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TSE pode “apressar” julgamento e negar candidatura de Lula sem processo?

Hipótese aventada por Admar Gonzaga, ministro da Corte, é criticada por especialistas

Admar Gonzaga, ministro do TSE (Ueslei Marcelino/Reuters)

Admar Gonzaga, ministro do TSE (Ueslei Marcelino/Reuters)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 20 de junho de 2018 às 16h48.

São Paulo - Sem citar nominalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.O ministro Admar Gonzaga, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou a sugerir, na semana passada, que candidaturas à Presidência da República possam ser rejeitadas “de ofício” — nesse caso, sem a abertura do processo e sem direito à ampla defesa. Mas, na prática, o que isso quer dizer?

O TSE é a primeira e última instância que julga os registros de candidatura em nível nacional (presidente, deputados e senadores). Depois da publicação do edital com os dados de todos os candidatos que solicitaram o registro, começa a correr um prazo de cinco dias para que o Ministério Público Eleitoral, os adversários do candidato ou os partidos políticos encontrem ilegalidades na candidatura e peçam sua impugnação.

Segundo a Lei da Ficha Limpa, o candidato então tem direito de (e prazo para) se defender, e os juízes do TSE vão apreciar a questão. Todo o processo demora, em média, entre 15 e 30 dias.

Durante esse tempo, e é isso que torna a discussão importante, o candidato pode fazer campanha eleitoral, até o esgotamento dos recursos no TSE.

O que Admar Gonzaga tem sugerido é que a candidatura poderia ser negada antes que o candidato ficha-suja apresente sua defesa e antes que o tema seja julgado em plenário (o que ele chama, informalmente, “de ofício”).

Segundo o ministro, quando um candidato à presidência apresenta a certidão criminal, e nela consta uma condenação em órgão colegiado, o juiz não precisa de mais comprovações de que aquele candidato é inelegível.

“Ele confessou para mim, que sou o juiz, que ele é inelegível. Me desculpe, mas vai ser de ofício. Ou eu levo a minha decisão, peço pauta, peço plenário, e digo: 'minha decisão é essa, vocês concordam?', para os meus pares. Depois, se quiserem, eles recuam”, afirmou o ministro, durante o IV Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral em Curitiba (PR).

"É claro que nós não vamos fechar a porta do protocolo para qualquer candidato que seja inelegível. A diferença é que quem escolhe qual cargo almeja é o candidato. E quando você almeja um cargo de presidente da República, não podemos brincar com o país. Não podemos fazer com que milhões de brasileiros se dirijam à urna eletrônica para votar nulo. Não contem comigo para isso", afirmou o ministro.

Discussão jurídica

A questão é controversa porque, apesar de Gonzaga não citar o ex-presidente Lula quando fala sobre essa possibilidade, ele é o único pré-candidato que se enquadra nos parâmetros que estão sendo levantados na hipótese.

Além disso, essa não foi a primeira vez que Admar Gonzaga defendeu a ideia: em maio, durante um evento da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), ele já tinha dito, segundo o Valor Econômico, que um ministro do TSE pode tomar essa decisão sozinho.

O problema é que muitos juristas discordam. Presente no debate em Curitiba, o advogado Luiz Fernando Pereira, do VGP, lembrou de mais de 1.500 candidatos que, só no Rio de Janeiro, desde 2010, conseguiram reverter a inelegibilidade nos tribunais.

“Nós temos que reconhecer que, nesse caso, a inelegibilidade é tal que dispensa o contraditório. Pode até fazer, mas é heterodoxo. Vai ser um 'avanço', entre aspas, na jurisprudência. Aí tem que avisar os 1.500 que conseguiram reverter a inelegibilidade ”, argumentou.

O professor de direito eleitoral da FGV Diogo Rais também afirma que é preciso tomar cuidado porque a questão é “sensível”. “A Justiça Eleitoral não pode negar o pedido de cara, sem abrir processo”, defende.

Para o advogado Fernando Neisser, no entanto, não é possível afirmar, pelas palavras ditas por Gonzaga, que ele esteja defendendo a supressão do protocolo do TSE.

“Esse protocolo é o Estado de Direito. Prefiro acreditar que ele levaria o processo aos demais ministros do TSE depois de observado o devido processo legal, o direito a ampla defesa e ao contraditório”, afirmou.

Para Neisser, como Gonzaga não deixou explícito em qual momento a candidatura seria negada, há possibilidade de considerar que ela seja legal.

O artigo 51 da resolução 23548/2017 do TSE prevê a possibilidade quando nem o MPE, nem os adversários tenham entrado com pedido de impugnação de uma candidatura que é ilegal:

Ainda que não tenha havido impugnação, o pedido de registro deve ser indeferido quando o candidato for inelegível ou não atender a qualquer das condições de elegibilidade

Mesmo se fosse esse o caso a que Gonzaga se refere,  Neisser ainda faz uma ressalva: "Teria que ouvir a parte antes. Não conseguiu liminar, nem reverteu a inelegibilidade, ainda assim o juiz poderia julgar de ofício. Mas jamais, nunca, em nenhuma hipótese, antes de passado o prazo das impugnações, apresentada a defesa. Isso não teria condição de ocorrer", afirmou.

Lula

Apesar de ter sido condenado e estar cumprindo pena, Lula ainda aparece como líder nas pesquisas de intenção de voto nacionais que citam o seu nome.

Para o Partido dos Trabalhadores, portanto, é interessante que Lula não tenha seu registro negado e que participe da campanha até o último momento possível.

Dessa forma, segundo especialistas, o poder de transferência de votos para o outro candidato do PT seria maior.

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