Aprenda com os Gurus (ilustração: Pedro Hamdan)
Da Redação
Publicado em 26 de novembro de 2013 às 18h43.
O tom às vezes muda. A intensidade da conversa também. Mas o discurso é o mesmo. Os maiores pensadores de gestão de pessoas do mundo são unânimes em dizer que, quando se trata de liderança, o gestor de recursos humanos ainda não ocupou seu espaço nas organizações. “Às vezes, o profissional de RH acha que, só porque não produz receita, seu papel é menos importante do que o de outros executivos”, diz o professor de liderança e comportamento organizacional da escola de negócios IMD, da Suíça, George Kohlrieser.
A ausência de espaço — e, consequentemente, de poder desse líder — é a responsável pela mesmice das políticas e práticas de gestão. “Sem esse posicionamento do RH, as organizações continuarão gerindo os trabalhadores do mesmo jeito que fazem há anos”, afirma Jeffrey Pfeffer, professor da Universidade Stanford. O que significa, no fundo, ter uma administração preocupada apenas com ganhos e cortes de custos, que trata as pessoas de forma desrespeitosa.
O problema é que o mundo agora é outro — e é impossível gerar riqueza usando as velhas táticas corporativas. “O mundo deixou de ser fixo para ser móvel, deixou de ser previsível para ser volátil; tangível para intangível”, alerta o consultor César Souza, presidente da Empreenda. Um mundo que permite a entrada de novos consumidores e novos concorrentes — jovens que, por não aceitarem mais as regras conservadoras do ambiente corporativo, abrem seus negócios e faturam 1 milhão de reais em poucos meses — pede uma nova gestão.
E, para isso, o RH precisa mudar. Mudar de atitude, especialmente, para primeiro desejar e, depois, conquistar o poder. Só com poder esse líder irá conseguir impor suas ideias e praticar a gestão que acredita ser a mais correta na empresa. Ele é capaz? Sim, acreditam os gurus. “O RH é a força da organização e deve proteger a energia dos empregados”, afirma Kohlrieser. Esses profissionais precisam ser capazes de influenciar outros líderes, criar uma profunda ligação entre as pessoas e trabalhar com soluções criativas e realmente destinadas aos negócios da companhia.
Saber ouvir, perguntar e mandar são algumas das características necessárias para o atual perfil desse profissional que busca a mudança. Grandes líderes, dizem os gurus, são capazes de reorganizar seu cérebro e jogar para ganhar. Eles não têm medo de cometer erros nem de enfrentar temas complexos (ou de dizer coisas ruins). “Só 20% das pessoas fazem isso”, diz o professor do IMD. Se o executivo de recursos humanos assim fizer, irá se diferenciar.
Seja o arquiteto da mudança
Dave Ulrich
Título: Professor de negócios da Universidade de Michigan e sócio da consultoria RBL Group
País: Estados Unidos
Livro: The why of work — How great leaders build abundant organizations that win (ed. mcgraw hill professional)
Há um ditado francês que diz que quanto mais as coisas mudam, mais elas são iguais”, diz Dave Ulrich, o maior especialista de gestão de pessoas do mundo. Tratar as pessoas com respeito e envolvê-las nas decisões são conceitos que existem há dezenas de anos. Porém, no mundo atual, onde as coisas acontecem com mais intensidade e rapidez, isso se torna um desafio maior, o que requer uma gestão de recursos humanos mais sensível às necessidades individuais, e menos às genéricas. Há funcionários, por exemplo, que querem trabalhar mais horas e ganhar mais; outros podem preferir tempo livre a dinheiro.
“Só um gestor de RH ruim acredita que a mesma ferramenta e as mesmas políticas servem para todos”, diz o guru. O bom RH, na visão de Ulrich, vai moldar o sistema de recompensas conforme a necessidade das pessoas — e o que elas valorizam. Sua orientação é que os gestores de recursos humanos sejam os verdadeiros arquitetos da organização. “O RH não dirige a empresa; quem faz isso é o líder”, diz o professor. “Quando você constrói uma casa, um arquiteto realiza o projeto, dá ideias, mas o dono do imóvel é você.” A incumbência do gestor de pessoas é trazer projetos inovadores, como incluir os clientes no processo de seleção, para auxiliar a companhia a fazer contratações mais justas. “Os clientes podem ajudar ainda a definir o perfil de um bom empregado, ou a determinar os critérios pelos quais eles serão avaliados.” Na opinião de Ulrich, o gestor de RH melhorou bastante nos últimos cinco anos e passou a entender mais dos negócios, mas ainda falta desenvolver algumas competências, como estudar a linguagem do mercado (o idiom
a financeiro), entender a estratégia e como a organização irá se diferenciar, compreender não só os acionistas, mas também clientes, fornecedores, investidores e trabalhadores e, por último, perceber o contexto do mercado, as mudanças sociais, demográficas e econômicas em seu negócio. “Todos esses níveis são críticos para o sucesso do RH”, diz. “Só quando o gestor de pessoas aprender isso será capaz de tomar posições estratégicas.”
Aborde temas sangrentos e faça perguntas
George Kohlrieser
Título: professor de liderança e comportamento organizacional do IMD
País: Suíça
Livro: Hostage at the table — how leaders can overcome conflict, influence others, and raise performance(ed. jossey-bass)
"Se você não muda, fica estagnado — e morre”, diz Kohlrieser. Mas é importante saber que toda mudança envolve perda e dor. “Você deixa algo ir, ou se move de um lugar a outro. Às vezes, a perda é sutil, indireta, mas sempre envolve dor.” O papel do líder é explicar isso aos funcionários e ajudá-los a entender o que eles ganharão com essa mudança. Para isso, os chefes precisam ser o que Kohlrieser chama de base segura, como os pais são, na maior parte das vezes, para seus filhos. “As crianças querem explorar o mundo, se arriscar, mas de tempos em tempos voltam para os pais, para se sentirem seguras antes de saírem para explorar novamente.”
Quando um chefe imediato cria essa base segura, as pessoas se sentem engajadas e se tornam mais produtivas. O líder também precisa ser capaz de lidar com temas complexos. Por exemplo, como falar com um empregado com baixa performance? “A complexidade é como um peixe na mesa, que cheira mal e se torna tóxico — e muitas corporações têm medo de expor os temas complexos na mesa”, afirma o professor. E esse medo, ele diz, causa problemas de curto e longo prazo, destrói o desempenho dos empregados e afeta os negócios. “Os líderes precisam abordar o tema sangrento e fétido para jantar um bom peixe no fim do dia.” Afinal, diz ele, complexidade e mudanças criam novas ideias, renovam a energia e proveem uma profunda conexão entre as partes. Para ajudar n
essa conversa, Kohlrieser usa o que aprendeu nos 35 anos em que foi negociador de sequestros. O primeiro passo é criar uma conexão com o outro, “mesmo que você não goste do outro”. Para isso, é preciso dialogar (e aqui, vale um alerta: um diálogo tem foco definido e é constituído de poucas frases). Por fim, o líder deve ajudar o indivíduo a enxergar sua motivação. “Num sequestro, o negociador não manda ninguém fazer nada, apenas pergunta.” E é isso que os gestores deveriam fazer — perguntas, como: O que você pensa sobre isso? Qual seu objetivo? Qual a sua ideia para resolver o problema? O mesmo vale para o RH. “O profissional de RH tem a missão de proteger a energia da população trabalhadora”, diz o guru. “Ele mesmo precisa ser a base segura — ser visto como alguém de confiança.” O gestor de pessoas não precisa entregar respostas para tudo, mas deve ajudar os outros a pensar — e isso, de novo, se faz com perguntas. Como você acha que seria a solução? Como eu posso ajudá-lo? Quando o líder precisar demitir alguém por baixo desempenho, o RH deve ajudá-lo a fazer de forma correta — de modo que o demitido perceba o benefício por trás da dor.
Pare de olhar pelo retrovisor
César Souza
Título: presidente da consultoria Empreenda
País: Brasil
Livro: A Neoempresa — o futuro da sua carreira e dos negócios no mundo em reconfiguração (ed. integrare)
Para César Souza, estamos vivendo uma mudança de época, algo tão forte como aconteceu na revolução industrial. “O e-mail é a revolução da hierarquia, já que o operário envia uma mensagem diretamente para o presidente da companhia e recebe a resposta sem ter de passar pela média gerência”, diz o consultor. A força que os países emergentes estão exercendo na economia (em 2020, eles representarão 90% do PIB dos sete países mais ricos) e o movimento Occupy Wall Street, entre outras alterações políticas e sociais, são indícios de que o mundo será diferente. “O problema é que os empresários gerem seus negócios olhando pelo retrovisor”, alerta Souza. Ideias de Maslow, Marx e Weber ainda são usadas pelos executivos, mas chegou a hora de rever esses conceitos. Copiar o modelo de outras corporações reconhecidas como modernas, como Google e Facebook, também não adianta, porque elas igualmente pertencem ao passado. Aliás, fazer benchmark, na opinião do guru, “é coisa de gente sem criatividade, que quer copiar a ideia do outro”. Para sobreviver a esse novo cenário, as organizações deverão se transformar no que Souza define como neoempresa, um lugar em que os executivos geram um mapa de valor para todas as partes envolvidas, inclusive funcionários e clientes. “Não adianta criar salas de recreação ou de jogos, isso não é criar valor, não é fazer os empregados felizes — isso é manipulá-los”, afirma Souza. Na neoempresa, o colaborador é feliz pelo trabalho em si. Lá, a alma é o segredo do negócio (em vez de o segredo ser a alma do negócio) e o RH gerencia pelo indivíduo, e não por cargos e salários. “O neoRH empresaria pessoas, o que significa investir nelas para que sejam melhores do que pensam que são.”
Valorize os cabelos brancos
Peter Cappelli
Título: professor de gestão e diretor do Centro de Recursos Humanos da Wharton School
País: Estados Unidos
Livro: Managing the older worker — how to prepare for the new organizational order (Ed. Perseus book)
Um dos principais desafios das empresas atualmente — não importa o país ou a cultura — é administrar os conflitos causados pela liderança invertida — de jovens supervisionando trabalhadores mais velhos. Isso, diz Peter Cappelli, exige um tipo diferente de gestão. “Os mais experientes esperam menos premiações e reconhecimento”, diz. “Eles buscam ser tratados como parceiros.” É importante as companhias terem consciência de que os mais velhos têm mais habilidades interpessoais, algo imprescindível para o ambiente de trabalho. “Eles também desempenham melhor sua função, sua atenção é melhor, têm mais motivação e são melhores na maioria das dimensões”, acredita o professor. Uma visão que alivia grande parte das empresas, cada vez mais ávidas por pessoas que deem contribuições imediatas. Afinal, você pode ter um talento aí do seu lado que trabalha há muitos anos na organização. A diferença é que, ao contrário Um dos principais desafios das empresas atualmente — não importa o país ou a cultura — é administrar os conflitos causados pela liderança invertida — de jovens supervisionando trabalhadores mais velhos. Isso, diz Peter Cappelli, exige um tipo diferente de gestão. “Os mais experientes esperam menos premiações e reconhecimento”, diz.
“Eles buscam ser tratados como parceiros.” É importante as companhias terem consciência de que os mais velhos têm mais habilidades interpessoais, algo imprescindível para o ambiente de trabalho. “Eles também desempenham melhor sua função, sua atenção é melhor, têm mais motivação e são melhores na maioria das dimensões”, acredita o professor. Uma visão que alivia grande parte das empresas, cada vez mais ávidas por pessoas que deem contribuições imediatas. Afinal, você pode ter um talento aí do seu lado que trabalha há muitos anos na organização. A diferença é que, ao contrário do seu pré-conceito sobre talento, ele não tem 25, mas 50 anos. Para o guru, os gestores de recursos humanos devem parar de acreditar que precisam buscar fora as habilidades necessárias para ganhar competitividade. Eles deveriam, sim, pensar em seus empregados em longo prazo, o que implica valorizar as experiências no decorrer dos anos. Segundo Cappelli, o novo modelo de gestão de pessoas deve seguir a ideia básica de que o negócio tem responsabilidade com todos os seus envolvidos — clientes, parceiros, empregados e acionistas, e não apenas com estes últimos.
Conquiste seu poder na empresa
Jeffrey Pfeffer
Título: professor de comportamento organizacional da Universidade Stanford
País: Estados Unidos
Livro: poder — como o conquistar, usar e manter (ed. lua de papel)
Para o guru americano Jeffrey Pfeffer, que estuda comportamento organizacional há 30 anos, nada mudou no perfil das empresas nos últimos 20 anos. “As corporações continuam preocupadas com custos, crescimento da receita, mandando gente embora e fazendo coisas que desrespeitam os empregados”, diz. Isso não significa que os profissionais de RH apoiem essa atitude. O problema é que eles não conseguem levar (e defender) sua visão de negócios para cima, o que força a manter as mesmas (e velhas) práticas de gestão de pessoas. “Eles não são hábeis em ter seu ponto de vista ou perspectiva aceito na companhia”, diz Pfeffer. “Eu diria que o grande problema da comunidade de gestão de pessoas é justamente a ausência de poder.” Segundo o professor, vários profissionais de recursos humanos dizem não estar interessados nesse poder, seguindo um discurso de que o RH deve fazer o bem e ter um enfoque mais humano. “Esse pensar em fazer o bem, em ajudar os indivíduos e não desejar o poder impede o RH de ir mais longe.” O que esse executivo não percebe é que, para ter sua opinião promovida e discutida e fazer as coisas como gostaria, ele precisa desse poder. “Todo mundo deve ser hábil para conquistar respeito, exercer influência e participar nas decisões da organização”, diz Pfeffer. A dica do guru para alcançar o poder se resume em duas palavras: desejo e habilidade. Primeiro, o profissional de RH precisa desejar o poder, ter ambição. Segundo, precisa das habilidades necessárias para conquistá-lo: energia, persistência, resiliência e, de certa forma, saber gerenciar conflitos, porque a estratégia envolve construir relacionamentos.
Mais do que estratégico, seja inovador
Joel Souza Dutra
Título: professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do departamento de recursos humanos da USP
País: Brasil
Livro: Gestão de pessoas — práticas modernas e transformação nas organizações (ED. ATLAS)
André Luiz Fischer
Título: consultor da Fundação Instituto de Administração e professor da Universidade de São Paulo (USP)
País: Brasil
Livro: EDUCAÇãO CORPORATIVA — FUNDAMENTOS, EVOLUÇãO E IMPLANTAÇãO DE PROJETOS (ED. ATLAS)
A área de recursos humanos deve mudar seu posicionamento e assumir de vez o papel de protagonista no jogo empresarial, é no que acreditam Joel Dutra e André Fischer, professores da Universidade de São Paulo, que juntos estudam o mercado de gestão de pessoas no Brasil. Para isso é preciso rever alguns papéis e práticas que foram adotados ao longo do tempo, como o de consultor de RH. “Quando uma moça de 25 anos, com apenas dois de experiência e, portanto, sem bagagem para discutir, chega para falar com alguém de negócios, o RH passa uma imagem de quem só atende pedido”, adverte Fischer. Para ele, a palavra certa para o atual RH não é estratégico, mas inovador, ou seja, aquele profissional que adapta a prática de gestão de pessoas de acordo com o atual estágio do negócio. “Na Natura, por exemplo, o RH está tentando incluir na remuneração do funcionário uma porcentagem relativa a quanto sua área contribui, ou não, com a emissão de gás carbono”, diz Fischer. Mesmo com esse exemplo, tanto ele quanto Joel Dutra fazem um alerta: não é para o profissional de recursos humanos sair por aí copiando práticas de outras empresas. Ao contrário, o RH inovador cria práticas de acordo com o posicionamento estratégico de sua organização. “Se o executivo de RH não ocupar esse lugar, alguém irá ocupá-lo”, diz Dutra.
Tire o melhor de seus empregados
Luiz Carlos Cabrera
Título: professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. É sócio-fundador da Amrop-Panelli Motta Cabrera
País: Brasil
Livro: Se eu fosse você, o que faria como novo gestor de pessoas (ED. CAMPUS/Elsevier)
Depois de consolidar os fundamentos da gestão de pessoas (recrutamento, seleção, retenção etc.) e de se posicionar como estratégico, chegou a hora de o gestor de recursos humanos ajudar a organização a ganhar competitividade”, diz Luiz Carlos Cabrera. Isso envolve melhorar sua produtividade, o que é possível de duas formas: aumentando a produção ou reduzindo os custos. Aumentar a competitividade sem encarecer a organização é um novo desafio para os executivos brasileiros. “Antes, todo mundo sabia reduzir despesas, mas o país entrou em uma fase na qual os empresários precisam crescer a produção”, diz Cabrera. A solução para fechar essa conta com lucro é melhorar o desempenho de cada trabalhador. “Não significa fazer o indivíduo trabalhar mais, e sim trabalhar melhor.” Isso implica mexer em processos para fazer com que as pessoas executem sua função com mais qualidade e evitem o retrabalho. O treinamento também é bem-vindo, mas não o treinamento convencional. “Não estou falando apenas em treinar operacionalmente, mas em engajar o camarada com a empresa, fazer com que tenha paixão e, assim, trabalhe melhor”, diz o professor. Uma função que não deve ser atribuída apenas aos líderes. “Não é somente o líder que engaja. O líder gerencia as relações”, afirma. O que engaja mesmo, na opinião de Cabrera, é o conjunto da corporação — as políticas, a forma como trata os colaboradores e o seu discurso estratégico. n