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Sem Ministério de Direitos Humanos, homofobia pode aumentar

"Estamos indo na contramão do mundo", diz Carlos Magno, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais

Participante da parada gay defende luta contra homofobia: "nós estamos retrocedendo em mais de 30 anos", diz especialista (Joao Castellano/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2016 às 22h22.

No dia 12 de maio, o presidente em exercício Michel Temer assinava os seus primeiros decretos no Diário Oficial da União. No artigo 1 da Medida Provisória número 726 está lá, bem na oitava medida: extinção do Ministério das Mulheres , da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Nos últimos 19 anos, é a primeira vez que a pasta criada para dar visibilidade e garantir o direito de minorias é riscada da história do governo brasileiro.

"Estamos indo na contramão do mundo", diz Carlos Magno, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBT). Magno, que também representava a comunidade LGBT no Conselho de Direitos Humanos, reclama que no governo Dilma Rousseffas agendas de Direitos Humanos já estavam paralisadas - assim como demarcações de terras indígenas e criminalização da homofobia, por exemplo.

"Nós estamos retrocedendo em mais de 30 anos. Já não temos uma lei que criminalize a homofobia, não temos serviços, muito menos política pública. É óbvio que essa população que já é vulnerável vai ficar exposta a mais violência, mais ódio e à negligência do governo."

No segundo mandato, a presidente optou por extinguir as pastas de Mulheres e Igualdade Racial e juntar todas em uma só, integrando os ministérios sociais. Agora, no governo interino de Michel Temer, nada está definido, nem garantido. A economia com a extinção não soma R$ 400 milhões, valor do orçamento anual da pasta. "Esse valor representa uma gota dágua na União", afirma a deputada e ex-ministraMaria do Rosário (PT-RS). "Não é pelo dinheiro. É por uma decisão política de não ter os direitos humanos como prioridade. Virou algo descartável", reclama.

Hoje, cinco dias depois desse ato histórico - não em um sentido positivo - é Dia Internacional de Combate à Homofobia. Data em que a gente lembra que, um dia, ser gay, lésbica, transexual ou travesti já foi considerado doença. Em 1973, depois de séculos de opressão, a Organização Mundial da Saúde reconheceu que a homossexualidade não era um distúrbio mental. Mas para chegar até essa conquista, precisamos de muita manifestação e algumas páginas de obtuários que nunca foram publicados nos jornais da época. Foram anos de luta pelos Direitos Humanos.

O HuffPost Brasil fez um debate sobre o assunto nesta terça-feira, dia 17 de maio. O advogado especializado em Diversidade Sexual, Paulo Iotti, a transexual Renata Peron e a jovem Marina Garcia - ambas já sofreram agressões por causa da sua sexualidade - falaram sobre os desafios de combater a homofobia.

Mas você pode se perguntar: a extinção da pasta de Direitos Humanos no Brasil e o Combate à Homofobia têm relação? Têm. E muita. Vamos fazer uma viagem no tempo para o século 17. Nessa época, quando ninguém falava em Direitos humanos, homossexuais que cometessem atos indecentes iriam para a forca nos Estados Unidos. Dois séculos depois, se você fosse homossexual teria a sorte de parar na prisão por seus relacionamentos "antinaturais". Em 1899, você poderia escolher: ou seria hipnotizado ou teria seus órgãos sexuais castrados para conter os desejos sexuais.

Não paramos por aqui porque o século 20 foi muito mais inovador. Em 1937, na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos, os médicos prometiam que seus pacientes desistiriam do "vício" de ser gay depois de dez sessões de eletrochoque. Quinze anos depois, na Checoslováquia, você seria tratado com um medicamento que induzia ao vômito e seria obrigado a ver imagens de homens nus. Depois, de brinde, tomaria uma dose de testosterona, com uma seleção exclusiva das melhores mulheres sem roupa. O ápice, lógico, veio na década de 60: quase 40 anos depois do início do tratamento de lobotomia, a medicina concluía que os pacientes continuavam homossexuais.

Mesmo não sendo mais doença, ainda somos tratados como tal pela sociedade conversadora e preconceituosa. Somos a nação que mais mata pessoas trans no mundo, segundo a ONG Transgender Europe - foram 546 casos entre 2011 e 2015.

Neste mesmo Brasil manchado pelo sangue das trans, não temos uma contabilização oficial de mortes envolvendo LGBT. O Grupo Gay da Bahia levantou 1.560 casos de assassinatos nos últimos quatro anos, como revela o especial LGBTfobia, divulgado pelo HuffPost Brasil em março.

O único órgão que consegue[ia] contabilizar as denúncias de violência é[era] o Disque 100 -ligado à pasta de Direitos Humanos -, que registrou mais de oito mil denúncias no mesmo período. Com 13 anos de atuação, foram mais de 700 mil casos de violação de Direitos Humanos. Todo esse trabalho está em espera, com três pontos de reticência. O HuffPost Brasil entrou em contato com o Ministério da Justiça e perguntou o destino desse serviço e dos demais projetos da antiga pasta. Segundo a assessoria, não há previsão e nem garantias de que eles permaneçam.

Para o advogado e militante dos Direitos Humanos, Renan Quinalha, a situação da comunidade LGBT "já era crítica". "Nós tínhamos muita dificuldade em avançar nas pautas por causa de um legislativo fundamentalista, por um judiciário conservador e por um executivo tímido. Agora, com esse novo quadro, ou resistimos nas ruas ou haverá retrocessos históricos", alerta.

A tendência, segundo Quinalha, é que o ato de excluir a pasta de Direitos Humanos aumente a invisibilidade da violência homofóbica. "A gente perde muito se os monitoramentos como Disque 100 forem enfraquecidos. Ficamos cada vez mais invisíveis e o número de casos só tende a crescer", prevê.

História

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, essa é a primeira vez que um presidente excluiu a Pasta de Direitos Humanos da composição do governo. Há 19 anos, o Brasil dedicou uma Secretaria responsável por colocar em prática todos os acordos assinados pelo País em convenções de diversas Organizações Internacionais. Em 1999, a secretaria ganhou status de ministério pela primeira vez na história da democracia brasileira.

Um dos primeiros a assumir a função foi o cientista político e diplomata Paulo Sérgio Pinheiro. Pinheiro critica a decisão anunciada por Michel Temer. Para ele, o retrocesso não é apenas simbólico, mas tem consequências operacionais.

"O governo que se instala parece que, temerariamente, vai voltar ao passado, criar uma 'divisãosinha' no Ministério da Justiça para tratar dos assuntos de cidadania"

O ex-ministro lembra que o Brasil assinou diversos pactos garantindo que os Direitos Humanos seriam prioridades em seus governos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; as Convenções da Tortura; da Discriminação Racional; dos Desaparecidos e da Violência Contra a Mulher.

"Esse governo tem uma ignorância crassa sobre o que ocorreu no mundo desde 1948. Agora, o que é mais grave é o desconhecimento do que ocorreu no Brasil, pois todos os presidentes, desde Sarney, contribuíram na construção de uma política de estado dos direitos humanos"

Na sua primeira entrevista como ministro da Justiça e da Cidadania, Alexandre de Moraes deixou claro: "nenhum direito é absoluto" - a mesma sentença vale para qualquer manifestação.

Estamos há cinco dias conhecendo, na prática, o mantra dos "direitos humanos para humanos direitos".

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No dia 12 de maio, o presidente em exercício Michel Temer assinava os seus primeiros decretos no Diário Oficial da União. No artigo 1 da Medida Provisória número 726 está lá, bem na oitava medida: extinção do Ministério das Mulheres , da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Nos últimos 19 anos, é a primeira vez que a pasta criada para dar visibilidade e garantir o direito de minorias é riscada da história do governo brasileiro.

"Estamos indo na contramão do mundo", diz Carlos Magno, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBT). Magno, que também representava a comunidade LGBT no Conselho de Direitos Humanos, reclama que no governo Dilma Rousseffas agendas de Direitos Humanos já estavam paralisadas - assim como demarcações de terras indígenas e criminalização da homofobia, por exemplo.

"Nós estamos retrocedendo em mais de 30 anos. Já não temos uma lei que criminalize a homofobia, não temos serviços, muito menos política pública. É óbvio que essa população que já é vulnerável vai ficar exposta a mais violência, mais ódio e à negligência do governo."

No segundo mandato, a presidente optou por extinguir as pastas de Mulheres e Igualdade Racial e juntar todas em uma só, integrando os ministérios sociais. Agora, no governo interino de Michel Temer, nada está definido, nem garantido. A economia com a extinção não soma R$ 400 milhões, valor do orçamento anual da pasta. "Esse valor representa uma gota dágua na União", afirma a deputada e ex-ministraMaria do Rosário (PT-RS). "Não é pelo dinheiro. É por uma decisão política de não ter os direitos humanos como prioridade. Virou algo descartável", reclama.

Hoje, cinco dias depois desse ato histórico - não em um sentido positivo - é Dia Internacional de Combate à Homofobia. Data em que a gente lembra que, um dia, ser gay, lésbica, transexual ou travesti já foi considerado doença. Em 1973, depois de séculos de opressão, a Organização Mundial da Saúde reconheceu que a homossexualidade não era um distúrbio mental. Mas para chegar até essa conquista, precisamos de muita manifestação e algumas páginas de obtuários que nunca foram publicados nos jornais da época. Foram anos de luta pelos Direitos Humanos.

O HuffPost Brasil fez um debate sobre o assunto nesta terça-feira, dia 17 de maio. O advogado especializado em Diversidade Sexual, Paulo Iotti, a transexual Renata Peron e a jovem Marina Garcia - ambas já sofreram agressões por causa da sua sexualidade - falaram sobre os desafios de combater a homofobia.

Mas você pode se perguntar: a extinção da pasta de Direitos Humanos no Brasil e o Combate à Homofobia têm relação? Têm. E muita. Vamos fazer uma viagem no tempo para o século 17. Nessa época, quando ninguém falava em Direitos humanos, homossexuais que cometessem atos indecentes iriam para a forca nos Estados Unidos. Dois séculos depois, se você fosse homossexual teria a sorte de parar na prisão por seus relacionamentos "antinaturais". Em 1899, você poderia escolher: ou seria hipnotizado ou teria seus órgãos sexuais castrados para conter os desejos sexuais.

Não paramos por aqui porque o século 20 foi muito mais inovador. Em 1937, na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos, os médicos prometiam que seus pacientes desistiriam do "vício" de ser gay depois de dez sessões de eletrochoque. Quinze anos depois, na Checoslováquia, você seria tratado com um medicamento que induzia ao vômito e seria obrigado a ver imagens de homens nus. Depois, de brinde, tomaria uma dose de testosterona, com uma seleção exclusiva das melhores mulheres sem roupa. O ápice, lógico, veio na década de 60: quase 40 anos depois do início do tratamento de lobotomia, a medicina concluía que os pacientes continuavam homossexuais.

Mesmo não sendo mais doença, ainda somos tratados como tal pela sociedade conversadora e preconceituosa. Somos a nação que mais mata pessoas trans no mundo, segundo a ONG Transgender Europe - foram 546 casos entre 2011 e 2015.

Neste mesmo Brasil manchado pelo sangue das trans, não temos uma contabilização oficial de mortes envolvendo LGBT. O Grupo Gay da Bahia levantou 1.560 casos de assassinatos nos últimos quatro anos, como revela o especial LGBTfobia, divulgado pelo HuffPost Brasil em março.

O único órgão que consegue[ia] contabilizar as denúncias de violência é[era] o Disque 100 -ligado à pasta de Direitos Humanos -, que registrou mais de oito mil denúncias no mesmo período. Com 13 anos de atuação, foram mais de 700 mil casos de violação de Direitos Humanos. Todo esse trabalho está em espera, com três pontos de reticência. O HuffPost Brasil entrou em contato com o Ministério da Justiça e perguntou o destino desse serviço e dos demais projetos da antiga pasta. Segundo a assessoria, não há previsão e nem garantias de que eles permaneçam.

Para o advogado e militante dos Direitos Humanos, Renan Quinalha, a situação da comunidade LGBT "já era crítica". "Nós tínhamos muita dificuldade em avançar nas pautas por causa de um legislativo fundamentalista, por um judiciário conservador e por um executivo tímido. Agora, com esse novo quadro, ou resistimos nas ruas ou haverá retrocessos históricos", alerta.

A tendência, segundo Quinalha, é que o ato de excluir a pasta de Direitos Humanos aumente a invisibilidade da violência homofóbica. "A gente perde muito se os monitoramentos como Disque 100 forem enfraquecidos. Ficamos cada vez mais invisíveis e o número de casos só tende a crescer", prevê.

História

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, essa é a primeira vez que um presidente excluiu a Pasta de Direitos Humanos da composição do governo. Há 19 anos, o Brasil dedicou uma Secretaria responsável por colocar em prática todos os acordos assinados pelo País em convenções de diversas Organizações Internacionais. Em 1999, a secretaria ganhou status de ministério pela primeira vez na história da democracia brasileira.

Um dos primeiros a assumir a função foi o cientista político e diplomata Paulo Sérgio Pinheiro. Pinheiro critica a decisão anunciada por Michel Temer. Para ele, o retrocesso não é apenas simbólico, mas tem consequências operacionais.

"O governo que se instala parece que, temerariamente, vai voltar ao passado, criar uma 'divisãosinha' no Ministério da Justiça para tratar dos assuntos de cidadania"

O ex-ministro lembra que o Brasil assinou diversos pactos garantindo que os Direitos Humanos seriam prioridades em seus governos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; as Convenções da Tortura; da Discriminação Racional; dos Desaparecidos e da Violência Contra a Mulher.

"Esse governo tem uma ignorância crassa sobre o que ocorreu no mundo desde 1948. Agora, o que é mais grave é o desconhecimento do que ocorreu no Brasil, pois todos os presidentes, desde Sarney, contribuíram na construção de uma política de estado dos direitos humanos"

Na sua primeira entrevista como ministro da Justiça e da Cidadania, Alexandre de Moraes deixou claro: "nenhum direito é absoluto" - a mesma sentença vale para qualquer manifestação.

Estamos há cinco dias conhecendo, na prática, o mantra dos "direitos humanos para humanos direitos".

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