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Tombini ‘fominha’ vai precisar da chuteira de Meirelles no BC

O futuro presidente do Banco Central vai precisar de determinação semelhante a de Henrique Meirelles para combater a inflação, que já atinge o maior nível em cinco anos

Alexandre Tombini, futuro presidente do BC: em busca da credibilidade de Meirelles (AGÊNCIA BRASIL)
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Da Redação

Publicado em 17 de dezembro de 2010 às 05h42.

Brasília - Quando estudante de doutorado na Universidade de Illinois, Alexandre Tombini costumava mandar seus adversários mancando para fora do campo de futebol.

Como o próximo presidente do Banco Central, ele vai precisar de determinação semelhante para combater a inflação, que já atinge o maior nível em cinco anos, ao mesmo tempo em que trabalha para uma presidente que acabou de ser eleita e em uma instituição sem independência formal.

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Tombini, um economista de 47 anos que passou a maior parte da sua carreira no próprio BC, ainda não possui a credibilidade que permitiu a Henrique Meirelles abater a inflação de 12,5 por cento para 5,6 por cento nos últimos oito anos, segundo Andressa Tezine, vice-presidente de renda fixa para mercados emergentes na PineBridge Investiments, que administra cerca de US$ 83 bilhões, incluindo aplicações em títulos brasileiros.

“Este é o pior cenário possível”, disse Tezine de Londres, em entrevista por telefone. “Você tem inflação maior do que o esperado e ainda tem dúvidas sobre o banco central.”

Se Tombini agir decisivamente no combate à inflação logo nos seus primeiros meses no cargo, ele pode conseguir a mesma credibilidade que Meirelles tem hoje, disse Tezine. A ação rápida pode fazer o rendimento dos títulos com vencimento a partir de 2015 ultrapassar o dos papéis mais curtos, disse ela.

Durante a gestão de Meirelles, os títulos brasileiros acumulam ganho em dólar de 250 por cento até ontem, de acordo com o índice EMBI+ do JPMorgan Chase & Co. O prêmio que investidores exigem para comprar títulos brasileiros em dólar em relação aos títulos do Tesouro americano caiu de 1.446 pontos- base, ou 14,46 pontos percentuais, para 175 ponto-base, ou 1,75 ponto percentual.

Dividendo ‘duplo’

A taxa básica de juros caiu de 25 por cento em janeiro de 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, para 10,75 por cento este ano. O real mais do que dobrou de valor em relação ao dólar, se tornando a divisa com melhor desempenho entre as 16 principais moedas monitoradas pela Bloomberg. O Ibovespa subiu mais de 1.100 por cento em dólares, comparado com 41 por cento do S&P 500.

O Brasil de Lula e Meirelles colheu um “dividendo duplo” com a estabilização econômica e a alta no preço de commodities, disse Ilan Godlfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco Holding SA, maior banco brasileiro em valor de mercado, e ex-diretor de Política Econômica do BC.

À medida que esse dois dividendos perdem importância, o Brasil de Tombini e de Dilma Rousseff não continuará crescendo à mesma taxa recente sem mudanças regulatórias e tributárias para melhorar o ambiente de negócios, disse Goldfajn, que assinou com Tombini alguns estudos do BC.

Lutando sozinho

“A política fiscal tem sido muito expansionista, isso deixou o BC lutando sozinho contra inflação”, disse Goldfajn.

Se mantido o ritmo de gastos, a taxa de juros do Brasil pode levar até uma década, em vez de quatro ou cinco anos, para convergir para níveis internacionais, acrescentou Goldfajn, em entrevista por telefone de São Paulo.

Dilma, uma ex-guerrilheira marxista que foi presa e torturada pela ditadura militar, foi eleita primeira presidente mulher do Brasil em 31 de outubro depois de prometer dar continuidade às políticas de Lula e erradicar a pobreza. Tombini vai competir com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que vai continuar no cargo em que está desde 2006, para influenciar Dilma no desenho da política econômica.


A relação entre Tombini e Dilma é “uma incerteza muito grande”, segundo Marcelo Salomon, economista-chefe para o Brasil no Barclays Capital. Em sua sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Tombini disse a congressistas que Dilma prometeu a ele “autonomia operacional total”.

Viajado

O presidente da República nomea e pode remover os diretores do BC, que não têm mandato fixo.

Tombini nasceu no Rio Grande do Sul e tem dois irmãos. Seu pai, Tildo, trabalhou como economista para a Organização das Nações Unidas nas décadas de 1960 e 1970, levando sua família a viver por alguns anos no Paraguai, Guatemala, Costa Rica e Chile durante a juventude de Tombini.

A visão do futuro presidente do BC sobre inflação foi moldada na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, onde ele integrou uma geração de economistas latino-americanos que participou de um programa de bolsas de estudo conduzido pelo professor Werner Baer.

O atual presidente do BC da Colômbia e do Paraguai, assim como o presidente do Equador, Rafael Correa, também estudaram economia na universidade.

Tombini dividiu a sala de aula e se tornou amigo próximo de Jose Dario Uribe, presidente do banco central colombiano. Os dois costumavam assistir juntos a jogos de futebol, incluindo a Copa do Mundo de 1990, quando Colômbia e Brasil foram eliminados na segunda fase.

Viva Colômbia

“Lembro quando a Colômbia enfrentou a Alemanha e empatamos no último minuto, ele estava lá comemorando conosco”, disse Uribe em entrevista por telefone.

Os dois amigos passaram a se ver com menos frequência depois que Tombini conheceu Michele Ann Todd, uma estudande de direito com quem se casou, contou Uribe. O casal tem dois filhos, de 13 e 9 anos.

Bernard Mueller, professor de econometria na Universidade de Brasília, jogou futebol no time de Tombini em Illinois. O time era patrocinado por um restaurante local e usava camisas com a inscrição “Burritos tão grandes quanto sua cabeça”, recordou Mueller.

Mueller lembra do colega de time como alguém quieto e reservado fora do campo, mas bastante agressivo durante o jogo.

“Ele jogava no sempre no ataque, era muito fominha com a bola”, disse Mueller numa entrevista em Brasília. “Ele levava o jogo muito a sério, discutia o tempo todo.”

Fúria inflacionária

Em Illinois, Tombini escreveu sua tese de doutorado em 1991 intitulada “Instabilidade Financeira e Atividade Econômica no Brasil: Evidência Empírica e Teórica”. A frase de abertura do trabalho de 167 páginas diagnostica a “inflação alta e instável” como principal causa de crises na América Latina.

Em agosto de 1991, quando Tombini publicou sua tese de doutorado, a inflação anual chegava a 381 por cento no Brasil, depois de atingir um pico de 6.821 por cento em abril do ano anterior. O descontrole de preços atrasou o desenvolvimento do País porque bancos relutavam em estender crédito por tempo suficiente para financiar projetos de longo prazo.

Agora, Tombini vai assumir a política monetária brasileira com a inflação se aproximando do limite máximo do intervalo da meta utilizada pelo BC. A inflação acumulada em 12 meses em novembro foi a 5,63 por cento, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo. No mês, a inflação subiu 0,83 por cento, o maior aumento mensal desde abril de 2005.

O BC persegue inflação de 4,5 por cento, mais ou menos dois pontos percentuais.

Compulsório

No início do mês, o Conselho Monetário Nacional elevou requerimentos de capital e o compulsório de instituições financeiras para conter a expansão anual de 20 por cento no crédito, que vem alimentando a demanda interna. No atual cargo de diretor de Normas e Organização do Sistema Financeiro, Tombini possui um entendimento profundo desse tipo de medida macroprudencial, que são o ”arroz com feijão” do seu trabalho, disse Salomon, do Barclays Capital.

Baixas taxas de juros nos Estados Unidos, Japão e na zona do euro vêm levando investidores a buscar ativos de retorno maior em mercados emergentes. Isso significa que países como Brasil, Turquia e Polônia, que têm inflação em alta, vão precisar pensar de forma “mais criativa” sobre como conduzir suas políticas monetárias para evitar apreciação de suas moedas, disse Neil Shearing, economista para mercados emergentes da Capital Economics, baseada em Londres.

“A própria carreira do Tombini pode significar que o banco central brasileiro está mais interessado em utilizar diferentes ferramentas de política monetária”, disse Shearing. “Ele é um bom conhecedor disso tudo. Se alguém entendia de economia monetária melhor que o Meirelles, essa pessoa era ele.”

Educação

De Meirelles, Tombini vai herdar uma economia desacelerando depois de atingir o maior crescimento desde 1985. A oitava economia do mundo vai crescer 7,6 por cento este ano e 4,5 por cento no ano que vem, de acordo com a última previsão do BC.

Tombini não atendeu ao pedido de entrevista antes de assumir o cargo em 3 de janeiro.

O desempenho econômico do Brasil nos próximos anos vai depender em parte do quanto Tombini será capaz de se lembrar das aulas de economia em Illinois, disse Baer.

“Quando eles vão bem, é porque tiveram uma excelente educação”, disse Baer. “Quando não têm sucesso, é porque esqueceram tudo que nós ensinamos.”

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