UPP contribuiu para aumento da violência doméstica na favela
De acordo com a pesquisa, os traficantes de drogas atuavam como se fossem "mediadores" desse tipo de conflito
Da Redação
Publicado em 19 de maio de 2016 às 16h47.
A implantação de unidades de Polícia Pacificadora ( UPP ) em favelas do Rio de Janeiro contribuiu para o aumento da violência doméstica nesses territórios, sugere o estudo Masculinidade e não-violência no Rio de Janeiro , publicado hoje (19) pelo Instituto Promundo em parceria com o programa global Safe and Inclusive Cities (Cidades Seguras e Inclusivas).
A pesquisa identificou o aumento na etapa qualitativa, quando foram feitas 56 entrevistas com homens, seus parentes e suas respectivas parceiras, de 18 a 56 anos de idade.
O grupo de entrevistados inclui ex-traficantes, policiais e ativistas. Os entrevistados foram ouvidos entre 2013 e 2016.
De acordo com a pesquisa, os traficantes de drogas atuavam como se fossem "mediadores" desse tipo de conflito.
Com a chegada das UPPs, criou-se um vácuo para impedir os conflitos domésticos e brigas em eventos públicos.
“Se a mulher traísse o marido, o tráfico autorizava o marido a bater na mulher, mas isso se ele fosse falar com o tráfico antes. Se ele batesse antes, os dois entravam na porrada pelo tráfico: uma porque traiu e o outro porque bateu na mulher sem falar com o tráfico, não pediu permissão pra isso. Porque eles não querem ter surpresa”, declarou um dos entrevistados, não identificado por motivo de segurança, morador do Complexo do Alemão, zona norte da cidade.
“Então são várias questões que na reconfiguração do tráfico [com relação à instalação da UPP] – fez com que ele [o traficante] se retirasse da quase totalidade da mediação das relações sociais internas”, diz o estudo.
Outro entrevistado, fundador da organização não governamental Observatório de Favelas, Jailson de Souza e Silva, o tráfico em algumas favelas era o policial, o juiz e o carrasco.
“O tráfico tinha esquemas punitivos bastante eficientes em alguns aspectos que são diluídos com a chegada da UPP. Nesse início também aumentam as denúncias de situações de violência”, disse Jailson Silva, que é morador do Complexo da Maré, na zona norte da cidade.
Segundo o ativista, o tráfico está cada vez mais voltando a disputar o poder na favela com a polícia.
“E o morador fica entre dois fogos, duas lógicas militares, bélicas. E o civil sofre os efeitos de ambos, sem poder definido ou regras pactuadas. É o pior dos mundos. A polícia não entendeu que só poderia criar novas regras na favela pactuando com os moradores e preferiu assumir o protagonismo de poder”, disse.
Domínio dos homens
Conforme pesquisa, ex-traficantes entrevistados declararam que o uso da violência contra mulher justificava-se quando ela se queixava, desobedecia ou quando os homens tinham ciúmes.
Para alguns, esses atos de violência mostravam que o domínio masculino na relação e não era considerado ato violento, apenas uma forma de “reforçar” ou “dar satisfação” no relacionamento.
Uma das coordenadoras da pesquisa, Alice Taylor, disse que o estudo constatou que a polícia de proximidade precisa focar trocas e ações legítimas que priorizem a segurança dos cidadãos, como a promoção de fóruns comunitários, uma iniciativa do antigo programa UPP Social, mas que não teve continuidade.
“É importante olhar para a infância e a adolescência. Muitas vezes os grupos que trabalham a questão de gênero e de não violência estão separados dos grupos que trabalham com violência urbana e segurança pública. É preciso unir esses grupos, alinhar as iniciativas para termos de fato políticas de segurança mais eficazes e integrais”, afirmou.
A pesquisa sugere também que é necessário treinamento específico sobre como usar e portar armas para reduzir o impacto diário da presença policial nas comunidades.
História das UPPs
O programa de segurança pública que deu origem às UPPs começou a funcionar em dezembro de 2008, quando foi instalada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora, no Morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul da capital fluminense.
Desde então, já foram implantadas quase 40 UPPs com um efetivo de quase 10 mil policiais.
Com a chegada das UPPs, as taxas de homicídio reduziram nos anos seguintes à implantação das unidades, assim como tiroteios, e o modelo foi bem recebido pela maioria da população.
No entanto, em 2013 e 2014, os números de homicídios cresceram, atingindo os níveis registrados antes da implementação das UPPs, tendo crescido até 55% em comparação ao verificado anteriormente em algumas comunidades, de acordo com dados de 2015 do Instituto da Segurança Pública.
Até a publicação do texto, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora não havia se manifestado sobre a pesquisa. As denúncias sobre atuação de policiais das UPPs podem ser feitas, com anonimato garantido, à Ouvidoria Paz com Voz.
Todos os registros são atendidos e acompanhados pelos comandantes das áreas pacificadas. O serviço recebe demandas pelo telefone (21) 2334-7599, por meio do site ouvidoriaupp.com.br ou na sede da coordenadoria, na Avenida Itaoca, nº 1.618, em Bonsucesso.
A implantação de unidades de Polícia Pacificadora ( UPP ) em favelas do Rio de Janeiro contribuiu para o aumento da violência doméstica nesses territórios, sugere o estudo Masculinidade e não-violência no Rio de Janeiro , publicado hoje (19) pelo Instituto Promundo em parceria com o programa global Safe and Inclusive Cities (Cidades Seguras e Inclusivas).
A pesquisa identificou o aumento na etapa qualitativa, quando foram feitas 56 entrevistas com homens, seus parentes e suas respectivas parceiras, de 18 a 56 anos de idade.
O grupo de entrevistados inclui ex-traficantes, policiais e ativistas. Os entrevistados foram ouvidos entre 2013 e 2016.
De acordo com a pesquisa, os traficantes de drogas atuavam como se fossem "mediadores" desse tipo de conflito.
Com a chegada das UPPs, criou-se um vácuo para impedir os conflitos domésticos e brigas em eventos públicos.
“Se a mulher traísse o marido, o tráfico autorizava o marido a bater na mulher, mas isso se ele fosse falar com o tráfico antes. Se ele batesse antes, os dois entravam na porrada pelo tráfico: uma porque traiu e o outro porque bateu na mulher sem falar com o tráfico, não pediu permissão pra isso. Porque eles não querem ter surpresa”, declarou um dos entrevistados, não identificado por motivo de segurança, morador do Complexo do Alemão, zona norte da cidade.
“Então são várias questões que na reconfiguração do tráfico [com relação à instalação da UPP] – fez com que ele [o traficante] se retirasse da quase totalidade da mediação das relações sociais internas”, diz o estudo.
Outro entrevistado, fundador da organização não governamental Observatório de Favelas, Jailson de Souza e Silva, o tráfico em algumas favelas era o policial, o juiz e o carrasco.
“O tráfico tinha esquemas punitivos bastante eficientes em alguns aspectos que são diluídos com a chegada da UPP. Nesse início também aumentam as denúncias de situações de violência”, disse Jailson Silva, que é morador do Complexo da Maré, na zona norte da cidade.
Segundo o ativista, o tráfico está cada vez mais voltando a disputar o poder na favela com a polícia.
“E o morador fica entre dois fogos, duas lógicas militares, bélicas. E o civil sofre os efeitos de ambos, sem poder definido ou regras pactuadas. É o pior dos mundos. A polícia não entendeu que só poderia criar novas regras na favela pactuando com os moradores e preferiu assumir o protagonismo de poder”, disse.
Domínio dos homens
Conforme pesquisa, ex-traficantes entrevistados declararam que o uso da violência contra mulher justificava-se quando ela se queixava, desobedecia ou quando os homens tinham ciúmes.
Para alguns, esses atos de violência mostravam que o domínio masculino na relação e não era considerado ato violento, apenas uma forma de “reforçar” ou “dar satisfação” no relacionamento.
Uma das coordenadoras da pesquisa, Alice Taylor, disse que o estudo constatou que a polícia de proximidade precisa focar trocas e ações legítimas que priorizem a segurança dos cidadãos, como a promoção de fóruns comunitários, uma iniciativa do antigo programa UPP Social, mas que não teve continuidade.
“É importante olhar para a infância e a adolescência. Muitas vezes os grupos que trabalham a questão de gênero e de não violência estão separados dos grupos que trabalham com violência urbana e segurança pública. É preciso unir esses grupos, alinhar as iniciativas para termos de fato políticas de segurança mais eficazes e integrais”, afirmou.
A pesquisa sugere também que é necessário treinamento específico sobre como usar e portar armas para reduzir o impacto diário da presença policial nas comunidades.
História das UPPs
O programa de segurança pública que deu origem às UPPs começou a funcionar em dezembro de 2008, quando foi instalada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora, no Morro Santa Marta, em Botafogo, na zona sul da capital fluminense.
Desde então, já foram implantadas quase 40 UPPs com um efetivo de quase 10 mil policiais.
Com a chegada das UPPs, as taxas de homicídio reduziram nos anos seguintes à implantação das unidades, assim como tiroteios, e o modelo foi bem recebido pela maioria da população.
No entanto, em 2013 e 2014, os números de homicídios cresceram, atingindo os níveis registrados antes da implementação das UPPs, tendo crescido até 55% em comparação ao verificado anteriormente em algumas comunidades, de acordo com dados de 2015 do Instituto da Segurança Pública.
Até a publicação do texto, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora não havia se manifestado sobre a pesquisa. As denúncias sobre atuação de policiais das UPPs podem ser feitas, com anonimato garantido, à Ouvidoria Paz com Voz.
Todos os registros são atendidos e acompanhados pelos comandantes das áreas pacificadas. O serviço recebe demandas pelo telefone (21) 2334-7599, por meio do site ouvidoriaupp.com.br ou na sede da coordenadoria, na Avenida Itaoca, nº 1.618, em Bonsucesso.