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Sabesp: o que realmente importa na privatização de uma das maiores empresas de saneamento do mundo

OPINIÃO | Para que a meta de universalização seja atingida em São Paulo, serão necessários R$ 10 bilhões a mais do que havia sido inicialmente previsto no planejamento estadual

Sabesp: mais de 600 vagas em concurso público (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 15 de novembro de 2023 às 09h02.

O setor de saneamento básico está diretamente relacionado ao bem-estar da população. Água e esgoto tratados são condições básicas para a saúde das pessoas, por exemplo, minimizando prejuízos sociais – como gastos com saúde pública, dias em que trabalhadoras e trabalhadores ficam afastados dos seus postos de trabalho, entre outras questões econômicas e sociais – relacionados às doenças de veiculação hídrica. Porém, o conhecido cenário do saneamento no Brasil é catastrófico, com metade da população sem atendimento com rede de esgoto.

A problemática é ainda exacerbada quando se considera os grupos populacionais mais atingidos pelos baixos níveis históricos de investimento e a infraestrutura precária no setor: mulheres e pobres, enfaticamente pretas. De acordo com o estudo “Mulheres & Saneamento” [1], 41,4 milhões de mulheres brasileiras (38,2% da população feminina) residem em casa sem coleta de esgoto, enquanto 24,7 milhões de mulheres (uma em cada quatro), não são abastecidas com água tratada com regularidade. Esses resultados são piores quando se avalia as classes de renda mais baixas, as regiões Norte e Nordeste, a população não branca do país.

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Conforme o mesmo estudo, o acesso precário ao saneamento implica piores indicadores de saúde, educação e renda, especialmente para as mulheres pobres. Em termos de saúde, pode-se mencionar um número maior de afastamentos das atividades rotineiras por diarreia ou vômito, bem como o tempo desses afastamentos. Em termos educacionais, meninas sem acesso a banheiros têm desempenho pior em provas de português e matemática e maior atraso escolar.  Correlatamente, aausência de banheiro na moradia reduz em 21,7% a remuneração de trabalhadoras do país, em relação àquelas que possuem banheiro.

Projeta-se que o acesso universal ao saneamento básico tiraria 18,4 milhões de mulheres da condição de pobreza.

Estudo conduzido pela ICO Consultoria para a ONU, demonstrou que se atingidos os investimentos considerados necessários para a universalização do acesso à água e esgoto, haveria benefícios adicionais induzidos de cerca de 28 mil até 947 mil empregos, R$ 11,3 bilhões até R$ 18,24 bilhões em arrecadação, e R$ 92,67 bilhões até R$ 267,4 bilhões de incremento no PIB. Além disso, para cada 1 ano de atraso da universalização do saneamento no Brasil, seriam perdidos cerca de 29,6 mil empregos, R$1,0 bilhão em arrecadação e R$ 8,4 bilhões em PIB. Se considerarmos 5 anos de atrasos (conservador), os prejuízos poderiam alcançar 165 mil empregos, R$ 5,7 bilhões em arrecadação e R$46,6 bilhões em produção.

Mesmo em localidades com situação relativamente mais avançada no setor, como no estado de São Paulo, a universalização é urgente e pode constituir uma ferramenta de transformação econômica e social na vida da população mais vulnerável do país. Apesar do índice de atendimento de esgoto de cerca de 92%, apenas 66 municípios dos 375 atendidos pela SABESP atendem as premissas de atendimento de água e esgoto para população total. No total, nos municípios da SABESP, mais de um milhão de habitantes não estariam atualmente incluídos nas metas de universalização, especialmente relacionados à população rural e de áreas isoladas do estado (de acordo com levantamento realizado pelo Governo do Estado de São Paulo).

Universalizar saneamento em SP: R$ 10 bi a mais

Para que a meta de universalização do Novo Marco Legal seja atingida em São Paulo e garanta a disponibilidade de água no estado, serão necessários R$ 10 bilhões a mais do que havia sido inicialmente previsto no planejamento estadual. Esse recurso servirá para universalizar os serviços de água e esgoto também para as famílias fora da área contratada pela SABESP.

A proposta da Lei de capitalização da SABESP, enviada pelo Governador de São Paulo à ALESP, retrata uma ferramenta interessante para dirigir São Paulo no sentido da universalização.  É que intenciona a atração de capital para realização dos investimentos necessários para a universalização em tempo menor até do que aquele previsto no Novo Marco do Saneamento. A idéia é que toda a população paulista tenha acesso a água e esgoto coletado até 2029.

Sabesp: o que importa na discussão

Se a empresa tem 10, 20, 30 ou 80% de participação do Estado - esse não é o ponto importante de se discutir.

O que importa é saber qual a forma mais eficiente de alcançar pessoas e mulheres que hoje não estão na rede e que não são, portanto, abraçadas pela política pública.

Para que esse objetivo seja cumprido, além de um operador competente, é preciso a presença de um  Estado ativo, especificamente, na regulação e no planejamento.

Isso se dá na coordenação entre Estado e Municípios, por meio de uma atuação conjunta, na definição de metas e objetivos que deverão ser seguidos pela concessionária. E, ainda, na atuação de agência reguladora competente, independente e bem estruturada para fazer uma regulação por incentivos e que, de um lado assegure o atendimento adequado à população e, ao mesmo tempo, zele que o investimento realizado pela concessionária seja protegido.

A SABESP já é referência nacional e internacional de boa prestação dos serviços. Mas a ampliação da participação privada no capital da empresa, afasta um regime de amarras burocráticas que dificultam sua atuação. A agilidade operacional da empresa, bem orientada por um Estado que zela pelo interesse maior da população, é a chave para trazer essas mulheres para a dignidade e para zelar com que elas se sintam humanas.


[1] https://www.mulheresesaneamento.com/pt/a-mulher-brasileira.

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