sua psiquiatra em agosto deste ano.

A doença, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional e definida em 1974 pelo psicólogo alemão Herbert Freudenberger, é um acúmulo de estresse e exaustão relacionados ao trabalho. Os sintomas são físicos e psíquicos.

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O diagnóstico foi um ponto crítico de problemas de saúde que Izabella vinha investigando há dois anos. E, ainda assim, veio como uma surpresa. “Não começa de um dia para o outro, mas não reconheci em mim os sintomas”, diz ela.

Segundo dados do International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), 72% da população economicamente ativa do Brasil possui altos níveis de estresse. Desses, 32% desenvolveram Burnout.

A pesquisa foi feita com mil pessoas de Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP), que responderam ao questionário anonimamente. Segundo os dados, 92% dos profissionais com Burnout se sentem incapacitados, mas continuam trabalhando por receio de serem demitidos.

A jornalista precisou se afastar do seu posto como apresentadora nos programas Hora 1 e do Bom Dia Brasil na Globo, onde fazia o horário da madrugada desde 2014, a pedido de seus médicos. Ao retornar da licença no dia 29 de outubro, ela foi demitida pela emissora.

Os alertas de seu organismo começaram em 2016. Com o trabalho de madrugada, seu corpo não estava produzindo serotonina e ela começou a tratar um quadro de depressão.

Em seguida, veio a insônia e exaustão. Para manter seu ritmo de trabalho, Izabella tomava remédios para conseguir dormir e depois remédios para ficar acordada. Ela continuou buscando ajuda de médicos e profissionais de saúde, ia ao psicólogo e ao endócrino. Em 2017, começaram as dores de estômago.

O ano de 2018 veio com um aumento na carga de trabalho, acompanhado de dores de cabeça, exames de sangue que mostravam seu nível de cortisol três vezes acima do normal e crises de taquicardia.

Izabella prefere não falar de outros sintomas causados pela exaustão, mas não tem como fugir do episódio que aconteceu ao vivo, no qual ela não conseguia completar sua linha de pensamento e se lembrar do nome de uma capital durante a previsão do tempo.

Os médicos indicaram que seu horário de trabalho estava prejudicando sua saúde. No entanto, seus superiores na rede Globo não atenderam a seu pedido para mudar seu turno na programação.

Segundo a psiquiatra Mara Fernandes Maranhão, o primeiro sinal da síndrome é o esgotamento mental e físico do profissional, com um cansaço que persiste mesmo após dormir.

“A pessoa já acorda cansada. Depois começa a ter problemas de concentração e memória, não consegue terminar tarefas ou manter a atenção nelas por muito tempo. Além da apresentar um quadro de depressão. É uma coisa progressiva, não é um sintoma único, mas uma série de situações em sequência”, descreve ela.

A psiquiatra aponta que a maioria dos profissionais percebe primeiro as consequências do estresse na saúde física, enquanto a piora na saúde mental pode passar despercebida.

Nas alterações de comportamento, se destacam uma maior irritabilidade, explosões de raiva, crises de choro, sentimento de baixa autoestima e insuficiência, desconfiança, isolamento, piora do humor, tristeza, impaciência, alienação e depressão.

Entre os sintomas físicos, estão dores musculares e nas costas, enxaqueca ou dor de cabeça diária, problemas intestinais e baixa imunidade. Em geral, os pacientes têm dificuldade para encontrar a origem desses problemas e podem começar a fazer uso frequente de medicamentos para controlá-los.

Para ela, um sinal importante de alerta para Burnout é o distanciamento afetivo do profissional dentro do ambiente de trabalho. “Não é algo que ganha destaque, mas é importante. A pessoa deixa de se envolver no ambiente, começa a perder a empatia, vemos a alteração no humor e a pessoa parece indiferente”, explica.

No limite

Jaqueline Rocha teve dois episódios de exaustão que a assustaram antes de precisar se afastar do cargo de diretora de operações comerciais dos canais Globosat em 2016, após 12 anos de carreira na empresa.

Seu foco no trabalho era intenso, se sentindo desconectada da família e de amigos, e indiferente a qualquer crise que acontecesse no escritório.

“Minha rotina na área operacional era interagir com mais de 40 canais e com todas as áreas da empresa, da financeira até a comercial. Trabalhava uma média de 14 a 15 horas, de domingo a domingo, e gerenciava uma equipe de 100 pessoas”, conta.

Seu ritmo virou uma preocupação em junho de 2016. Jaqueline tocava dois projetos novos na época e viajou para Nova York para conduzir uma reunião. Segundo ela, seu estresse estava muito alto, mas tudo correu bem até a pausa para o café.

Quando voltaram para a sala de reunião, ela perguntou para seu colega o que estavam fazendo ali. Ele achou que era uma piada, mas a ex-diretora não conseguia se lembrar do assunto de que estava falando até o momento.

Com esse grave aviso sobre sua saúde, a executiva voltou ao Brasil. Pouco tempo depois, no caminho para o trabalho, ela teve outro momento de esquecimento: parou para abastecer o carro e teve que perguntar para o frentista o caminho para o trabalho.

“Deixei o carro e peguei um táxi para o médico. Fiz vários exames para tentar encontrar a resposta para tudo aquilo que estava sentindo. Me disseram que estava desenvolvendo um estresse profundo. Por teimosia ou por não entender a seriedade daquilo, saí do hospital e fui para a TV. Lá, comecei a ter náusea e taquicardia. Percebi que algo muito grave estava acontecendo. Saí no dia seguinte de licença médica, já afastada pelo psiquiatra que diagnosticou a Síndrome de Burnout”, conta.

Com o desenvolvimento de Burnout, os sintomas se tornam mais pronunciados. Os “apagões”, como ocorreu com Jaqueline e Izabella, acontecem quando os problemas de exaustão,  memória e concentração avançam e os profissionais começam a sentir que funcionam no “modo automático” e o esgotamento.

Com a saúde na linha, Jaqueline se viu desamparada pelo seu empregador após o diagnóstico. E a desconexão com o ambiente corporativo é uma das principais preocupações de quem desenvolve a síndrome. Do momento da primeira licença médica em julho até outubro, Jaqueline começou a perceber que não poderia levar a vida profissional como antes.

“A partir daquele dia, minha vida se tornou algo insustentável. Cortaram o meu contato com a equipe e colegas de trabalho, desativando meu e-mail, criando um grande buraco na relação. Passei mais de 10 anos dedicando meu tempo à empresa para ser tratada com descaso. O contato do RH era insistente, perguntando quando iria voltar. Naquele momento difícil, me colocaram na parede, me tratando como se o cérebro que eu tinha nunca mais voltaria a ser como era antes. A sensação mais louca é você olhar para trás e se perguntar o que fez contra a empresa para se tornar sua inimiga”, relata ela.

De acordo com a psiquiatra, crises de pânico e ansiedade, quando a pessoa sente que vai perder o controle ou vai morrer, são recorrentes no diagnóstico de Burnout. Nesse momento, muitos profissionais percebem que suas dores e comportamentos não são escolhas, mas sintomas de algo maior.

“No geral, quando a pessoa tem uma grande queda na produtividade, não consegue mais desempenhar nem ir ao trabalho, ela procura uma esclarecimento com um profissional de saúde”, fala Mara Fernandes Maranhão.

A ex-diretora do Globosat agora trabalha como consultora para televisão e rádio. Ela se desligou da empresa em agosto de 2017, após acordo junto com seu representante legal, uma vez que a síndrome é considerada como acidente de trabalho pela legislação trabalhista.

Segundo o doutor Roberto Baronian, sócio do Granadeiro Guimarães Advogados, o trabalhador pode entrar com ação por perdas e danos contra a empresa, uma vez que o Burnout está na lista de doenças da Previdência Social, reconhecida como doença ocupacional.

A partir do momento em que a doença é comprovada por análise médica e há o afastamento junto ao INSS, segundo ele, o profissional adquire a estabilidade provisória de até 12 meses, não podendo ser dispensado enquanto estiver doente.

Além disso, práticas como a jornada de trabalho excessiva, ameaças de demissão ou cobranças abusivas se assemelham a assédio moral sistêmico, que pode justificar uma ação contra o empregador.

Jaqueline Rocha, ex-diretora do Globosat (Arquivo Pessoal/Divulgação)

“Você vê sua vida profissional praticamente encerrada por algo que não tem controle. Se quebra um braço, a vida vai seguir normal. Posso assegurar, nada é mais cruel do que perceber que as pessoas estão te colocando para escanteio”, diz Jaqueline.

Os sinais

Segundo Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR, a Síndrome de Burnout acontece de maneiras diferentes para cada um e não são todos os sintomas que se manifestam sempre.

O final do ano traz mais riscos para quem já se sente extenuado. Segundo Rossi, o estresse tende a aumentar da segunda semana de novembro até a última de dezembro, o que pode levar mais pessoas ao Burnout.

Conflitos de valor, sobrecarga de trabalho, falta de reconhecimento, pouca autonomia e recompensas insuficientes para um grande esforço são algumas das principais influências do ambiente que levam ao Burnout.

Ela conta que uma cliente, gerente de banco e sofrendo com esgotamento, descreveu que para alcançar as metas que o trabalho exige, ela coloca seu coração na gaveta e só tira quando chega em casa. E faz isso para vender produtos do banco que não considera bons, mas que fazem parte de suas metas.

Segundo a pesquisa do ISMA-BR, os segmentos onde os funcionários estão mais propensos a desenvolver burnout são o setor financeiro, o setor de educação e o setor de saúde.

De acordo com Mara Fernandes Maranhão, as características do indivíduo também contribuem para determinar uma propensão para desenvolver a síndrome.

“Perfeccionismo e baixa resiliência, por exemplo, fazem uma situação de trabalho que seria tranquila para alguns ser insuportável para outros”, explica.

Pessoas com uma conexão idealista com sua profissão e que podem ver os frutos de seu trabalho têm menos chances de adoecer. Da mesma forma, profissionais mais isolados e com tarefas muito burocráticas ficam mais vulneráveis.

A presidente da ISMA-BR fala que a pesquisa não tem um recorte de gênero, mas em sua experiência clínica, os homens têm menos chances de procurar tratamento médico para o problema, assumindo mais comportamentos de risco. As mulheres buscam mais prescrições de medicamentos para anestesiar os sintomas.

Antes de esgotar

Existe um erro que Emerson Gouveia, gerente sênior de retenção da LIQ, em Fortaleza, não quer cometer na sua gestão de uma operação com 4 mil pessoas. Para ele, um bom gestor deve perceber os sinais antes do funcionário chegar à exaustão.

Ele reconhece sempre os mesmos padrões: o funcionário mais comprometido parece largar o trabalho.  Ou mesmo a pessoa trabalhando mais, a qualidade de entrega começa a cair por razões inexplicáveis. Esses são indicativos de que a pessoa não está bem e precisa de alívio, diz Emerson.

Segundo ele, o maior desafio é a abordagem do assunto. Nesse contexto, a pessoa já está com a autoestima afetada e pode não receber bem comentários sobre sua saúde física e mental.

O gerente recomenda acompanhar o desenvolvimento e performance de perto, sabendo o nível de dedicação de cada funcionário. Além disso, Emerson promove conversas individuais de feedback com regularidade.

“Para identificar como eles estão, fico atento a seus hobbies, o que têm feito no horário livre, se eles têm tido horário livre, como se relacionam com seus pares. Quando a pessoa começa a entrar em desgaste, os principais indicadores são comportamentais”, explica ele.

Segundo a doutora Ana Maria Rossi, essa é uma maneira eficaz de prevenir Burnout. Quando as pessoas se sentem ouvidas e percebem a colaboração no ambiente de trabalho, elas desenvolvem condições para lidar com a pressão e a demanda.

Ela indica que as empresas podem cultivar um ambiente mais saudável para seus funcionários e evitar o aumento de casos de exaustão. A adoção de políticas para a saúde que atendam à necessidade dos funcionários, escutando suas demandas mais urgentes.

O incentivo ao trabalho em equipe desenvolve engajamento, o que torna mais fácil lidar com adversidades. E promover uma cultura de transparência para reforçar a confiança nos gestores, o que diminui a sensação de que estão sendo usados e podem ser demitidos a qualquer momento.

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