Sartori, do RS: ajuste fiscal visa sobrevivência
Luciano Pádua O governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, iniciou seu mandato em 2015 em uma das piores crises fiscais do estado. Em março do ano passado, iniciou uma série de ajustes para controlar as contas públicas que fizeram o déficit programado para 2018 cair de 25 bilhões de reais para 8,8 […]
Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2016 às 13h54.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h47.
Luciano Pádua
O governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, iniciou seu mandato em 2015 em uma das piores crises fiscais do estado. Em março do ano passado, iniciou uma série de ajustes para controlar as contas públicas que fizeram o déficit programado para 2018 cair de 25 bilhões de reais para 8,8 bilhões de reais. Recentemente, o estado decretou calamidade financeira e propôs um ousado pacote de ajuste fiscal, que teve sua votação iniciada na Assembleia Legislativa do estado nessa segunda-feira 19 e deve se estender até a quarta-feira 21.
A primeira sessão foi conturbada. Após 13h de sessão, que se estendeu até as três da madrugada, os deputados haviam votado apenas três dos 26 projetos de lei do pacote, mas todos foram aprovados. Ao longo de toda a segunda-feira, servidores públicos protestaram em frente à Assembleia, contra o pacote que prevê demissões, alterações no calendário de pagamentos, extinção de onze órgãos públicos e a exclusão da necessidade de realizar plebiscitos para decidir sobre a privatização de empresas públicas, como a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás). O projeto também enfrenta resistência do PT e do PCdoB, que alegam que a população não teve espaço para discutir as medidas.
Confira a entrevista que o governador José Ivo Sartori concedeu a EXAME, no final de novembro, sobre a crise do estado do Rio Grande do Sul.
A crise do Rio Grande do Sul é do poder público, bem diferente de outros setores produtivos do estado. Como o governo chegou a esse pacote de ajuste que foi anunciado?
Desde 2015, procuramos reduzir muito as despesas e propusemos orçamentos realistas. As duas Leis de Diretrizes Orçamentárias aprovadas na Assembleia foram dentro de uma visão realista. Aprovamos uma lei de responsabilidade fiscal estadual. Muitas dessas medidas são pioneiras no país. Além disso, instituímos um novo regime de previdência complementar que vale para todos os novos servidores que entraram neste ano e no ano que vem. Renegociamos a dívida com a União, que nos deu um pouco de fôlego, e criamos um novo modelo de governança e gestão em todos os órgãos públicos com metas e resultados. Neste ano, aprovamos um projeto que autoriza o governo do estado a vender imóveis, uma parte para ficar à disposição do mercado e outra parte podendo ser substituída pela construção de vagas prisionais. Muitas coisas foram realizadas. A previsão era de que o estado chegasse ao final de 2018 com um déficit de 25 bilhões de reais, quase metade do orçamento. Com essas medidas até agora, sem contar o pacote, deveremos chegar ao final de 2018 com 8,8 bilhões de reais de déficit. Fizemos nosso dever de casa e estamos organizando. É claro que isso gera desconforto. Em compensação, entendemos que estamos propondo uma mudança. Do jeito que está não pode ficar. Temos um papel de mudança e de transformação do poder público, de olhar para o futuro.
Por que o senhor não propôs esse pacote no ano passado e decretou calamidade pública naquela época? Muitos ponderam essa demora…
No ano passado, não tínhamos condições de aplicar isso. Hoje, há um conjunto de sensibilização do governo federal, porque agora apertou ainda mais a situação. Chegou a hora. Havia gente que pensava que, com a renegociação da dívida, tudo estivesse resolvido. Ou que com o recurso que vem da repatriação tudo se resolvesse. Mas isso não representa muita coisa. No conjunto todo, estamos trabalhando para o equilíbrio das contas públicas. O que estamos disponibilizando para debate na Assembleia são medidas que buscam o equilíbrio financeiro e a garantia de recursos para investir nas prioridades que deve ter um poder público: educação, segurança e saúde, investimentos na infraestrutura e políticas sociais.
Mas o ajuste impacta esses serviços…
Não, às vezes poderia colocar mais efetivo. Todos os estudos que fizemos sobre a modernização da estrutura do estado levaram tempo. Foi um processo de quase um ano. Recebi o governo com 29 secretarias, estamos em 20 e queremos 17. Vamos extinguir 9 fundações, privatizar ou federalizar quatro companhias estaduais. Se tivermos a oportunidade de federalizar, aceitamos.
Como o senhor pretende privatizar com a lei que determina a realização de plebiscito?
Já enviamos um projeto para a Assembleia pedindo a retirada do plebiscito para facilitar as negociações.
O Rio Grande do Sul ficou muito resistente a uma cultura de mercado?
Sim, o estado tem uma história enquanto poder público e político bastante corporativa, que não é apenas no serviço público; é também na área privada, nas organizações da sociedade. Tem uma mensagem que é interessante: “um homem em frente a uma plateia pergunta quem quer mudança. Todo mundo levantou a mão. Quando foi perguntado para a mesma plateia quem queria mudar, ninguém levantou o braço”. Ou seja, quando é no particular, ninguém deseja fazer a mudança. Ela sempre exige remédios amargos. A transformação que estamos implementando no RS, que está em estágio terminal, não se resolve com analgésico. Tem que ter tratamento adequado com remédios fortes. Quem não entender isso, não está solidário. Os projetos que foram para a Assembleia também recaem sobre a área privada com corte de benefícios e antecipação da cobrança de ICMS. É um conjunto de medidas que revelam nossa intenção de olhar para o amanhã. Não desejo que o próximo governante tenha as mesmas dificuldades que eu tenho.
O estado ficou grande demais? Há uma gráfica estadual, uma mineradora…
É verdade. Temos obrigação de fazer a discussão de qual o tamanho do estado a sociedade suporta pagar. Queremos minerar carvão ou é melhor investir em segurança? Existem coisas que, no passado, até foram importantes para o poder público estadual participar. Em outras, não tem mais sentido: o mercado abrange. Não quer dizer que seja uma postura conservadora ou reacionária, temos que fazer o que precisa ser feito. Não é uma questão ideológica nem momentânea. Não faço isso para o meu governo. Sei que tem gente que vai ficar em dificuldade porque vai ser atingido. Compreendo isso e respeito, mas tenho certeza que temos de olhar para os 11 milhões de gaúchos e gaúchas que esperam atitudes, modelo de gestão e forma de avaliar o poder público diferentes. O Rio Grande do Sul olhou muito para si mesmo. Ele tem que se voltar para fora.
No começo de novembro, o senhor fez um pedido de ajuda nos pagamentos ao presidente Michel Temer. Como está essa negociação? O que está sendo discutido e quais as contrapartidas para o estado?
Não vamos receber nos moldes do Rio, até porque não tivemos uma Olimpíada aqui. Sabemos da dificuldade do país. De três a quatro vezes por mês tenho ido atrás das questões que são importantes para superar as nossas dificuldades, como o pagamento do 13º salário. Propusemos que pudesse vir um financiamento do BNDES. No ano passado, resolvemos o 13º vendendo a folha do estado ao Banrisul por dez anos, o que nos permitiu pagar os servidores. Este ano, estamos atrás de qualquer recurso. Aqueles que já vêm, como os da repatriação, ajudam, mas são um alívio apenas. A renegociação da dívida representou 20% da folha de pagamento. Mais adiante teremos que pagar.
Há a possibilidade de um aporte direto do governo federal?
Poderá ter. Tem governadores que até disseram que é preciso um carinho especial com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Mas não queremos nada diferente, queremos o mesmo tratamento. Quem sabe amanhã teremos um federalismo de verdade em que isso seja automático, respeitado e trabalhado de forma repartida. Não é justo que os estados exportadores percam por isso. Cada estado tem que ter um pouco de autonomia. Hoje, temos que superar as dificuldades financeiras do país. O dinheiro não sai de qualquer lugar. Eu me sinto constrangido de ter que parcelar salário. Agora, é o que recebi para fazer. Para superar isso, temos que enfrentar esse sacrifício solidariamente. Não tem outra maneira.
Como esse descompasso nas finanças afeta no ambiente de negócios? Quais as medidas o senhor pretende para reanimar o ambiente?
O ambiente de negócios vai bem. Temos uma carteira de investimentos que supera os 15 bilhões de reais e mais outros 20 bilhões em processo de atração de investimentos nacionais e externos. Fizemos viagens ao exterior. Acertamos, na França, a vinda da empresa de laticínios Lactalis para cá. Temos boas coisas que precisam ser salientadas. Aqui, 45% das exportações são de produtos industrializados. Temos mais de 50.000 indústrias. O Rio Grande do Sul é o primeiro estado brasileiro no ranking de produção de máquinas e implementos agrícolas, o segundo pólo metal-mecânico da América Latina e o segundo maior parque eólico do país. Estamos ganhando espaço bom na movimentação de contêineres no Brasil. Na exportação, perdemos muito recurso por causa da lei Kandir. Só em 2015, se ela estivesse regulamentada, teríamos recebido 3 bilhões de reais. Vamos receber 170 milhões de reais. Quem exporta se prejudica.
O estado perdeu competitividade, saindo da 4ª posição nacional em 2011 para a 9ª posição hoje. Santa Catarina subiu da 7ª para 3ª. Como modificar essa tendência?
Isso é relativo. Depende do volume. A competitividade no Rio Grande do Sul é forte. O decréscimo econômico e o desaquecimento da economia a partir de 2014 se deu justamente na área industrial, que é onde se sentiu a maior intranquilidade. Isso não representa tudo. O que é certo é que fomos prejudicados. Na reunião com o presidente Michel Temer, fizemos um pacto de união por mudanças no regime de previdência, mas também na parte do ajuste fiscal. O presidente ressaltou que nós fizemos nosso dever de casa na reunião. Isso nos dá um ânimo de saber que estamos no caminho certo.
O pacote de medidas que o senhor propõe torna mais competitiva a economia?
Na reunião, foram colocadas duas questões importantes: austeridade e reativação econômica do país. Se não retornar o mais rápido possível, a crise financeira dos estados vai afetar os municípios também. Quando mudamos a planta do ICMS, demos tranquilidade aos municípios. Eles tiveram um orçamento de 8% a 9% maior. O fato de declarar a calamidade financeira tem esse sentido de demonstrar para a sociedade que ou trabalhamos juntos para superar isso, fazendo algum sacrifício hoje, ou as dificuldades vão aumentar.
Segundo a Federasul, a cada dois dias uma empresa deixa o RS. Como o senhor pensa em enfrentar isso?
Tem muitas que também são extintas. Uma parte pode ser verdadeira, mas não representa o total. Junto com o governo federal, estamos trabalhando para reduzir a guerra fiscal entre os estados e propiciar que o desenvolvimento estratégico esteja entre as economias. No Rio Grande do Sul, estou tentando plantar uma semente para que regiões menos desenvolvidas tenham acesso mais facilitado, para diminuir a desigualdade. É preciso uma política nacional diferente para que todos consigam desenvolver suas economias localizadas.
Muitas se mudam para Santa Catarina…
Todo mundo tem seus interesses.
No RS, nenhum governador se reelegeu. O senhor acha que a falta de continuidade afeta as políticas públicas?
Não penso nisso. Quem pensa nisso, prejudica as atitudes. Não é uma questão de olhar meramente político ou de vontade pessoal. Temos que ter uma consciência coletiva da transformação do papel do poder público. Se não formos capazes de mudar esse papel, vamos repetir a mesmice. Ou seja, não controlar o que deve ser controlado para permitir o crescimento econômico. Não é político nem ideológico: é uma questão de sobrevivência em primeiro lugar. Em segundo lugar, alertar a todos para a construção de uma nova realidade. Se não tiver contribuição de todos, não vai ter sustentabilidade nessa transformação.
Desde 1970, o RS esteve por poucos anos no azul nas contas públicas. Por que? O estado ignorou a importância do equilíbrio fiscal?
Não quero olhar para trás. Sinceramente, prefiro olhar para frente. Tenho que enfrentar uma folha de pagamento que hoje tem 55% de servidores inativos e aposentados. Todo mundo quer a presença de mais servidores para prestar melhor serviço público, mas temos que ter cautela e fazer nossa parte com responsabilidade.