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As promessas do trabalho remoto ainda não cumpridas

A fusão da casa e do escritório tornou a desconexão do trabalho uma tarefa cada vez mais difícil — e aumenta o descontentamento com o home office

O economista John Maynard Keynes previu em 1930 que seus netos poderiam herdar um mundo onde uma semana de trabalho de 15 horas seria inteiramente possível à medida que os empregos se tornassem mais eficientes devido à tecnologia. Mas essa versão nunca chegou aos EUA (Bloomberg Businessweek/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)
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Da Redação

Publicado em 14 de dezembro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 17 de dezembro de 2021 às 11h03.

Quando o casal de jornalistas Charlie Warzel e Anne Helen Petersen se mudou do Brooklyn para Montana em 2017, eles pensaram que o tempo economizado com a exaustiva viagem de metrô até Manhattan seria substituído por prazeres de qualidade de vida, como caminhadas, canoagem e esqui. Mas o tempo extra, eles descobriram, era simplesmente absorvido por mais trabalho.

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Milhões de americanos passaram por algo semelhante à experiência de trabalho remoto coletivo durante pandemia. Embora grande parte dos funcionários das organizações dos EUA não estivessem mais presos no trânsito ou lutando para pegar seus trens, a fusão da casa e do escritório na verdade tornou essa desconexão mais difícil.

Quase dois anos após o início da pandemia, nada disso é exatamente uma novidade. Mas em “Out of Office” (Fora do Escritório), um novo e oportuno livro de Warzel e Petersen, eles argumentam que o trabalho remoto melhor só é possível se primeiro consertarmos o relacionamento rompido com nossos empregos. Cortar o ‘cordão umbilical’ do escritório é uma oportunidade não apenas de reduzir as horas de deslocamento, mas uma chance de abordar problemas maiores na força de trabalho dos EUA, incluindo a crise das creches, dos ineficientes métodos de trabalho, do esgotamento dos funcionários, do individualismo tóxico e do equilíbrio da vida profissional.

O economista John Maynard Keynes previu em 1930 que seus netos poderiam herdar um mundo onde uma semana de trabalho de 15 horas seria inteiramente possível à medida que os empregos se tornassem mais eficientes devido à tecnologia. Mas essa versão nunca chegou aos EUA. Em vez disso, com a expansão da economia do país  compulsivo por trabalho se tornou a norma americana, escrevem os autores, o resultado inevitável de uma cultura corporativa centrada no acionista sem grade de proteção. Carreiras se tornaram sinônimo de identidade, o principal eixo de nossas vidas. Enquanto o aumento da produtividade e da riqueza tendem a levar a mais tempo de lazer em outros países ricos, como Alemanha ou Holanda, os Estados Unidos resistiram a essa tendência, com a OCDE classificando-os como um dos países ricos mais sobrecarregados de trabalho.

Warzel e Petersen alertam que entrar a todo vapor na revolução do trabalho em casa sem atender às necessidades dos empregados pode exacerbar os já destruídos valores corporativos e hábitos de trabalho. Os empregadores precisam primeiro olhar para dentro, experimentando maneiras de reduzir o número de reuniões desnecessárias e evitar que seus funcionários façam um constante trabalho performático, como enviar e-mails durante as férias ou em horários inadequados apenas para comprovar que estão sempre ligados. No cerne de sua tese está algo simples: Melhor trabalho é muitas vezes "menos trabalho, em menos horas, o que torna as pessoas mais felizes, mais criativas, mais focadas  no trabalho que fazem e nas pessoas para quem o fazem''.

Muito do que se encontra em “Fora do Escritório” foi amplamente documentado pelo incessante fluxo de material publicado sobre o futuro do local de trabalho desde março de 2020 (incluindo, inclusive esta revista). Mas os autores levam o leitor a um passeio profundamente pesquisado pelo destruído cenário de trabalho do país e esboçam uma visão de como um futuro melhor poderá ser..

Um perigoso subproduto do local de trabalho híbrido, argumentam os autores, é a hierarquia oculta que surgirá, com funcionários excessivamente ambiciosos aparecendo pessoalmente, enquanto "funcionários remotos, motivados pela ansiedade de não parecerem produtivos, viverão com medo dos gerentes e compensarão com excesso de trabalho”. Os autores conversam com o chefe de recursos humanos do Twitter, que declarou logo no início que o trabalho se tornaria predominantemente remoto. Uma solução, talvez desajeitada, que eles encontraram para combater esse desequilíbrio: certificar-se de que todos dentro de uma sala de conferência também liguem para a reunião por meio de seus laptops para permitir que os participantes remotos vejam todos os rostos claramente.

Embora Warzel e Petersen – dois jornalistas com muitos  seguidores na mídia social –  não sejam fanfarrões, são firmes pregadores da perspectiva do trabalho remoto. Tendo primeiro intencionalmente se distanciado da cultura do escritório ao se mudar para o outro lado do país e depois deixando seus respectivos empregadores – Petersen cobrindo cultura no Buzzfeed e Warzel, colunista de tecnologia e política do New York Times – para lançar boletins informativos, sua postura não é inteiramente surpreendente (Warzel desde então juntou-se à revista literária, Atlantic). Eles reconhecem que “para a maioria das pessoas, o espaço de escritório tradicional se mistura, de alguma forma, com espaços de trabalho compartilhado”.

As maiores lacunas no livro são o estreito foco dos autores em trabalhadores focados no  conhecimento, nos EUA. Eles escrevem principalmente sobre aqueles que podem fazer o trabalho de casa – cerca de 42% da força de trabalho. No entanto, a pandemia está forçando um ajuste de contas em toda a economia, com os americanos deixando seus empregos em índices surpreendentes. Enquanto isso, muitos dos que permanecem, especialmente em empregos de baixa remuneração, estão descobrindo mais poder para fazer greves e exigir melhores condições.

Embora o livro às vezes se aprofunde nas políticas, especialmente quando se trata de cuidados infantis, os autores não dedicam muito espaço para discutir o papel que a política dos EUA desempenha na viabilização das práticas de trabalho. E uma palavra notavelmente ausente: China. Os chineses trabalham muito mais que seus colegas americanos e construíram com sucesso empresas que rivalizam com grandes conglomerados americanos. Embora os europeus possam, em média, ter um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional, eles têm se esforçado para acompanhar os EUA e a China no que diz respeito à inovação.

Onde Petersen e Warzel veem a possibilidade é em empresas como a Buffer, uma startup que descobriu que a produtividade realmente disparou quando mudou para uma semana de trabalho de 4 dias durante a pandemia. Outros experimentos produziram resultados semelhantes, observam eles, como quando a Microsoft Japão instituiu uma semana de trabalho de 4 dias e a produtividade aumentou 40%. “A verdadeira inovação da semana de quatro dias, como outras programações flexíveis e intencionais”, escrevem eles, “é a troca consciente da falsa produtividade por trabalho colaborativo genuíno em toda a organização. ''

“Fora do Escritório” inevitavelmente se tornará uma cápsula do tempo de um momento fugaz e caótico e, na melhor das hipóteses, servirá como um guia presciente e aproximado de como empresas e trabalhadores podem ter um relacionamento mais saudável uns com os outros no futuro. “Trabalho remoto – não trabalho remoto durante uma pandemia, não trabalho remoto sob coação”, escrevem Petersen e Warzel, “pode mudar a vida das pessoas”.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche.

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