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Bússola Poder: Janones, Nikolas e a lei de Ulysses Guimarães

"Quem faz as leis, agora quer a anistia geral, ampla e irrestrita. Tudo em nome da democracia, que nem defendiam", Márcio de Freitas explora na coluna desta semana

Câmara dos Deputados (Depositphotos/Agência Câmara)

Câmara dos Deputados (Depositphotos/Agência Câmara)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 7 de junho de 2024 às 15h00.

Nunca houve tanta tecnologia de ponta disponível para registrar os detalhes mais selvagens do ser humano. A Câmara dos Deputados exibiu nesta semana esse paradoxo: deputados em estado natural mirando sopapos no celular um do outro, com transmissão digital ao vivo e sem fio da rede mundial. Nenhuma conexão com a modernidade dos equipamentos, apenas cenas dignas da era da pedra lascada.

Ulysses Guimarães cunhou uma máxima incontornável: quem acha o atual Congresso ruim, espere o próximo. Será ainda pior. O doutor Diretas nos deixou com essa sentença pairando sobre o futuro do país. Morreu em 1992 sem nos deixar pelo menos um túmulo para reclamar dessa previsão sinistra.

A sina se confirma a cada dia na agenda parlamentar, em repetições sequenciais capazes de modificar outra máxima famosa, de Karl Marx. Ele observou que todos os fatos significativos na história do mundo ocorrem duas vezes. A primeira como tragédia, a segunda como farsa.

Ao enfrentar denúncias generalizadas contra deputados e senadores, o Congresso sempre busca formas de evitar condenações. Repete sempre o fato de buscar improvisar uma anistia, uma saída para aliviar o companheiro de legislatura em maus lençóis. Não importa a época, os parlamentares brasileiros sempre intentam a repetição da mesma manobra. Assim foi no Brasil Colônia (vejam o que aconteceu a alguns inconfidentes mineiros), Império, República… velha, nova, reformada ou militarizada. Sempre surge nova farsa para encobrir nossa tragédia original.

Os fatos e personagens não se repetem só duas vezes, mas tantas outras vezes que modificam a essência da farsa. De tanto encenar a mesma comédia sem humor, descobre-se que, na verdade, vive-se em uma peça social que é verdadeira tragédia cumulativa. Não é teatro, nem é grego. É real e brasileiro.

Locupletem-se todos é um lema que exige depois o perdão generalizado. Quem faz as leis, agora quer a anistia geral, ampla e irrestrita. Tudo em nome da democracia, que nem defendiam. Pelo contrário, negavam, atacavam e queriam interromper. Ora, ora… a ironia é uma forma literária que tem vida própria fora dos livros. E na vida real ganha contornos de cinismo.

Os tempos atuais demonstram que essas farsas sobrepostas, acumuladas em série, desgastam o tecido da crença mais básica do cidadão no Estado. Os políticos fabricam leis em benefício próprio com essa carga ardilosa de sarcasmo social. Colhe-se tempestade que contamina a todos, de forma generalizada. Quanto mais avança rumo a seu destino traçado, mais se parecem com o personagem de Sófocles, o tal Édipo Rei: ao ver sua sina predestinada se concretizar, ele furou os próprios olhos por não suportar ver a verdade.

Em terras brasilis, vive-se em farsa, e nossos personagens não são capazes de se cegar, até porque não enxergam lá muita coisa além do próprio umbigo… e os cliques de curtidas e compartilhamentos das próprias misérias pessoais.

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