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Retomada das aulas no Rio pode levar mais de um milhão de pessoas às ruas

Fiocruz condena a reabertura prevista pela prefeitura e diz que taxa de contágio da Covid-19 na cidade ainda é alta

Escola pública (Arquivo/Agência Brasil)
AO

Agência O Globo

Publicado em 1 de julho de 2020 às 07h03.

Última atualização em 1 de julho de 2020 às 07h05.

A reabertura das escolas municipais, prevista para o início de agosto, e a dos colégios particulares, cuja retomada esta sendo discutida para julho, é condenada por especialistas da Fiocruz. A entidade divulgou na segunda-feira, mesmo dia em que a prefeitura do Rio lançou os protocolos de adequação sanitária que deverão ser seguidos pelas instituições de ensino, um documento recomendando que as atividades presenciais em colégios não aconteçam neste momento.

Segundo especialistas da fundação, indicadores considerados chaves para a volta às aulas, como a baixa taxa de contágio e a oferta de mais de 30% de leitos vagos de UTI, não foram ainda atendidos. Além disso, a retomada das atividades de alunos, professores e funcionários da rede municipal e privada levaria às ruas cerca de um milhão de pessoas, o que poderia, segundo eles, acarretar ainda mais aglomerações no transporte público.

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O documento, com base em números da Secretaria municipal de Educação, diz que o maior impacto seria com o retorno da rede pública. São 690 mil pessoas que voltarão a circular: 39,8 mil professores, 13,8 mil funcionários administrativos e 641,5 mil estudantes. Somadas as escolas particulares, o número chegaria a um milhão de pessoas.

Outra dado preocupante, apontam os especialistas, é a taxa de contágio do novo coronavírus, atualmente de 1,48. De acordo com a Fiocruz, o ideal, para não pôr em risco crianças, adolescentes e funcionários, é que o índice esteja abaixo de 0,5.

— As escolas, como um todo, estão lidando com crianças e jovens, que têm maior dificuldade de atender ao regulamento sanitário. Um único aluno com sintomas gripais pode espalhar o vírus — diz o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Hermano Castro, um dos autores do documento.

O estudo também alerta que a ocupação das UTIs ainda é alta. A Fiocruz diz que no último domingo a taxa de ocupação de leitos de Covid adulto era de 91% em unidades da rede municipal. O ideal seria, diz o documento, reabrir escolas quando 30% dos leitos estivessem vagos. A prefeitura, no entanto, diz que esse percentual já foi atingido, pois a regulação dos pacientes é feita também com unidades do estado e federais.

Sem papel higiênico

Outro problema é o despreparo das escolas. Para o coordenador-geral do Sindicato de Profissionais de Educação do Rio de Janeiro , Alex Trentino, os protocolos da prefeitura, que, entre outras medidas, exigem disponibilização de álcool gel e dois metros de distanciamento entre os alunos, são impossíveis de serem postos totalmente em prática:

— Hoje, se você entrar numa escola pública, verá que ela não tem nem papel higiênico. Não há condições sanitárias para a reabertura acontecer. E não é só o colégio: tem o trajeto. Muitos alunos saem da Rocinha para estudar em Botafogo. Como se garante a segurança deles?

Papel das crianças na transmissão do vírus ainda é incerto

As crianças são uma das principais incógnitas sobre a Covid-19. Não há certeza ou consenso sobre o seu papel na transmissão do coronavírus, e justamente por isso especialistas pensam que este não é o momento de reabrir as escolas no Rio de Janeiro.

Embora crianças e adolescentes até 18 anos constituam cerca de 2% dos casos confirmados de Covid-19 no Brasil e no mundo, o número de infectados nesta faixa etária é desconhecido porque a maioria é assintomática ou apresenta sintomas brandos. Além disso, pondera o pediatra Gary Wong, da Universidade Chinesa de Hong Kong, na revista “Nature”, um dos prováveis motivos para a taxa de infecção ser aparentemente baixa nas crianças é que elas foram menos expostas ao coronavírus justamente porque as escolas estão fechadas. Wong considera testagem maciça condição essencial para a reabertura de colégios.

As crianças são comprovadamente transmissoras importantes de vírus respiratórios, mas são minoria dos casos médios e graves de Covid-19, o que leva alguns especialistas a supor que também não sejam transmissoras eficientes do coronavírus. Por que isso acontece não se sabe.

Focos após reabertura

Estudos pequenos e experiências de países que reabriram as escolas, como Alemanha, Dinamarca, Austrália e França, sugerem que as crianças, aparentemente, contraem e espalham menos o coronavírus até os 10 anos de idade. Depois, diz o infectologista Alberto Chebabo, diretor médico do Hospital Clementino Fraga Filho, a capacidade de transmissão parece ser semelhante à dos adultos:

—Em Israel, onde as escolas reabriram, elas se tornaram focos da Covid-19, principalmente as de Ensino Médio. Não vejo problema para as crianças pequenas propriamente ditas, mas sim pelo que creches e escolas representam em aumento da mobilidade. Por isso, por ora, todas deveriam permanecer fechadas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que não existem certezas sobre o papel das crianças na transmissão. O epidemiologista da OMS Olivier le Polain declarou ao site americano Stat que somente a testagem em massa pode medir o potencial de transmissão das crianças.

Ele salienta que é preciso distinguir as crianças de até 10 anos das mais velhas e adolescentes. Um estudo pequeno realizado em Genebra, na Suíça, e publicado na “Lancet” indicou que as crianças mais novas têm baixa taxa de infecção. Mas as de 10 a 19 anos têm os mesmos níveis de anticorpos que os de adultos de 20 a 49 anos.

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