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Lula preso: um país há 48 horas vidrado no sindicato

Brasil espera para ver o que acontece em São Bernardo do Campo; trata-se de um símbolo de um país com mais dúvidas que respostas na política e judiciário

LULA APÓS DISCURSO NESTE SÁBADO: a noite chegou sem nenhuma definição sobre como se dará sua prisão / Leonardo Benassatto/ Reuters (Leonardo Benassatto/Reuters)

Raphael Martins

Publicado em 7 de abril de 2018 às 18h02.

Última atualização em 9 de abril de 2018 às 19h10.

Foram quase 48 horas, desde a noite de quinta-feira, com o Brasil de olhos presos numa mesma imagem. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguia dentro do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, desde que foi informado que seu mandado de prisão havia sido expedido pelo juiz federal Sergio Moro.

O cumprimento antecipado de pena deveria ter sido iniciado a partir das 17 horas desta sexta-feira, mas advogados do presidente negociaram uma prorrogação para que Lula participasse de uma missa em homenagem à sua ex-esposa, Marisa Letícia, neste sábado. A cerimônia estava marcada para 9 horas da manhã, mas também atrasou. E acabou virando o que Lula sabe fazer melhor: um discurso que misturava história, campanha e muita crítica. O ex-presidente subiu no carro de som por volta das 10h40 e discursou ao meio-dia.

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O discurso durou uma hora e fez ataques fortes às instâncias do Judiciário que apreciaram seu caso, ao Ministério Público Federal, às elites e à imprensa. Ao fim da fala, foi carregado pelos aliados de volta ao prédio do sindicato. “Eles têm o sonho de me ver preso. Vou atender ao pedido deles. Eles acham que tudo o que acontece neste país é minha responsabilidade”, disse o ex-presidente.

“Vou lá [para Curitiba] com a seguinte crença. Vão descobrir que o problema desse país não se chama Lula. Não adianta tentar evitar que eu ande por esse país, porque há milhões de Lulas para não acabar com minhas ideias, elas estão pairando no ar”, afirmou. “Meu sonho, sonharei pela cabeça de vocês. Se tiver um infarte, meu coração baterá pelo coração de vocês.”

Fechou a fala de forma messiânica. “Vocês, todos vocês, daqui para frentes serão Lula. A morte de um combatente não para a revolução. Quanto mais dias me deixarem lá, mais Lulas vão nascer neste país”, disse. “Podem matar uma, duas ou três rosas, mas nunca vão impedir a chegada da primavera.”

No decorrer dos dois dias, Lula fez de tudo para ganhar tempo. Com o intuito de evitar que o ex-presidente fosse preso, a defesa do petista chegou a protocolar dois novos pedidos de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal questionando a chegada da ordem de prisão antes do julgamento dos “embargos dos embargos”, o último procedimento possível na corte de segunda instância da Operação Lava-Jato, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. No Supremo Tribunal de Justiça, o recurso foi negado pelo ministro Félix Fischer, na tarde de sexta-feira. No Supremo, o caso foi rejeitado pelo ministro Edson Fachin, na manhã deste sábado.

Enquanto se desenrolava o curso jurídico, as ruas ao redor do Sindicato dos Metalúrgicos foram ocupadas por apoiadores de Lula, discursando em carro de som contra a prisão do ex-presidente desde quinta à noite. A quantidade variava de acordo com o horário, sem esvaziar.

O cenário que Lula tentou remontar assemelha-se ao de um adversário político internacional. Há quatro anos, o líder da oposição venezuelana Leopoldo López, que tinha um mandado de prisão expedido pelo regime do ditador Nicolás Maduro, entregou-se às autoridades em meio a uma manifestação pública de seus apoiadores. Com todos vestidos de branco, López discursou em defesa de que sua prisão fosse combustível para protestos pacíficos pela “liberdade da Venezuela”. Ele foi levado por policiais em um blindado, sob protestos de civis. A cena icônica rodou o mundo.

Lula tenta emplacar uma narrativa semelhante, de perseguição política. Alguns dados mostram que seu processo foi, de fato, acelerado na Justiça, como reclamam seus apoiadores. O período entre sentença e prisão após julgamento foi o mais rápido entre os réus da Lava-Jato. Foram nove meses, ante pelo menos o dobro para os demais condenados. O caso do tríplex também foi o mais rápido a sair da Justiça Federal em Curitiba e chegar ao TRF-4, que, por sua vez, fez da ação a mais veloz em ter o julgamento marcado.

Ainda assim, a multiplicidade de recursos protocolados pelos advogados mostra que houve o devido processo legal, com garantia de defesa. A crítica dos juristas aliados ao presidente é de que Moro e o TRF-4 deram juízos parciais. A manobra da ministra Cármen Lúcia, de segurar as ações que questionam a prisão de condenados em segunda instância, também entrou no radar de protestos dos advogados.

São esses os argumentos que servem para a narrativa de que Lula é perseguido pela Justiça e foi condenado sem provas. O Ministério Público Federal sempre rebateu ao dizer que se trata de um caso de vantagens indevidas pagas junto à ocultação de patrimônio. Não haveria, portanto, documentos de posse do tríplex em nome da família Lula da Silva, como costuma acontecer em recebimento da vantagens indevidas. Os juízes entenderam que Lula sabia dos ilícitos relacionados ao tríplex de Guarujá, nada fez como figura influente da política brasileira para reverter, e se beneficiou do esquema.

As entrelinhas do discurso

Como se colocou como candidato a presidente desde o ano passado, Lula vem misturando o processo jurídico a sua campanha política. E tem sido bem sucedido nas pesquisas de intenção de voto, que lhe dão mais de 30% das intenções de votos. A dúvida é quantas intenções de votos mais Lula conseguiria com esse discurso. Recentemente, Lula havia aliviado as críticas ao Judiciário com a contratação do ex-presidente do Supremo Sepúlveda Pertence para seu time de defesa.

Neste sábado, as críticas voltaram com força. A fala que agrada aos militantes petistas pretende unir partidos de esquerda para manter a capacidade de aglutinar uma aliança. Em seu discurso, fez homenagens aos candidatos à Presidência Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, do PSOL e do PCdoB. A tendência, contudo, é que sem Lula os partidos se pulverizem em candidatos de diferentes coligações.

“Para os apoiadores do Lula a resistência tenta reforçar a imagem de que ele resistirá até o fim e manter coesa a sua militância. Entretanto, para o eleitor médio, mostra um desrespeito a uma decisão da Justiça de alguém que conta com amplo apoio popular”, afirma Wagner Parente, cientista político e sócio da consultoria Barral M Jorge. “A transferência de votos de Lula para outro candidato já era incerta sem a prisão. A prisão dificulta mais ainda esse processo. Muito eleitores de Lula não são ideologicamente de esquerda, e podem direcionar seus votos para candidatos com um viés mais populista.”

Nas pesquisas de intenção de voto, são Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) quem mais se beneficiariam da ausência de Lula na corrida. Nenhum dos dois apareceu nas manifestações. “O PT vai insistir no Lula por um tempo, mas vai acabar se convencendo que não faz sentido mantê-lo. A dúvida é se será possível lançar um nome próprio ou compor com Ciro, por exemplo”, diz Thiago Vidal, diretor de análise política da Prospectiva Consultoria. “O PT tem um potencial de votos de 15% em média, o que é muito no atual cenário. A depender da fragmentação de candidaturas, há chance real de segundo turno para qualquer que seja o nome escolhido.”

O sábado termina com incertezas não só no campo político, mas também no judicial. Mesmo que o prognóstico para a Lei da Ficha Limpa seja de fato de manter Lula fora da disputa, o Supremo Tribunal Federal pode rever na próxima semana o entendimento de que réus condenados em segunda instância devem ir para a prisão.

Na quarta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello, contrário à antecipação do cumprimento de pena, deve levar ao plenário um pedido de liminar que pede suspensão das prisões antecipadas. A decisão suspenderia a execução de pena de casos como os de Lula. A ministra Rosa Weber, que na teoria tem a mesma posição de Marco Aurélio, mas votou contra o habeas corpus do ex-presidente para respeitar o entendimento da maioria em 2016, poderia virar o jogo.

As incertezas sobre como a prisão aconteceria são simbólicas: o Brasil vive um momento de mais dúvidas do que respostas. A prisão de Lula pode perdurar para depois das eleições. Ou pode terminar em poucos dias. Às 18h deste sábado, carros da Polícia Militar se aproximavam do Sindicato dos Metalúrgicos. Mas Lula continuava entocado.

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