O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): deputado disse que tem totais condições de presidir a casa se virar réu da Lava Jato (Ueslei Marcelino/Reuters)
Raphael Martins
Publicado em 2 de março de 2016 às 06h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 15h40.
São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) dá início hoje (2) ao primeiro julgamento envolvendo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o plenário analisa se aceita ou não a denúncia contra o deputado que o acusa dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva no escândalo da Petrobras.
Janot formalizou a denúncia em agosto passado por conta do suposto recebimento de US$ 5 milhões por parte de Cunha pela facilitação e garantia de vantagens indevidas na contratação de navios-sonda para a estatal. O deputado sempre negou as acusações.
Este é apenas um de três processos que correm contra Cunha no Supremo e pode ser o pontapé inicial para o seu afastamento do cargo por uma frente diferente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, tanto do posto de presidente da Casa como do próprio mandato de deputado federal.
Cunha foi acionado no Conselho por ter mentido na CPI da Petrobras, onde prestou depoimento espontaneamente e afirmou não ter contas secretas no exterior. A Procuradoria-Geral da República, no entanto, encontrou ao menos quatro contas atribuídas a ele na Suíça, com dinheiro não declarado à Receita Federal.
Em sua defesa, o deputado nega ser proprietário das contas, mas diz ser apenas beneficiário de trustes administrados por terceiros e abastecidos com rendimentos de seu trabalho no exterior. Desde dezembro, o deputado usa de sua influência para performar manobras com aliados para postergar o julgamento na comissão protocolado pela Rede Sustentabilidade e o PSOL.
De volta ao STF, caso os ministros decidam hoje pelo aceite da denúncia, Cunha vira réu no âmbito da Operação Lava Jato e será formalmente investigado por crimes comuns. Com esse processo somado a outro pedido de Janot, que demanda seu afastamento do cargo por interferência nas investigações, abre-se uma nova frente para sua queda.
Isso porque, em seguida ao julgamento da denúncia, espera-se que os ministros deliberem sobre essas possíveis interferências do parlamentar para complicar o trabalho de procuradores. Havendo consenso, pode ser gerada uma medida cautelar para tirá-lo do posto ainda essa semana.
É verdade que seu afastamento tão repentino é uma hipótese remota. De acordo com Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, essa seria uma medida sem precedentes e, para o Poder Judiciário decretar afastamento do presidente da Câmara, do ponto de vista institucional, seria necessário um embasamento muito sério.
“A discussão pode levar semanas e o afastamento nem vir a ocorrer, embora exista um clamor público”, avalia o especialista em entrevista a EXAME.com. “É importante salientar que os prazos geralmente são longos para que o réu possa ter ampla defesa e manter sua posição. Os ministros têm de estar muito bem convencidos de que ele deve ser afastado antes da culpabilidade ser 100% transitada e julgada.”
Para ele, no entanto, a prisão de Delcídio do Amaral (PT), primeiro caso de senador preso no exercício da função, é uma prova de que pode haver justificativa explicitada apenas nos autos para uma possível autuação e queda de Cunha em pouco tempo.
CAI NO STF OU NO CONSELHO DE ÉTICA?
O presidente da Câmara chegou a protocolar um pedido de adiamento da deliberação do plenário sobre a matéria por conta do “curto espaço de tempo na divulgação da pauta de julgamento”, que foi convocado em 19 de fevereiro. O relator, Teori Zavascki, negou o pedido.
Essa foi a segunda vez que Cunha tentou articular com ministros sobre pautas do Supremo. Em dezembro, o deputado chegou a pedir uma reunião com o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, para supostamente tratar sobre o rito do impeachment definido pelo Supremo. O ministro negou o pedido e fez questão que jornalistas presentes pudessem acompanhar a conversa.
“Isso mostra que Cunha não tem o mesmo trânsito no STF que aquele que dispõe na Câmara, então ele teria mais chance de ser deposto no Supremo”, afirma Flávio de Leão Bastos Pereira, do Mackenzie. “Ainda bem, porque quando o Judiciário estiver capturado por interesses, será o fim da democracia.”
Em suma, por mais que as deliberações demorem, o STF é um novo centro de preocupação para Eduardo Cunha caso o processo vá adiante. Uma medida cautelar decretada pelo plenário, por ser a mais alta corte do país, dificilmente conseguiria ser revertida.
Por se tratar de deliberação de crime comum — e não por conduta ética, como é o caso do processo no Conselho —, a decisão também não configura interferência do Judiciário no Legislativo.
O resultado final, porém, pode vir hoje, amanhã ou daqui meses. Certo é que se hoje a denúncia for acatada, apenas, Cunha já afirmou que tem "totais condições de presidir a casa", mesmo com o fardo de réu da Lava Jato sobre seus ombros.